Projeto do Ministério da Justiça cria clínicas psicológicas para vítimas da ditadura

 

da Redação GGN

Recordar, repetir e elaborar uma dor que não tem palavras, mas que pode ser compartilhada em grupo. A técnica do psicanalista Sigmund Freud ilustra o trabalho que será feito com as vítimas da ditadura militar (1964-1985) nas Clínicas do Testemunho, projeto do Ministério da Justiça que visa dar assistência psicológica aos presos políticos- e seus familiares- que sofreram tortura durante o estado de exceção.

O programa elaborado pela Comissão de Anistia, pertencente ao ministério, tem como objetivo desenvolver técnicas de terapia em grupo com as vítimas e, desta forma, fazer com que a memória da violência sofrida não cause sofrimento ao ser relembrada. O programa terá início após o encerramento das inscrições das pessoas interessadas no serviço, que podem ser feitas até o próximo dia 30.

De acordo com informações do ministério, a primeira etapa do projeto terá cinco clínicas e será realizada em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Recife – esta última cidade terá recursos só do Estado de Pernambuco por não cumprir requisitos definidos pelo governo federal para ser beneficiada. No total, 700 pessoas serão atendidas.

Na capital paulista, o projeto será realizado nos institutos Sedes Sapientiae e Projetos Terapêuticos. Em ambos, os pacientes passarão por acolhimento e atendimento em grupo para compartilhar vivências.

“A gente corre para uma linha que resgata a história dessas pessoas. A intenção é trabalhar com os testemunhos. Há relatos de gente que, há 40 anos, não dizia nada [sobre a violência sofrida na ditadura]”, diz Issa Mercadante, psicanalista dos Projetos Terapêuticos.

Segundo Moisés Rodrigues da Silva Junior, presidente da entidade, o suporte psicológico é tão importante quanto a reparação econômica, além de legitimar a dor passada por essas pessoas.

“Muita gente dizia que houve ‘ditabranda’, que a tortura não havia sido algo grave. Junto a isso, os indivíduos que estiveram na luta de resistência não tinham respaldo da reparação de sua história, da sua vida, da sua verdade”, afirma Silva.

Quebra do silêncio

A questão da dignidade das vítimas, ratificada durante o processo terapêutico, é abordada, também, pela psicanalista Maria Auxiliadora “Dodora” Arantes, que presta consultoria para o projeto federal.

“A própria sociedade hoje tem a compreensão de que a tortura não possui só um responsável direto. O torturador era o ator direto de toda uma violência, mas tinha todo um sistema por trás dele. Tudo ficava coberto pelo manto da proibição. As pessoas não acreditavam quando falavam que, por exemplo, uma bebezinha de seis meses foi colocada dentro de uma banheira de gelo. O próprio relato do que aconteceu no Brasil ficou sob um manto de silêncio imposto pelos ditadores”.

Multiplicadores

A coordenadora do projeto no Instituto Sedes Sapientiae, Maria Cristina Ocariz, afirma que, além da parte clínica haverá treinamento, em oficinas de capacitação, de agentes da saúde pública e do sistema judiciário. Ao todo, 100 serão capacitados.

“É importante que haja o treinamento para que esses agentes estejam preparados para lidar com as vítimas”.

Para ela, o processo de terapia em grupo “é uma potência para expressar as experiências” e promover a ajuda mútua entre pessoas com um passado de sofrimento comum.

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