Para que não se esqueça, para que não se repita… Gilse Cosenza

Gilse Cosenza foi barbaramente torturada nos porões da ditadura em Belo Horizonte. Quando foi presa, sua filha Juliana tinha apenas 4 meses. Sua irmã, Gilda Cosenza, era casada com Henrique de Souza Filho, o Henfil. Gilda e Henfil cuidaram de Juliana por dois anos, enquanto Gilse estava presa.

Para que não se esqueça, para que não se repita… Gilse Cosenza

Gilse Cosenza foi barbaramente torturada nos porões da ditadura em Belo Horizonte. Quando foi presa, sua filha Juliana tinha apenas 4 meses. Sua irmã, Gilda Cosenza, era casada com Henrique de Souza Filho, o Henfil. Gilda e Henfil cuidaram de Juliana por dois anos, enquanto Gilse estava presa.

Gilse não sabia como estava sua filha. “Durante as sessões de tortura, os torturadores colocavam uma criança chorando, dizendo que estavam maltratando a Juliana”, lembra Gilse da violência psicológica que sempre acompanhava as barbáries físicas.

Gilse recorda que quando foi transferida para Juiz de Fora, faziam greves de fome para ter direito a ler um jornal diário. “Quando chegou o primeiro exemplar do Jornal do Brasil, todas quiseram o Primeiro Caderno para saber notícias da política, mas, eu queria mesmo era ver a parte dos cartuns para saber se estava tudo bem com o Henfil e, assim, com a Juliana.”

(Gilse Maria Westin Cosenza nasceu em 1943 na cidade de Paraguaçu (MG). No movimento estudantil, foi militante da Juventude Estudantil Católica (JEC), da Juventude Universitária Católica (JUC) e da Ação Popular (AP). Na prisão, sofreu torturas físicas, psicológicas e sexuais. Com a integração da AP ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB), passou a militar no Partido e foi uma das responsáveis pela sua reconstrução no Ceará. Transferindo-se para São Paulo, assumiu a presidência da União Brasileira de Mulheres (UBM) e dirigiu a Comissão Nacional de Mulheres do PCdoB. De volta a Minas Gerais, foi presidente do PCdoB em Belo Horizonte, integrante da direção estadual do Partido e membro do Movimento Nacional Pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita aos Presos Políticos e da Comissão Nacional pelo Direito à Verdade).

DEPOIMENTO NA ÍNTEGRA:

“Fomos colocadas na solitária onde ficamos por três meses sendo tiradas apenas para sermos interrogadas sob tortura. Era choque elétrico, pau de arara, espancamento, ‘telefone’, tortura sexual. Eles usavam e abusavam. Só nos interrogavam totalmente nuas, juntando a dor da tortura física à humilhação da tortura sexual. Eles aproveitavam para manusear o corpo da gente, apagar ponta de cigarro nos seios…

No meu caso, quando perceberam que nem a tortura física nem a tortura sexual me fariam falar, me entregaram para uns policiais que me levaram, à noite, de olhos vendados, para um posto policial afastado, no meio de uma estrada. Lá, fui torturada das sete da noite até o amanhecer, sem parar… Pau de arara até não conseguir respirar, choque elétrico, espancamento, manuseio sexual… Eles tinham um cassetete cheio de pontinhos que usavam para espancar os pés e as nádegas enquanto a gente estava naquela posição, de cabeça para baixo.

Quando eu já estava muito arrebentada, um torturador me tirou do pau de arara. Nesse momento, nessa situação, fui estuprada. Eu estava um trapo. Não parava em pé e fui estuprada assim mesmo pelo sargento Leo, da Polícia Militar.

De madrugada, percebi que o sol estava nascendo e pensei: se eu aguentar até o sol nascer, vão começar a passar carros e vai ser a minha salvação. E realmente aconteceu isso. Voltei para a solitária, embora muito machucada. A carcereira viu que eu estava muito mal e chamou a médica da penitenciária. Nunca vou esquecer que na hora que a médica me viu jogada lá, ela disse: ‘poxa, menina, não podia ter inventado isso outro dia, não? Hoje é domingo e eu estava de saída com meus filhos para o sítio’.

Depois disso, eles passavam noites inteiras me descrevendo o que iriam fazer com a minha menina de quatro meses. ‘Você é muito marruda, mas vamos ver se vai continuar assim quando ela chegar! Vamos colocá-la numa banheirinha de gelo e você vai ficar algemada marcando num relógio quanto tempo ela leva para virar um picolé. Mas não pense que vamos matá-la assim fácil, não. Vocês vão contribuir para o progresso da ciência: vamos estudar as reações, ver qual vai ser a reação dela no pau de arara, com quatro meses. E quanto ao choque elétrico, vamos experimentar colocando os eletrodos no ouvido: será que os miolos dela vão derreter ou vão torrar? Não vamos matá-la, vamos quebrar todos os ossinhos, acabar com o cérebro dela, transformá-la num monstrinho. Não vamos matar você também não. Vamos entregar o monstrinho para você para saber que foi você a culpada! Depois disso, me jogavam na solitária. Quase enlouqueci.

Um dia, me levaram para uma sala, me algemaram numa cadeira e, na mesa que estava na minha frente, tinha uma banheirinha cheia de pedras de gelo, o cavalete de pau de arara, a máquina do choque, uma mamadeira com leite e um relógio na frente. Eles disseram: ‘Pegamos sua menina! Ela já vai chegar e vamos ver se você é comunista marruda mesmo’. Me deixaram lá, olhando para os instrumentos de tortura, e, de vez em quando, passava um torturador falando: ‘ela já está chegando’. E repetia algumas das coisas que iam fazer com ela. O tempo foi passando e eles repetindo que a menina estava chegando. Isso durou horas e horas. Depois de um tempo, percebi que tinha passado tempo demais e que era blefe!”

Redação

1 Comentário

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  1. Nassif, não esqueceremos jamais e esperamos ver a repetição contínua de iniciativas nobres e justas, como esta série em desagravo as diversas vítimas de militares assassinos, que conseguiram se livrar da justiça dos homens, mas não conseguiram se livrar da justiça de Deus.
    Parabéns pela homenagem e por informar, respeitosamente, aqueles que não conheciam a verdade sobre o horror da ditadura e de seus doentios executores.

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