Vamos abrir a porta da esperança!?, por Marcelo Henrique

Lembremos sempre que a condição futura é uma consequência do presente e do passado, como na parábola evangélica da semeadura e da colheita.

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Vamos abrir a porta da esperança!?

por Marcelo Henrique

Mas sei que uma dor assim pungente
Não há de ser inutilmente
A esperança
Dança na corda bamba de sombrinha
E em cada passo dessa linha
Pode se machucar
Azar
A esperança equilibrista
Sabe que o show de todo artista
Tem que continuar
(“O bêbado e a equilibrista”, Aldir Blanc/João Bosco, 1979).

Escuto a música gravada impecavelmente pela eterna Elis Regina (a pimentinha, a namoradinha do Brasil), e a letra me motiva a escrever sobre a esperança, que é equilibrista, entre a dor e a alegria, entre o ódio e o amor, entre a decepção e o otimismo…

Esperança, do verbo esperançar, que é aquele desejo íntimo de que tudo melhore e que o amanhã seja melhor do que o hoje. O que é o futuro senão a colheita do presente e, também, do passado.

Debruço-me, impaciente, sobre a realidade do Espírito, esse ser individual, pensante e (relativamente) livre, tanto no contexto planetário quanto no da imortalidade. Independentemente da sua fé, religião, crença ou ideologia, o futuro é algo que acontece a todos.

Pode ser o nada. Ou o todo. E, ainda assim, este nada e este todo terão contornos, cores, realidades. Não posso julgar ninguém com base no que ele acredita (e vivencia), pois isto pauta sua vida e suas (des)esperanças.

Mas o julgar pertence ao imaginário das sociedades. Tanto material quanto espiritualmente. Da primitiva desordem e anarquia das vidas em bandos ou tribos, a socialização – com seus acertos e erros – foi moldando o homem (de todos os tempos) às obediências a regras coletivas. A civilização, assim, tem seus prós e contras, suas benfeitorias e seus prejuízos, e, em face de uma condição bastante imperfeita em vários dos “setores” da vida, a luta pelo progresso é um compromisso pessoal e coletivo. O querer “mais”, o alcançar o “melhor”, o deixar o velho e vivenciar o “novo”.

Para os que manifestam não crer na vida pós-morte, seja pela destruição total da matéria com o suspiro final (incluindo-se, aí, a inteligência que a ela movia), entendo que este texto não tenha qualquer serventia. É do jogo. E isto também significa respeito!

Mas, devo tocar em um ponto que é “execrado” por religiões e filosofias – sim, arrisco dizer que a todas elas – que é a ideia da verdade. O que é a verdade, perguntou Yeshua a Pôncio, quando ele lhe admoestou sobre se o que diziam a seu respeito, e do que lhe acusavam, era verdade.

A verdade está nos olhos de quem vê, sugere a poesia. E, lembrando outra célebre composição brasileira: “Você sabe explicar / Você sabe entender tudo bem / Você está, você é / Você faz, você quer, você tem / Você diz a verdade / A verdade é o seu dom de iludir” (“Dom de Iludir”, Caetano Veloso, 1982).

ILUSÃO

Iludir. De ilusão. De atribuir uma falsa verdade. Iludir é: burlar, tapear, atraiçoar, dissimular, embair, embrulhar, embustear, engabelar, enganar, engazopar, engodar, equivocar, lograr, ludibriar, mentir. Frustrar, estragar, malograr, decepcionar, baldar, defraudar, desapontar. Mas, atenção! Também pode ser: abrandar, aliviar, contentar, minorar, mitigar (Dicionário Web de Sinônimos).

Já a ilusão é: alucinação, delírio, quimera, devaneio, fantasia, imaginação, miragem, sonho, visão, aparência, fantasma, ficção, utopia. Ou, igualmente, burla, aparência, disfarce, engano, engodo, logro, mentira, tapeação, abusão, confusão, erro, ludíbrio. E, ainda mais, marcantemente: decepção, desapontamento, desencanto, esperança vã, desilusão (Dicionário Web de Sinônimos).

Veja que coisa: de quantas ilusões se faz a vida? Quando e como nos deixamos iludir, seja por outrem, seja por nós mesmos? E quando é que tornamos verdades as ilusões?

As ilusões podem durar dias, meses, anos, uma vida inteira. Há pessoas que, no fim da vida, lamentam ter sido “vítimas” de falsas crenças, de inverdades, de percepções limitadas, de análises parciais, do que viram, do que alimentaram como “crenças”, e de pessoas que pensavam ser distintas do que, em realidade, eram…

Sim, isto acontece com todos nós, invariavelmente. Em maior ou menor proporção, com mais ou menos peso. Somos seres de acreditar otimistamente e de nos desiludir pessimistamente. É o “jogo” da vida…

Voltando aos que “creem” em algo posterior à existência físico-corporal, realidades que são plasmadas pelas religiões e filosofias, que infundem nosso caráter, nossa formação, nossa estrutura mental e psíquica, nossas opiniões, nossas verdades, vamos enquadrar o contexto da cristandade, presente em nosso país.

O Cristianismo tem grande peso em relação ao ideário que, individual e coletivamente, se expressa. E isto parte, naturalmente, na aceitação de que “a vida continua”, embora, com algumas diferenças sobre o “como” continua, a continuidade na imortalidade.

Mas, o elemento que liga entre si todas as vertentes cristãs é justamente sobre o porvir: uma vida “espiritual”, uma realidade “extrafísica”, uma continuação do ser (Espírito, Alma) no Universo, ainda que em dimensão distinta do palpável, do concreto, do material. Vivemos para sobreviver à morte: “Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão” (Paulo aos Coríntios, primeira epístola, capítulo 15, versículo 55. Bíblia on line).

De fato, para qualquer pessoa afiliada ao Cristianismo, doutrina oficial da Igreja Romana que se difundiu por (quase) todo o mundo, a morte é uma “passagem” para a verdadeira morada, a espiritual.

Independente da nomenclatura, os “lugares” para onde os Espíritos (Almas) vão, é uma realidade (para quem crê, e isto é condição sine qua non para se dizer “cristão”). Podem ser as alegorias “Céu”, “Inferno”, “Purgatório”, ou outras nomenclaturas similares. Todas elas guardam, entre si, algumas similaridades “teóricas”.

E é importante não perder de vista a situação e o contexto de serem, quaisquer ideias sobre o porvir espiritual, como objeto de crença, que deve ser respeitado como uma das facetas do ser humano-espiritual, as quais não cabe rechaço, desdém, menosprezo, ironia ou combate. Respeito, sempre! Às pessoas, às crenças, às religiões, às filosofias.

Embora no locus social haja uma disputa (invisível, ou nem tanto) para arrebanhar fieis, isto é, para reunir sob a dependência da ordem religiosa ou da estrutura filosófica aqueles que creem, e, também, possa ocorrer migração de uma para outra ideologia, por convencimento e vontade, a convenção social e as prescrições legais conduzem à inviolabilidade “da liberdade de consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos e garantindo, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias”, conforme o artigo 5º, VI, da Constituição Federal.

Isto é ponto pacífico e não comporta discussões nem mutações. Cada um é livre para ter suas convicções íntimas, suas crenças e o exercício pacífico da fé, em lugares filosófico-religiosos é premissa fundamental.

É perfeitamente possível, então, no diálogo, no respeito e na pluralidade, que os indivíduos tenham noções distintas sobre a vida após a morte. E é salutar que se possa conversar sobre isso. Porque a ideia “A” ou “B”, dita por signatários desta ou daquela cultura filosófica/religiosa, poderá ser elemento de raciocínio e convencimento, natural no próprio progresso do Espírito.

E o que dizer, então, daqueles que, espíritas, simpatizantes ou adeptos declarados de outras religiões ou filosofias, comparecem aos cinemas para ver, neste momento, o filme “Nosso Lar 2 – Os Mensageiros”). Pode-se dizer que todos eles têm a “mesma” visão do que há do “outro lado”? Todos acreditam nos destacados “lugares” no Mundo Invisível, como colônias, vales ou umbrais?

Dentro das variadas conceituações, a colônia (cujo “Nosso Lar” seria um exemplo nominado), seria: “um dos locais para onde supostamente vão as pessoas [Espíritos] quando desencarnam e onde aguardam novas reencarnações, trabalhando e estudando”, a “morada para os Espíritos com algum grau de evolução”, apresentando “prédios, pátios, jardins, casas, parques, árvores, hospitais, lazer, bibliotecas, onde os espíritos trabalham, estudam, reúnem-se às suas famílias desencarnadas, quando possível, e descansam” (Wikipedia).

REENCONTROS

Este é um conceito lato sensu, que permite algumas variações conforme o “relato espiritual”, isto é, o “depoimento” (romanceado ou não) sobre o que teria lhe acontecido após desencarnar.

Ou seja, um continuum do que já faziam e como agiam os Espíritos durante a existência física, podendo reencontrar “velhos amigos” ou “antigos desafetos”, como sói acontecer aqui, na Terra, nas nossas andanças. Quase um “mais do mesmo”, só que sem as estruturas materiais, palpáveis, densas e concretas.

Fico pensando no que acontece comumente a todos nós, após a leitura de um romance, ou da audiência a uma peça de teatro, uma novela, um filme, uma série? Quantas vezes nos “teletransportamos” para os enredos, cenários e vivências? Em tantos momentos, as pessoas sonham, dormindo ou acordadas, com projeções de pensamento, para tais “lugares”, com uma nitidez e uma certeza, que são próprias do indivíduo pensante. Ou não?

O que dizer, então, da sugestão mental-espiritual que o livro e o filme, nele baseado, “Nosso Lar” provoca nas plateias? Em quantas cenas o que se passa não é tido como verdade absoluta e definitiva, a ponto de nos emocionar e nos infundir mais ainda a argumentação de sua defesa? Somos seres apaixonados…

E que mal há nisso? Nenhum, a princípio. Somos movidos por sonhos, embora vivamos em realidades. Todavia, a recomendação da poética popular é: “devemos estar com os pés no chão e olhando as estrelas”. Pois ambos, chão e estrelas, existem!

Resta saber qual é o chão e de que estrelas estamos falando. Os reais (e o que é a realidade?) ou os imaginários?

O fato é que o dizer de um dos maiores comunicadores que este país já conheceu, o Senor Abravanel (Sílvio Santos), é preciso olhar com carinho para situações em que seja necessário o “vamos abrir as portas da esperança!”.

Para quem é muito jovem, ou não se lembre de ser assistido, pessoas com necessidades da vida material (um emprego, uma contribuição para uma entidade assistencial, uma reforma de uma casa, a possibilidade de constituir um negócio próprio) compareciam ao programa televisivo dominical, depois de se inscreverem com a produção, com o seu “sonho”. E, é claro, a participação do indivíduo era programada para a próxima ou posteriores semanas. Neste intervalo, alguma empresa, alguma instituição “patrocinadora” ou pessoas beneméritas eram procuradas e muitas resolviam contribuir com a iniciativa.

Mas a expectativa era sempre a mesma. Após o “bordão” silviosantista, as portas eram abertas e o resultado… Poderia ser o vazio, sem a presença do financiador do “sonho”, ou com a visão de alguém que, de fato, iria materializar a vontade do peticionário.

ESPERANÇAR

Penso que “Nosso Lar” tenha esse “q” de “porta da esperança”. Afinal, neste “vale de lágrimas” (expressão contida na oração católica “Salve Rainha”) que é a Terra, para nosso refazimento, consolo, respiro, lenitivo, auxílio, ou esperança, queremos crer que há tais lugares à nossa espera. Trata-se de uma “motivação” a mais. Uma expectativa “boa”, sobre uma condição melhor no futuro.

Mas, lembremos, sempre, que a condição futura é uma consequência do presente e do passado, como na parábola evangélica da semeadura e da colheita. Se a primeira é livre, a segunda é obrigatória.

A par das ilusões ou fantasias que cada mente possa produzir ou plasmar, individualmente, no que pode encontrar ressonância nos outros, formando imaginários coletivos, com um padrão de “materialidade” (criação mental, criação fluídica), dando azo à percepção de que se está, de fato, em determinados locais e que reproduz as ações que outros (Espíritos) também fazem, neste lugar “espiritual”.

Ou podemos, quem sabe, ter uma outra ideia, como a expressada no filme “Os Outros” (“The Others”, no título original da produção de 2001), que constrói uma trama de convivência dual entre “vivos” e “mortos”, compartilhando os mesmos ambientes, modificando estruturas físicas – neste caso, explica o Espiritismo, por meio da mediunidade, na manipulação de fluidos – para, com um final surpreendente, comprovar esta realidade única que engloba a população encarnada e a desencarnada. Que incrível!

Então, entre a expectativa e a realidade, entre os desejos e a concretude, entre o imaginário e o real, haverá pontos de conexão e de distanciamento. Da mesma forma como somos “pegos” sonhando acordado ou acreditando em situações hipotéticas ou nos afiliando a pessoas que, depois, podem ser vistas de modo diferente do que havíamos pensado/desejado/projetado – e a recíproca, deles em relação a nós também vale – podemos ter impressões da realidade, suposições em relação à verdade, concepções que ainda fazem parte do nosso “nível” de entendimento, percepção, sensibilidade, moralidade e inteligência.

Então, mesmo que tenhamos definições diferentes (a partir da obra de Allan Kardec, principalmente no livro “O Céu e o Inferno: ou a Justiça Divina segundo o Espiritismo”, que não sejamos nós a fechar as “portas da esperança”.

Esperançar, sempre!

Marcelo Henrique é graduado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (1993), e em Administração Pública (2021), pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Especialista em Administração Pública e Auditoria, pela Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC (1994). Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí – Univali (2002). Está cursando Doutorado em Administração, na Universidade Federal de Santa Catarina(UFSC).

Coordenador do Grupo Espiritismo COM Kardec
https://www.comkardec.net.br/

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Redação

4 Comentários

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  1. A Magnífica Autoridade Retórica de Juiz de Fora foi um guante na minha vida. Primeiro, aos 12 anos, no colégio católico mor, quando odiou quando eu, provocado por uma frase (excerto) da poesia Vozes d’África, de Castro Alves, que ele escreveu no quadro, como fazia em todo início de suas aulas, recitei o poema inteiro, pois tinha esse livro na biblioteca de maioria espírita do meu pai, que era fã do “”Poeta dos Escravos”. A reação do iluminado foi de um desprezo desaprovador que frustrou totalmente minha expectativa, o que só fui entender quando nos reencontramos depois na universidade. Autoridade Máxima, não esquecemos, eu e ele, o episódio, como passei a entender quando, aproveitando outras situações de discordâncias, tentou me mandar embora em conluio com a trairagem de meus colegas, todos interessados nos cargos e benesses que distribuiu com dinheiro público. Aí foi Xangô, meu protetor, que desvendou para mim a armadilha. Sinceramente, não espero encontrá-lo, nem esse discurso algodão-doce no Ori. Respeitando sempre, como ele não fez, a liberdade de expresão, esse direito transcendente e muito contribuinte.

  2. Os charlatões da fé se aproveitam da insegurança da maioria das pessoas para criar seitas com essa espiritual cujo o filme em questão aborda a vida após a morte no chamado plano espiritual. A pergunta que não quer calar porquê um ser que desencarnou deixou de ser matéria e o seu espírito vai para um outro plano e lá encontra edificações entre coisas que são necessárias na vida matéria ou terrrena. A explicação é clara se esses criadores de mundo abstrato complicarem demais como é essa vida espiritual não vão alcançar as grandes massas mais humildes e mesmo as mais letradas que são inseguras psicologicamente e assim os charlatões da fé fazem a festa criam uma vida espiritual que é uma mistura da vida terrena com a tal vida espiritual o negócio é enrolar ou como diz a matéria iludir os incautos.

  3. Excelente! Tenho comigo, especialmente quando se trata de “espíritas” é Kardec o filtro. Todos temos direito de sonhar, aliás, ter esperança, é necessário. Apenas penso que”a quem mais tem, mais será cobrado”. Vejo que pesa, sem dúvida, mais sobre os ombros do ilusionista.

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