Estimular a cordialidade para conservar o que temos de humano, por Aracy Balbani

Há semanas recebi correspondência em que o remetente, muito educado, se referia a uma situação “antiquíssima” e apresentava seus cumprimentos cordiais. O fato é incomum por se tratar de carta formal impressa enviada por correio em plena era da comunicação digital instantânea, por recorrer ao superlativo “antiquíssimo” em vez de apelar ao vocábulo spielberguiano “jurássico” e por saudar a destinatária por extenso. O remetente pode até parecer prolixo aos milhões de adeptos das abreviaturas cotidianas “Att”, “abs”, “bjs”, “tb” e “pq” – sem falar na “fds”, aquela que dá asas à imaginação dos mais assanhadinhos.

Claro que uma dificuldade para manusear o teclado do celular ou computador e a necessidade de enviar uma mensagem urgente justificam usar abreviaturas em determinadas situações. Mas, fora disso, será mesmo impossível reservarmos quatro ou cinco segundos mais para escrevermos por extenso os beijos e o abraço que devotamos a alguém querido? Ou conseguirmos uns minutos mais para telefonarmos e expressarmos a essa pessoa, através de nossa voz, como a estimamos? Pode ser que estejamos abreviando não apenas as palavras, mas também o que ainda existe de humano e delicado nos relacionamentos. Não basta curtir o outro apressadamente; tem que cultivar a amizade com o coração sereno.

A sociedade está sempre mudando e, com ela, sua forma e conteúdo de comunicação. Isso é inevitável, embora nem sempre fácil de aceitar.

Talvez nem mesmo um punhado de crédulos leitores do sítio do Professor Hariovaldo Almeida Prado e mais meia dúzia de gramatiqueiros ultraortodoxos de plantão – estes, preocupadíssimos em conservar várias baboseiras linguísticas arcaicas, e nos quais Marcos Bagno já deu as merecidas traulitadas –  consigam conclamar a nós, brasileiros, para que saiamos em passeata no domingo 15 de março de 2015 pedindo a volta do trema, das aulas de latim nas escolas e do “ph” de pharmácia sem virarem motivo de chacota e provocarem um tremendo ataque de riso em, no mínimo, uns 56 milhões de compatriotas.

Mas, como disse o filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein, “Os limites da minha linguagem denotam os limites do meu mundo”. É preocupante observar como as palavras “honra”, “lealdade”, “bondade”, “caridade”, “dignidade”, “reflexão” e “compaixão” são cada vez mais raras nos textos publicados na imprensa ou compartilhados nas redes sociais e também nos pronunciamentos feitos por certas figuras públicas conservadoras.

Se isso for um sintoma do novo padrão ético e moral em gestação pela sociedade brasileira, temos um mau sinal. Provavelmente não apenas essas palavras correm risco de extinção; também os valores e atitudes que elas significam estão em perigo. Cabe-nos resgatar e cultivar com carinho essas palavras e seu significado para não retrocedermos à pré-história.

Redação

11 Comentários

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  1. ★★★★★
    Louvo a boa – clara, correta – escrita. Mas entendo que a heterogeneidade decorrente das diferenças e das oportunidades aproveitadas ou perdidas tornam-na excassa e muitas vezes mal compreendida.

    Há quem veja certo pedantismo no escrever e falar corretamente. Acho bacana um texto bem escrito – há aqui mesmo no GGN articulistas acima da média. Mas precisamos estar atentos para os conteúdos, mais do que com a forma. Importa, nestes tempos, que possamos nos comunicar, nos expressar, ainda que não perfeitamente, ainda que cometendo erros.

    Considero lamentável a depreciação da idéia devido à forma de apresentá-la. É de péssimo gosto apontar o erro do outro para desmerecê-lo e à sua ideia, principalmente em espaços colaborativos, pois inibe a manifestação e restringe a participação.

    A discussão sobre os conteúdos é de outra monta. Estamos com enorme déficit de cordialidade, disponibilidade para ouvir e tolerância. Há uma agressividade improdutiva e que afasta. Contundência não é sinônimo de coerência ou exatidão.

    Há uma questão com a qual não consigo transigir: jornalistas e professores cometendo erros de regência e ortografia. Fora isto, louvo que possamos nos comunicar.

    Ainda outro dia, um dos comentaristas decodificou o comentário de um outro para um terceiro que não havia compreendido. Foi interessante; quem não compreendeu, insistiu e um terceiro ajudou. Colaboração.

    Aos que se reconhecem ainda com problemas nesta área, a receita é antiga mas funciona: ler, ler, ler e ler ainda mais. Acredito na força do exercício: ler mais e escrever mais para compreender e se expressar contínua e exponencialmente melhor.

    A troca fica facilitada e a inclusão e a participação também.

    1. Quem nunca errou ortografia

      Quem nunca errou ortografia que atire a primeira tampinha de Crush para os outros ajoelharem em cima.

      Marcos Bagno esclarece o preconceito linguístico dos mais abastados e escolarizados contra os mais pobres e vítimas do nosso péssimo ensino público. Isso ocorre ao ridicularizar uma pessoa que fala “pra mim fazer”, por exemplo. É um preconceito de classe. Ele alerta para os  “comandos paragramaticais” midiáticos, teóricos que perpetuam o pedantismo da “norma culta”, e o déficit de letramento na nossa população. Também profissionais liberais e jornalistas podem estar entre os que não conseguem entender um texto em português brasileiro. Ou até entendem e dominam a gramática, mas têm o coração cheio de fel.

    2. Respeito e tolerância

      Concordo plenamente Anna. Claro que o correto uso das palavras e a observância às difíceis regras gramaticais engrandecem o conteúdo.Muitas vezes, observo comentários jocosos tanto pela escrita imperfeita como nas opiniões divergentes. Falta respeito e tolerância com a opinião divergente, afinal num debate onde prevalece a ideia, você tem condição de impor seu pondo de vista, ao passo que com ignorância isso não é possível. 

    3. Erros de regência? Isso NAO EXISTE REALMENTE

      O que existe sao “decretos” de gramáticos sobre regências que os falantes nao usam mais; querem que eles nao usem o que realmente existe na língua agora e usem coisas que nao se dizem mais. 

      Gosto muito de uma história que ouvi sobre o Érico Veríssimo. Ele usava muito uma regência que nao via ninguém mais usando. Resolveu ir ver no dicionário. Achou. Com um exemplo dele… Ele é considerado um grande escritor, o que ele escreve os dicionaristas registram. Mas do que o Joao das Couves fala ou escreve os dicionaristas nao querem saber. Simples assim. 

      Nao há nada mais antidemocrático do que essas questoes sobre “língua certa”. E nao têm a menor razao de ser. Nao é como em Matemática em cujas aplicaçoes, se você fizer cálculos em que 2+2=5 um prédio pode cair, há razoes reais para que algo seja certo ou nao. Na língua TANTO FAZ. E o que é “errado” hoje, para os gramáticos, é o que será o certo daqui a alguns anos. 

      Sabem como os filólogos sabem como era o Português nos séculos XI, XII, quando ainda se escrevia em Latim? Nao havia gravador naquela época… Pelos “erros de Latim”. Os erros de Latim revelavam como era o Português, claro. Eram reflexo do que as pessoas realmente diziam. Outra fonte eram as “listas de erros” dos gramáticos. A partir de uma “declaraçao de erro do gramático” em que ele decretava “nao se diz X, se diz Y”, o filólogo deduz que o que se dizia era realmente X. 

  2. Eu de minha parte tento ao

    Eu de minha parte tento ao máximo seguir os ensinamento do meu guru, o Profeta Gentileza, figuraça que perambulava pelas ruas do Rio. Sua máxima “gentileza gera gentileza” não dá para abreviar 

  3. Gentileza

    Gentileza está cada vez mais rara, nos textos dos jornais, nas letras das músicas das rádios, nas imagens dos outdoors.. Uma cultura que perde a gentileza, perde a ternura, perde o “fino” da vida! Outros que andam cada vez mais brutos são também os políticos, os discursos cada vez mais rasteiros sem o devido respeito e o decoro que  até pela lei deveriam ter! A gentileza saiu de moda!

  4. Parabéns

    Dra Aracy, mais uma vez os vernáculos empregados face ao assunto. A base não deixa de ser o português e a matemática, qualquer simples escola, pública ou particular com mestres dedicados e não tanto preocupados em “levar vantagem”, como a lei de Gerson efocam: ensinar e aprender, acima de tudo. A norma culta é linda e essencial pois vivemos num pais de reacionários e mesquinhos, entretanto, a não culta nos realiza na comunicação, entendimento, resultando em gentileza e fortalecendo a amizade acima de tudo. Hoje temos uma sociedade que sorri para os celulares e etc. mesmo um ao lado do outro, pessoas cada vez mais caladas, sorrindo, muitas vezes sem entender a piada, mas pelo fato de ter recebido, dão aquela risadinha…. estamos numa sociedade de calados, tecladores quase analfabetos em espírito e em ideias. Cuidado!!! abram os corações!!!!

  5. Aracy, concordo c/ o fundo do q vc diz, mas acho q escolheu

    exemplos pouco importantes. Abreviar palavras é coisa que todo mundo que escreve muito faz, e nao representa pouco caso para com o outro. Coisas tao mais sérias estao rolando… 

    Duas coisas me chocaram recentemente. Vi a propaganda de um programa da GNT que engrandece A CANALHICE. Pode? A segunda foi ter recebido um email COMERCIAL que me enviou para um site de uma empresa que monta computadores. O vídeo estava baixo demais, a locutora realmente nao sabia se expressar bem. Se vocês vissem os comentários! Só de “vai tomar no c*” devia ter uns 10. Num site COMERCIAL. Realmente as pessoas nem se tocam mais que isso nao é normal. 

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