Fernando Castilho
Fernando Castilho é arquiteto, professor e escritor. Autor de Depois que Descemos das Árvores, Um Humano Num Pálido Ponto Azul e Dilma, a Sangria Estancada.
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Surge um candidato evangélico a presidente?, por Fernando Castilho

Malafaia ataca, com sua voz esganiçada, o STF e o TSE aos brados à guisa de apoio da população presente. Não tem medo, diz, de ser preso.

Reprodução Redes Sociais de Silas Malafaia

Surge um candidato evangélico a presidente?

por Fernando Castilho

25 de fevereiro de 2024, tarde ensolarada na Av. Paulista.

Cerca de 180 mil pessoas se aglomeram para ver seu mito em cima de um enorme carro de som. Há grandes expectativas.

“Ele vai nos comandar para resistirmos ao Xandão e ao comunismo! Eu autorizo!”

“Mas ele pediu para não trazermos faixas nem cartazes ofensivos.”

“Sim, mas sabe como é, ele é corajoso e não vai se curvar ao ditador de toga, afinal, é o mito!”

A ex-primeira-dama discursa. Chora, se movimenta o tempo todo pra lá e pra cá, se desvia do marido que parece um poste atrapalhando seus movimentos, não o defende e termina com um salmo e com a convocação para que o país misture definitivamente política e religião. Isso daria origem a uma teocracia. Uma espécie de talibã cristão, tupiniquim e inconstitucional porque nosso estado é laico.

Há poucos deputados federais e senadores. Quatro governadores estão presentes. Um deles, o de São Paulo, faz discurso dúbio de apoio a seu antigo mestre.

Como a tentar assumir a herança do moribundo, Tarcísio de Freitas afirma que Bolsonaro não é mais um CPF, mas sim, um movimento. No bolsonarismo, CPF cancelado é bandido morto. Dá a nítida impressão de que, para ele, o capitão já era. Enumera suas obras, o que é rápido e fácil. E mente. O capitão fez muito para o Brasil e, pronto. Agora, minha gente, esqueçamos Bolsonaro! É mais ou menos esse o sentido do discurso.

O público permanece no local, ansioso pelo discurso de seu Jair. Ele começaria calminho, mas haveria de subir o tom, como sempre.

Mas quem o faz é o empresário da fé, Silas Malafaia. Ataca, com sua voz esganiçada, o STF e o TSE aos brados à guisa de apoio da população presente. Não tem medo, diz ele, de ser preso.

Um drone, porém, mostra que muito pouca gente bate palmas. Eles esperam por Bolsonaro que haveria de superar o discurso de Malafaia.

Chega a vez de seu Jair. E seu Jair brocha. Não ataca o ministro Alexandre de Moraes. Prefere produzir mais uma vez prova contra si mesmo.

O capitão revela que sabia da minuta de golpe, fato ocultado em seu depoimento à Polícia Federal, onde entrou mudo e saiu calado.

Para ele, a minuta não tem valor porque se destinaria à decretação de estado de sítio, o que exigiria a reunião do Conselho da República. Então, se não teve reunião, não teve tentativa de golpe, simples assim. A PF já analisa a afirmação e ela deverá servir como mais uma prova contra seu Jair, para desespero de seus advogados.

À certa altura, Bolsonaro conclama a que se passe uma borracha no passado. Ora, quem passa a borracha no passado, o faz para que esqueçam um erro. Portanto, ele admite o erro! E esse erro é simplesmente a tentativa de golpe e abolição do estado democrático de direito!

Pede para que os parlamentares elaborem um projeto de anistia para os pobres coitados que estão presos. Mas isso não contradiz a afirmação feita por Malafaia de que os pobres coitados que agiram no 8 de janeiro foram comandados por Lula?

O projeto de anistia seria para livrar sua cara e não dos pobres coitados. Já sabemos o que Bolsonaro pensa de soldados feridos. Eles que se lasquem.

Mas vamos à definição de anistia, segundo os dicionários: “ato do poder público que declara impuníveis delitos praticados até determinada data por motivos políticos ou penais, ao mesmo tempo que anula condenações e suspende diligências persecutórias.” Ou seja, ao pedir anistia, Bolsonaro reconhece que cometeu delitos! Réu confesso, portanto.

Novamente o drone dá uma geral na avenida mostrando que não há empolgação. É um muxoxo geral. A brochada de Bolsonaro decepciona as 180 mil pessoas presentes. Imagine um sujeito já idoso que sai de casa, às vezes tem que viajar, toma um Sol de torrar, fica em pé durante horas para ouvir seu cantor favorito e ele… não canta! Ou desafina o tempo todo.

Os bolsonaristas chegaram à manifestação com problemas cognitivos e saíram de lá tontos como baratas após terem sido atingidos pelo inseticida. Se o capitão convocar outra manifestação, dificilmente comparecerão 10 mil.

Resta então a eles se contentar com Malafaia que deitou o verbo.

Malafaia, ao sacar cerca de 200 mil reais (esta é a estimativa do custo da organização) de seu próprio bolso (ôps, dos bolsos dos fiéis de sua igreja), faz um investimento do qual espera retorno.

Se a grana desembolsada servir somente para que o chorão do capitão produzisse uma foto de seus apoiadores, será dinheiro jogado fora.

Há tempos a bancada evangélica no Congresso espera eleger um presidente neopentecostal. Neste sentido, Bolsonaro foi um mestiço, pois é católico, mas atendeu aos desejos dos evangélicos, afinal, se não tem tu, vai tu mesmo, não é?

Será que Malafaia está querendo vestir esse figurino? Vejam que ele ousou fazer o discurso que seu Jair faria. Pareceu se apresentar como o herdeiro natural dele, boquirroto, estridente e ofensivo às instituições. Esse sim, seria para ele um investimento com excelente retorno.

Lembremos do discurso de dona Michelle que prega a união da política com a religião. Malafaia se apresenta como aquele capaz de fazer essa transição perigosíssima para o país.

Será?

Fernando Castilho é arquiteto, professor e escritor

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Fernando Castilho

Fernando Castilho é arquiteto, professor e escritor. Autor de Depois que Descemos das Árvores, Um Humano Num Pálido Ponto Azul e Dilma, a Sangria Estancada.

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