Existem coisas mais perigosas do que o bolsonarismo? Claro que sim…, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Robôs não precisam ser pedantes, nem tampouco lançam mão de ironias ou observações refinadas quando calculam a resposta mais provável

Existem coisas mais perigosas do que o bolsonarismo? Claro que sim…

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Apesar de irrelevante, a manifestação em favor da familícia Bolsonaro na Av. Paulista se tornou o centro das atenções. Justamente por isso creio que esse é o momento ideal para falar de algo muito mais importante.

Duas décadas atrás, quando o STF era presidido por Nelson Jobim, a distribuição de Justiça se tornou menos importante do que a realização de estatísticas judiciárias. Agora, o Judiciário brasileiro está se preparando para mergulhar de vez na aventura da automatização da prolação de decisões judiciais.

Num primeiro momento, os juízes poderão utilizar inteligências artificiais para redigir decisões. Algo que me parece ilegal, pois a legislação brasileira não abriga esse hipótese. Todavia, se levarmos em conta o pacto pela simplificação da linguagem jurídica, algo mais perigoso ronda o sistema de justiça brasileiro.

Lenio Streck comentou referido pacto. Todavia, ele parece estar tão mergulhado em seu próprio universo simbólico que não percebeu o principal.

A campanha em favor da simplificação da linguagem jurídica só pode ser entendida (na verdade ela só faz realmente sentido) se levarmos em conta a movimentação do CNJ e dos Tribunais para ampliar a utilização de inteligência artificial. Num primeiro momento a IA será empregada para auxiliar os juízes a proferir decisões, sempre sob supervisão humana.

Num segundo momento, ao que parece, ocorrerá apenas a automatização da prolação de despachos de mero expediente e decisões interlocutórias. Todavia, devemos suspeitar que em menos de uma década processos judiciais considerados menos complexos serão automatizados do início ao fim, ou seja, do primeiro despacho à prolação de sentença.

Mas isso somente será possível se os advogados e os cidadãos jurisdicionados se acostumarem com a linguagem automatizada, pasteurizada, homogenizada e desprovida de maneirismos que é regurgitada por inteligências artificiais.

Robôs não precisam ser pedantes, nem tampouco lançam mão de ironias ou observações refinadas quando calculam a resposta mais provável para um problema que lhes foi submetido. Eles usam linguagem corrente, compreensível, quando falam de física quântica, química, biologia ou Direito. O que parece ser uma boa solução, na verdade é parte do problema.

A linguagem acessível e convincente é utilizada por inteligências artificiais inclusive e principalmente quando elas vomitam alucinações aparentemente convincentes. Detectar incoerências e alucinações não é tarefa fácil. De qualquer maneira, quando se sente prejudicada a parte só pode fazer uma coisa: recorrer.

Nenhum juiz gosta de ver suas decisões reformadas. Por isso, em geral eles são muito cuidadosos ao redigir despachos interlocutórios e sentenças. Isso, aliás, é indispensável. Afinal, é aos juízes que a legislação obriga“…cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício” (art. 35, I, da Lei Orgânica da Magistratura) e outorga o poder dever de apreciar “…a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento” (art. 371, do CPC, equivalente ao art. 155 do CPP).

O movimento em favor da simplificação da linguagem e contra o juridiquês é, na verdade, apenas a outra face da vontade do Judiciário de impor o uso de IA nos processos. Isso ficará difícil se os advogados começarem a questionar a legitimidade e a legalidade de decisões automatizadas proferidas por robôs num contexto em que a legislação garante o juiz natural (juiz natural aqui entendido como juiz humano). Não só isso.

A automatização dos processos na primeira instância pode aumentar a eficiência da primeira instância. Mas também pode acarretar um aumento significativo de processos na segunda instância. Afinal, se os juízes-robôs começarem a vomitar decisões estúpidas, alucinadas, inconsistentes e ilegais, os cidadãos prejudicados terão que recorrer. Não seria o caso de automatizar também a prolação de decisões nos Tribunais?

Well… Não existe solução que não acarrete um novo problema. Inteligências artificiais treinadas com informações regurgitadas por inteligências artificiais tendem a cometer menos ou mais erros do que aqueles que são normalmente cometidos? Essa não é uma questão irrelevante, pois o objetivo final da atividade judiciária estatal é a produção de previsibilidade e de segurança jurídica e não o seu contrário.

Um pacto sinistro em favor da inteligência artificial está implícito no da simplificação da linguagem jurídica. Quanto os processos judiciais (ou alguns tipos deles) começarem a ser processados e julgados exclusivamente por robôs os juízes humanos serão transformados em apêndices de luxo dos algorítimos e/ou garotos-propaganda bem remunerados de um serviço automatizado.

Em pouco tempo o sistema de justiça ficará inteiramente à mercê dos engenheiros de TI e das Big Techs que obviamente licenciarão seus produtos a preços convidativos por um período. Os preços obviamente começarão a ser reajustados assim que a dependência da tecnologia aumentar e se tornar avassaladora.

Quando o Judiciário for totalmente privatizada e automatizada nós não ficaremos apenas sem justiça. É muito provável que nós fiquemos também sem juízes, porque com o tempo ocorrerá um declínio das capacidades cognitivas. Esse me parece ser um problema bem maior e bem mais importante do que a manifestação em favor do líder político que já ficou inelegível e que provavelmente ganhará uma longa estadia na Papuda.

Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

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Fábio de Oliveira Ribeiro

1 Comentário

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  1. Vou fazer comentários que as vezes fugirão um pouco do seu tema, mas uma coisa que eu não entendo, é porque o Lula não se retrata acerca da comparação dos atos de Israel com os atos de Hitler. Só nesta parte, porque o resto da fala dele está corretíssima. Israel tem serviço de inteligência capaz de achar o hamas sem uma gota de sangue inocente e não faz isso. Porque? Eu acho que eles entendem que os Palestinos são todos de fato hamas. Quando um morrer, um já está no forninho sendo preparado. Mas se for instalado um Estado com apoio financeiro para a educação, isso pode mudar a médio prazo. Se o Lula se retratar, acho que já teremos menos munição dos fascistas para derrubar o Lula por impeachment ou mesmo na próxima eleição. Isso vai ser usado na campanha dos próximos candidatos. O Bolsonaro é um bandido com gente de alto escalão por trás, usando-o de marionete. O cara não sabe nem conversar. Ele não tem eleitores – tem seguidores – que não importam com que ele fez ou deixou de fazer – estão encantados/enfeitiçados. Até mesmo acho ser os próprios filhos dele – os Intocáveis – são parte dos mentores desse movimento que tem algo maior por trás. O Lula não se submeteu e aquele diretor da Odebrech que fez aquelas denuncias falsas contra ele ( até eu faria se fosse pra me livrar), ganhou muito dinheiro pra difamar o Lula, que era outro – marionete nas mãos do José Dirceu, que realmente era a mente inteligente por trás de toda aqueles crimes que a Lava Jato esclareceu. Seguiram o dinheiro? Essa é a melhor tática de investigação e o MP poderia ter feito se quisesse. Há tanta sujeira no governo do Bolsonaro e ninguém publica. Vc por exemplo, viu sobre a investigação do COAF de 17.000.000,00 de reais que foi movimentado na conta do Bolsonaro em 2022/2023? Alegam que foram doações por PIX. Seguiram o dinheiro? NÂO. E ele ainda está alegando perseguição por causa da investigação da COAF. Todavia, não se vê notícias nos jornais abertos sobre isso. Esse pessoal Bolsonarista tá sabendo disso? O Sítio de Atibaia foi VISITADO pelo Lula e todos disseram que era dele… Um apartamento de 3.000.000 foi dito ser do Lula sem nunca ter sido colocado no nome dele… Mas o dinheiro na conta do Bolsonaro, pessoal, ninguém pode investigar???

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