Somos todes Karol Conká, por Beatrice Papillon

O público pode argumentar que na disputa torcia para o "bem vencer o mal", mas todo mundo topou jogar seres humanos numa rinha de galos.

Somos todes Karol Conká

por Beatrice Papillon

Quando os imperadores romanos jogavam cristãos aos leões nas suas arenas, não faltava gente para assistir. Sem esse público o espetáculo não existiria, uma vez que os sacrifícios serviam ‘didaticamente’ para ensinar à população que ser cristão era crime contra o Império. E o povo então lotava as arquibancadas para ver o sangue.

Do mesmo modo, o espetáculo de violência psicológica e social promovido pela Rede Globo no Big Brother Brasil, também não estaria no ar há mais de 20 anos se não houvesse um público ávido pelo mesmo sangue humano. Todos se comovem, todos prestam solidariedade à Lucas, mas o fato é que o rapaz simplesmente não teria passado por todos os sofrimentos a que foi submetido se não houvesse essa audiência ‘indignada’ turbinando os caixas registradores da emissora. Se não houvesse blogueiros contratados pela Globo pra postar ‘opiniões’ sociológicas e movimentar as redes sociais em torno de um produto mais do que lucrativo. O combinado é esse, e cada um tem seu papel. Desde Boninho até você e eu.

“A culpa é da Karol, é da Lumena”, sei lá mais quem… Ambas, ao que parece, bastante suscetíveis à manifestar uma violência a que foram inevitavelmente empurradas. Poderiam ter feito outras escolhas evidentemente, mostraram equívocos e maldades, mas jogaram as regras de um jogo que é delineado pelo gosto da audiência. Fizeram o trabalho sujo que alguém sempre acaba tendo que fazer, senão a roleta não gira.

O público pode argumentar que na disputa torcia para o “bem vencer o mal”, mas todo mundo topou jogar seres humanos numa rinha de galos. Apostaram suas fichas no melhor animal, enquanto assistiam a carnificina e se regozijavam com a qualidade de suas próprias avaliações sobre as relações humanas. Elogiaram a penugem do galo da campina, todos amantes da natureza, é claro, enquanto ele ia sendo despedaçado pelas esporas da Karol Conká. Parafraseando um outro reality show do mesmo baixo nível: Amigos, não tenho como vos defender.

Todos alimentaram suas redes sociais, ganharam likes, visualizações, derramaram lágrimas mui expressivas pela dor de um jovem negro bissexual enquanto as caixas registradoras tilintaram.

Agora, há o suposto “vazamento” de um áudio do diretor do programa em que ele afirma que o garoto tem problemas, mas “nós já estamos conversando com ele”, “dando assistência”. Todos uns amores!

Enquanto isso, a internet faz uma vaquinha para dar dignidade financeira a um rapaz cuja família é pobre, não porque não ganhou o Big Brother, mas porque nasceu negro e periférico num país onde a injustiça social é problema que gera muito menos indignação do que uma gincana de TV.

Maravilha, vamos cada um dar um real e resolvemos a vida do Lucas. Os outros meninos como ele que lutem! Quem mandou não estarem na Globo?

Quanto à Karol Conká, esperemos a saída dela da casa, para lavar com seu linchamento as responsabilidades pela carnificina global que encheu de sangue as taças sedentas da audiência.

#SomosTodosKarolConká.

Ou não somos?

Redação

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