Unicef: 78% dos países fixam a maioridade penal em 18 anos

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Sugerido por Maria Carvalho

Do DW

Brasil vai na contramão munidial ao debater redução da idade penal

Por Karina Gomes

Quase 80% dos países fixam a maioridade penal em 18 anos ou mais. Alemanha traz um exemplo de gestão juvenil que tem a prisão como última opção. Nos EUA, encarceramento de crianças e adolescentes não diminuiu violência.

Enquanto a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos no Brasil é vista por seus defensores como forma de combater a criminalidade, na Alemanha, por exemplo, as prisões são a última opção para jovens infratores. Já nos Estados Unidos, a punição severa de crianças e adolescentes nos presídios não reduziu os índices de violência, e alguns estados, como Texas e Nova York, estudam elevar novamente a idade mínima.

Adolescentes americanos são julgados como adultos e podem ser condenados à morte. Em 14 estados, não existe idade mínima para que uma criança seja presa. Segundo a ONG Iniciativa pela Justiça Igualitária (EJI, na sigla em inglês), cerca de 10 mil crianças e adolescentes são levados às prisões dos EUA todos os dias. “É indefensável, cruel, incomum e deveria ser banido”, critica a organização.

De 54 países analisados pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância e Adolescência (Unicef), 78% fixam a maioridade penal em 18 anos ou mais, como Brasil, Argentina, França, Espanha, China, Suíça e Uruguai.

Na Alemanha, a responsabilidade penal juvenil começa aos 14 anos. O país dá prioridade a medidas disciplinares que envolvam o diálogo, exortação, pedido de desculpas, conciliação entre agressor e vítima, prestação de serviços e, em casos raros, pagamento de multas. A maioria dos processos é encerrada com essas medidas.

“As prisões não são capazes de melhorar os jovens, pelo contrário, aumentam os casos de reincidência”, afirma Arthur Kreuzer, ex-diretor do Instituto de Criminologia da Universidade de Giessen, na Alemanha.

Ressocialização

Segundo o especialista, a punição e a prisão são até certo ponto indispensáveis, mas quando se trata de adolescentes, as medidas devem ter um cunho educativo. Ele cita o exemplo do estado alemão de Baden-Württemberg, que adota o projeto “Chance”. Um alojamento nos moldes de um internato com aulas regulares é uma alternativa ao sistema penitenciário.

“É um alojamento penal com quartos individuais. Durante o dia, os internos se reúnem em grupos para atividades recreativas, esportes e formação profissional, com um forte apoio pedagógico e social que vai subsidiar o período subsequente da liberdade condicional”, explica.

Nos casos de ofensas mais graves, estão previstas quatro semanas de detenção. Quando há alguma “inclinação perigosa” ou “culpa grave”, segundo a lei alemã, a detenção é de seis meses a cinco anos e, para os crimes mais graves, de até uma década.

Obrigatoriamente, todos devem progredir para o regime de liberdade condicional após dois anos de detenção. Em nenhum caso, jovens e adolescentes são encarcerados com adultos: as penas podem ser cumpridas apenas nos centros de detenção juvenil.

Segundo Kreuzer, estudos têm mostrado que a repressão punitiva traz piores resultados. Por isso, na Alemanha, cada vez mais processos têm culminado na aplicação de medidas socioeducativas. “Não se pretende estragar com multas graves e prisão um possível desenvolvimento positivo do indivíduo”, explica.

Infratores entre 18 e 21 anos estão submetidos ao sistema de jovens adultos. Dependendo do crime cometido, os tribunais decidem se o infrator é julgado pela Corte de Justiça Juvenil ou no sistema penal comum. Cerca de 60% deles respondem por meio da lei juvenil.

Mesmo para os que mais tarde, por exemplo aos 25 anos, sejam transferidos para o sistema carcerário comum ainda é possível voltar para os centros de detenção juvenil. “Pode acontecer se a Justiça considerar que essa é a melhor opção para a reabilitação daquele jovem. A prioridade é sempre a Justiça juvenil.”

Lógica de encarceramento

No Congresso Nacional, a proposta de emenda à constituição que trata da redução da maioridade penal (PEC 171/93) é discutida em uma série de reuniões convocadas por uma comissão especial. Se for aprovado na Câmara dos Deputados, o texto segue para o Senado. A matéria teve a maioria dos votos na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara em março em meio a protestos.

Segundo pesquisa do Datafolha de 15 de abril, 87% dos brasileiros são favoráveis à redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, o maior percentual já registrado pelo instituto desde a primeira pesquisa realizada sobre o tema, em 2003.

“Todos os relatórios nacionais e internacionais dos últimos 30 anos são unânimes em apontar a falência do sistema penitenciário”, avalia Roberto da Silva, professor da Faculdade de Educação da USP e ex-interno da Febem. “Colocar esses meninos na prisão é dar a eles penas cruéis e degradantes, que são proibidas pelos tratados e convenções internacionais.”

O Unicef se posicionou contra a redução da maioridade penal. Segundo a agência da ONU, apenas 0,013% dos 21 milhões de adolescentes brasileiros cometeram atos contra a vida, como homicídio ou latrocínio.

“Na verdade, são eles, os adolescentes, que estão sendo assassinados sistematicamente”, afirma em nota Gary Stahl, representante do Unicef no Brasil. “É perturbador que um país como o Brasil esteja tão preocupado em priorizar a discussão sobre punição de adolescentes quando torna-se tão urgente impedir assassinatos brutais de jovens que acontecem todos os dias.”

Internação

Parlamentares também analisam um projeto de lei que pretende aumentar de três para oito anos o período máximo de internação de infratores na Fundação Casa. As unidades recebem adolescentes com idade entre 12 e 18 anos.

“Modificar a lei sem a previsão de que possa existir estabelecimentos específicos destinados a essa faixa etária é criar uma situação de precariedade em que a solução será jogar esses meninos no sistema penitenciário comum”, critica Silva.

Na prática, conta o professor, a Fundação Casa tem transferido jovens a partir dos 18 anos para o sistema penitenciário, principalmente quando eles se envolvem em brigas internas, motins e rebeliões. “O motivo é a inexistência de unidades específicas para receber jovens adultos na faixa entre 18 e 21 anos de idade”, explica.

Como alternativa, o especialista defende a progressão da medida socioeducativa. “Começa com a internação e, progressivamente, passa-se para semiliberdade e a liberdade assistida. Isso permite ao Estado ter a tutela do adolescente infrator até os 21 anos, mas efetivamente exercendo controle sobre a mobilidade e a atividade dele”, observa.

Direitos

“Estive em prisões americanas com adolescentes do corredor da morte. O que mais ouvi dos agentes penitenciários foi que o estado garantiu àquelas pessoas o mínimo constitucional, os direitos civis e, mesmo assim, eles ousaram infringir a lei. Então, isso justificaria a punição rigorosa deles”, conta Silva.

Já na situação brasileira, o especialista pondera que o país não consegue sequer garantir os mínimos constitucionais às crianças, adolescentes e suas famílias. “Qualquer perspectiva de endurecimento das penas aqui soaria como uma injustiça social, porque iriam recair exatamente sobre pessoas que não têm as mínimas condições de exercitar os seus direitos.”

“Se o jovem não cumpriu os nove anos de escolarização básica, mora em condições precárias, não tem carteira de vacinação em dia, não tem um curso profissionalizante adequado, como punir esse menino? Como julgar a capacidade de discernimento dele se ele não recebeu as instruções básicas?”, questiona o ex-interno da Febem.

Silva argumenta que é necessária a aplicação efetiva da legislação já existente. “Ainda não se conseguiu implementar as políticas públicas previstas no ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente]”, ressalta.

Em declarações recentes, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou que o governo tem certeza de que a redução da maioridade penal é inconstitucional e que, se aprovada, a questão deve parar no Supremo Tribunal Federal (STF).

“Em vez de buscarmos alternativas de reinserção social, jogaremos os jovens nos braços do crime organizado, nas péssimas condições carcerárias que temos”, afirmou.

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