PM exige conversar com o líder em protesto pelo anonimato

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Enviado por Assis Ribeiro

da Rede Brasil Atual – RBA

Em protesto pelo anonimato, PM paulista exige identificação com nome e RG

Polícia leva contingente equiparável ao número de manifestantes à Praça Roosevelt e volta a impedir manifestação antes que ela comece, a exemplo do que fez durante a Copa do Mundo
 
por Rodrigo Gomes, da RBA
 
FERNANDO NASCIMENTO/FOTOARENA/FOLHAPRESS
ato

Manifestantes foram cercados pela PM e impedidos de deixar a praça Roosevelt, sob ameaça de repressão

São Paulo – “Não é para deixar deslocar. Não tem ordem para deslocar. A não ser que apareça o líder e defina o itinerário”. Essa foi a ordem dada por telefone pelo coronel Félix, comandante do 7º Batalhão Policial Militar (PM), para impedir um protesto, na noite de ontem (4), contra a lei que proibiu o uso de máscaras em manifestações em São Paulo, sancionada no último dia 29 pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB). Os ativistas começaram a se reunir a partir das 18h na Praça Roosevelt, região central de São Paulo, mas viram a Polícia impedir o ato político antes que ele começasse, com contingente equiparável ao número de manifestantes. Dois ônibus da Tropa de Choque da Polícia Militar, motos e um furgão de monitoramento com câmeras estavam local desde as 17h30 para receber cerca de 200 jovens que traziam faixas, material para produção de máscaras e uma pequena bateria.

O ativista Vitor Araújo, presente ao ato, explica que o protesto foi convocado para questionar a criminalização do uso de máscaras em manifestações, já que isso, por si só, não resolve a questão da violência em grandes concentrações de pessoas. “Não são exatamente os mascarados que cometem atos de vandalismo. A máscara é apenas uma forma de preservar a própria imagem, porque muitos manifestantes trabalham e temem perder seus empregos”, afirmou. “Eles estão sendo usados como bode expiatório. O primeiro ato violento em manifestações sempre partiu da PM”.

Ao tentar deixar o local e marchar pela rua da Consolação, os cerca de 200 manifestantes foram impedidos pela Tropa de Choque, que montou uma barreira com escudos. A justificativa da PM para o impedimento à marcha pelas ruas foi que alguém deveria apresentar documento de identificação e se declarar liderança responsável pelo ato –atitude que contraria os princípios anarquistas e horizontais de diversos dos movimentos que integram os protestos de rua desde junho de 2013. Contra as máscaras, a polícia ainda não pôde agir: a lei, apesar de já sancionada por Alckmin, ainda não foi regulamentada, e, por isso, não pode ser aplicada.

Manifestantes tentaram dar a volta no batalhão de Choque, mas acabaram cercados por outro grupo de policiais que desceu a rua. Sem saída, muitos tiveram de pular a grade do “Buraco da Minhoca”, túnel sob a praça que liga a rua Augusta ao Minhocão. Cercar e restringir manifestações públicas se tornou a tática preferencial da Polícia Militar paulista desde os enfrentamentos na rua com grupos contra a realização da Copa do Mundo no Brasil. Em junho, ao menos três atos públicos pela libertação dos ativistas Fábio Hideki e Rafael Marques, presos após policiais civis falsificarem evidências de material explosivo em meio a seus pertences, foram impedidos pela PM: duas marchas e uma reunião pública.

Em acaloradas discussões com ativistas indignados com a postura autoritária da PM, chamada de “fascista” e “cria da ditadura” por manifestantes, o coronel Félix fez questão de exibir outra tática recorrente da PM para lidar com manifestações: a coleta de informações pessoais sobre ativistas assíduos aos protestos, informação que já serviu para conduzir “prisões preventivas”, mas que, ontem, teve papel de intimidação. “Lauro, Lauro, Lauro. Eu te conheço, então, vamos jogar limpo. Eu sei quem você é Lauro. Sei quem ele é [apontando outro ativista]. Eu conheço todos vocês”, disse para um dos manifestantes.

O Advogado Ativista Luiz Guilherme Ferreira tentou argumentar com o coronel. “O artigo 5º da Constituição não determina que exista uma pessoa responsável pelas outras. Tanto que a lei penal diz individualização da conduta, se vier a ocorrer quebra da ordem”, explicou. O que se seguiu foi um debate enviesado sobre o direito de manifestação tutelado pela PM:

Coronel – Vamos falar de lei então. O artigo 5º da constituição fala que todos podem se manifestar. Pacificamente. Desde que haja prévia autorização da autoridade e haja comunicação. (…) Até agora ninguém comunicou a CET, a Polícia Militar, a prefeitura. Então não dá para aceitar isso aí, gente.

Advogado – Mas a questão da comunicação não envolve a questão de alguém ser comunicado como liderança.

Coronel – Eu estou no comando da operação. Eu estou colocando a regra. E a regra vai ser essa. Vocês podem se manifestar, em local público. Porém, eu quero que apareça alguma pessoa que responda pelo grupo. Quero nome, RG. Se vocês querem traçar um itinerário e determinar um destino, a PM vai garantir o direito de vocês se manifestarem. Só que eu quero que seja uma coisa organizada, sem quebra de ordem. Se não, a PM vai ter de agir.

Manifestante – Onde está escrito que tem de ter liderança?

Coronel – Na lei.

Manifestante – Em que lei?

Coronel – Qual seu nome?

Manifestante – Bruno.

Coronel – Bruno? Dá o seu RG aí.

Manifestante – Porque?

Coronel – Eu quero saber quem você é. Eu sou o coronel Félix, comandante do 7º Batalhão. Quem é você?

Manifestante – Eu sou o Bruno.

Coronel – Então mostra sua identidade. Eu tenho o direito de pedir pra você isso aí.

Manifestante – Aonde está escrito na lei que precisa de liderança para fazer ato de rua?

Coronel – Veja, eu, como comandante aqui, estou exigindo que haja ordem na manifestação. Para haver ordem, tem de ter alguém que responda pelo movimento. Eu comando uma tropa com determinado número de homens. Estou me identificando como responsável por eles.

Manifestante – Mas o senhor trabalha para o Estado.

Coronel – Minha palavra final é esta. É a última vez que eu vou falar. Tem que ter alguém responsável pelo grupo. É só isso que nós estamos pedindo. Se não tiver, o movimento não vai acontecer, não vai se deslocar. Muito obrigado pela colaboração.

Sem conseguir provar a necessidade de um líder ao ato, os policiais abriram caminho para os manifestantes retornarem à praça, sempre com armas de bala de borracha e bombas de gás lacrimogêneo à mão. O ativista e drag queen Luís Dantas sintetizou o sentimento do grupo, dançando e criticando a ação policial, sob aplausos dos demais manifestantes. “Aqui não tem bandido, só trabalhador e estudante. Mas o direito de manifestação não existe em São Paulo”. Foi o último lampejo de manifestação. O grupo logo se dispersou.

O coordenador da Pastoral do Povo de Rua, padre Júlio Lancellotti, que acompanhava o ato, acredita que esse tipo de ação só vai fazer com que mais jovens se juntem ao movimento. “A desobediência civil é uma resposta sadia. O governador age como se a máscara fosse a causa da violência, e não a revolta dos jovens contra o autoritarismo e a opressão”.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

15 Comentários

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  1. E ainda acham que assembléia

    E ainda acham que assembléia constituinte resolverá nossos problemas, quando a Polícia faz a Constituição no dia-a-dia.

    O terrível é que isso não seja escândalo.

    No Brasil atual Ministério da Justiça virou Ministério da Polícia, e Secretaria de Direitos Humanos virou só uma cargo comissionado.

      1. A culpa é dos poderes

        A culpa é dos poderes constituídos, o que inclui o governo federal.

        Quanto critiquei secradatiras de DH eu não deixei culpa exclusiva no governo federal, pos os estados também possuem.

        O problema dos governistas é que nada é “culpa do PT”. Querer jogar pra baixo do tapete o papel que o governo federal através do Ministério da Justiça tem jogado no Estado Policial implementado no Brasil é digno de Goebbels.

          1. Como eu disse, Alan:  papo de

            Como eu disse, Alan:  papo de otario.  Nem se preocupe, nao havia signo nenhum.

          2. Nesse caso ele foi claro.
            É

            Nesse caso ele foi claro.

            É notório que quando a polícia exagerou na repressão, a Secretaria de Direitos Humanos (ou órgão equivalente) que se manifestou foi a municipal, do Haddad. A federal imediatamente calou. E se falou, demorou muito a falar, porque no calor dos fatos, que é quando importa, não se viu viva alma.

            Também é notório que durante a Copa, se não houve acordo de cavalheiros entre o governo paulista e federal para que a repressão corresse tranquilamente sem manifestações políticas, houve conivência.

            Também é notório que a única utilidade de uma Secretaria de Direitos Humanos é manifestar-se contra violações de direitos humanos. Fazer viaduto eleva a dignidade humana, mas fica a cargo do ministério do desenvolvimento. Ligar luz elétrica amplia a dignidade humana, mas fica a cargo do ministério das Minas e Energia. À secretaria dos Direitos Humanos só resta manifestar opinião, porque cimento e fio não é com eles.

    1. A Constituição diz o seguinte:

      Art. 5º: (…)

      IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;  

      —————————–

      XVI – todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;

  2. Me lembrou do “papo de

    Me lembrou do “papo de otario” da Gal, uma das letras mais bizarras e ao ponto que ja escutei na vida.

    Basta bater o olho pra ver que a PM esta certa:  o que “eles” estao querendo nao seria permitido em pais nenhum do mundo, eh no Brasil que vai ser permitido?!

  3. Memória seletiva

    “…a exemplo do que fez durante a Copa do Mundo.”

    Faltou completar: garantindo com isso uma copa sem atropelos, da qual todos as cores políticas quiseram tirar uma casquinha. Em Sampa, no Rio…

    1. Vamos deixar de tegiversar

      Vamos deixar de tegiversar como a ex-ministra Marina. A questão é outra.

      O comandante da PM está praticando ato estatal, e quem tem que seguir a legalidade estrita é ele. Na outra ponta, do cidadão, o que sobra é a liberdade individual as garantias fundamentais.

      Se esse sujeito bater na porta da  sua casa com a tropa dele e disser:

      – “Estou no comando da operação, sou o comandante da tropa que está aqui atrás, e quero entrar na sua casa”.

      A sua resposta vai ser muito parecida com a do Bruno.

      – “Não vai entrar, porque a lei exige mandado”. ou “Não vai entrar porque já é noite”, “não vai entrar porque não está havendo nenhum flagrante, e se está diga qual é, sob pena de responsabilidade” ou “Não vai entrar, volte com uma ordem judicial. Ponto.” E ele, se estiver se sentindo à vontade como a PM está à vontade para praticar autoritarismo em qualquer lugar desde a Copa, vai entrar, e arrepiar. A pior doutrina da corporação, que só era aplicada a favelas, agora virou regra geral. Quem acha isso um avanço, tem algum problema sério.

      Você não vai na lei achar o fundamento para barrar, até porque você não é técnico. E mesmo quem é técnico, não lembraria do fundamento assim de primeira, e respeito o tal do Bruno duplamente por ter lembrado.

      E, falando em “realpolitik” que o povo tanto gosta, dá um Google no inquérito 01/2013 do Deic, e entenda o nível em que está a coisa. Talvez entenda porque alguns estão com medo, se é que estão.

      E você não vai ficar pensando motivos pelos quais deveria ou não deixar um agente estatal te proibir de fazer algo que a Lei não te proíbe.

      Então vamos deixar de ver conspiração em tudo e atacar quem está nas ruas. No futuro não duvido que 06/2013 seja visto como o ano em que a esquerda anciã cortou o cortão umbilical da juventude, na base do discurso raivoso.

      A notícia que vi até agora sobre isso é que foi exigido que um líder fosse apontado. Mas desde 2013 sabe-se que esses protestos são horizontais, como os tais rolezinhos, que a turma adora. Alguns publicam, uma multidão de gente vai. Lutar contra isso na base da tegiversação é lutar a favor do direito patrimonial antes dos direitos individuais. Ninguém é idiota para não saber que a provável idéia é caçar nomes, depois pegar todo mundo para depor, constranger, ou repetir o que fizeram na Copa, onde frustraram manifestações intimando para depoimento todo mundo que estava participando, sabendo que isso poderia preocupar os demais. Um absurdo, como se manifestar contra a Copa fosse formação de quadrilha.

      E não vou falar dessa interpretação peculiar que o comandante fez do artigo 5º. A liberdade de manifestação desde que avisada a autoridade? O que eu leio ali é o direito de se manifestar no mesmo lugar em que outra manifestação que seja marcada posteriormente, e para isso é que a autoridade deve ser avisada: para garantir a manifestação, não frustrá-la. O exemplo clássico disso são os fascistas marcando manifestações grande para abafar meia dúzia de comunistas, no mesmo local. Mas agora que o sinal inverteu, então estão achando que tudo bem. Até o dia em que virar o vento de novo.

      Um sujeito que chegou a comandante da polícia do estado mais rico do Brasil ter esse tipo de interpretação que prejudica o direito de manifestação quando outra mais benéfica à garantia fundamental é possível só indica o problema de ter havido continuidade da PM desde o período autoritário de 64. Em 1988 a corporação deveria ter sido desfeita, e deveriam ter começado outra, sob bases democráticas.

      1. A regulamentação já está chegando

        Aí, vocês podem entrar com uma ADIN. Já dá para entrar, inclusive.

        Mas não vai dar para ser anonimamente.

    2. Alegação em defesa das

      Alegação em defesa das máscaras(não significa que eu concorde).

      A policia esta a serviço dos grupos de interesse que as manifestações se opôem.

      Desta forma a  policia diretamente ou principalmente por meio da milicia é instrumento opressor,  intimidador e executor por meio da violência agride,  elimina,ou seja  mata os que se opôe ao sistema.

  4. “a exemplo do que fez durante

    “a exemplo do que fez durante a Copa do Mundo”

     

    Aquela ação de repressão que o Governo Dilma aplaudiu e apoiou não apenas com palavras, mas coordenando as polícias estaduais? E a lei “antiterror” que na verdade era lei “antiprotesto”?

    Parabéns PT, parabéns Dilma!!!

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