Fica, Ó do Borogodó!, por Daniel Costa

No domingo, 23 de setembro entre 11 da manhã e 17 horas, acontecerá uma grande roda formada pelos times que compõem a programação da casa

Divulgação

Fica Ó!

por Daniel Costa

Como bem definiu Caetano Veloso em sua clássica Sampa, a cidade de São Paulo com a força da grana ergue e destrói coisas belas, porém nos últimos tempos o que temos visto é a destruição de imóveis, na maioria dos casos imóveis térreos, para a construção de torres com uma arquitetura questionável e cada vez mais segregada do conjunto da cidade. Como verdadeiros enclaves, esses empreendimentos promovem a destruição do sentido de comunidade. Para aqueles que possam vir a questionar o argumento apresentado, peço apenas que dê uma volta pela cidade, regiões como Ipiranga, Mooca, Barra Funda e Vila Madalena tem passado por esse voraz processo de transformação.

As antigas casas quase não existem, o comércio local é expulso por não suportar o valor dos aluguéis ou são despejados, assim como a população vulnerável, para dar lugar a imensas torres. Esse processo voraz de destruição vem ocorrendo com a anuência da Prefeitura, que por meio de decisões que alteraram o Plano Diretor, somada a possível revisão da Lei de Zoneamento e mudanças na estrutura do DPH tem procurado atender todas as demandas do mercado imobiliário.

No começo dos anos 2000 a região da Vila Madalena já conhecida por sua vocação boêmia passou por um processo de efervescência, especialmente no entorno das ruas Belmiro Braga e Horácio Lane. Para as verdadeiras almas boêmias aquela região representava um verdadeiro oásis. O roteiro poderia ser iniciado no antigo Bar do Baixo, localizado na esquina da Cardeal Arcoverde com a Belmiro, seguindo a rua tínhamos o Centro Cultural Rio Verde, a antiga sede  do Kolombolo diá Piratininga e pouco a frente o Pau Brasil e o conhecido Bar do Corno, dobrando a esquina em direção a Horácio Lane tínhamos ainda o Tamarineira e por fim o Ó do Borogodó.

Com a construção de alguns prédios na região, a pressão econômica causada pela especulação imobiliária, a reconfiguração da região e as dificuldades geradas após a pandemia hoje restam na área apenas o tradicional botequim tocado há anos pelo casal Nelson e Rose e a casa que é reconhecida por ser um dos redutos do samba e do choro na cidade. Ao menos desde agosto mais um desses lugares tem sua existência ameaçada. Não é de hoje que o Ó vê sua permanência na região ameaçada. Durante a pandemia em meio a dificuldades financeiras foi organizada uma vaquinha online que garantiu a sobrevivência do espaço. Porém nos últimos meses ao tentar renovar o contrato de aluguel a proprietária do bar foi informada que o contrato não seria renovado, pois a intenção dos donos do imóvel era vende-lo, assim como outros dois imóveis próximos. Diante do cenário, o destino do nosso querido bar parecia selado, encerrar suas atividades para dar lugar a uma nova torre cinza.

Porém se desde seu surgimento o samba é marcado pela resistência, um dos lugares mais representativos para o samba paulistano não poderia aceitar de forma passiva tal ultimato. Assim, Stefania Gola, proprietária do bar entrou com um pedido para que o Ó do Borogodó fosse considerado pela prefeitura como uma Zona Especial de Preservação Cultural, ou Zepec. De acordo com a prefeitura, as Zepecs são porções do território destinadas à preservação, valorização e salvaguarda dos bens de valor histórico, artístico, arquitetônico, arqueológico e paisagístico, doravante definidos como patrimônio cultural, podendo se configurar como elementos construídos, edificações e suas respectivas áreas ou lotes; conjuntos arquitetônicos, sítios urbanos ou rurais; sítios arqueológicos, áreas indígenas, espaços públicos; templos religiosos, elementos paisagísticos; conjuntos urbanos, espaços e estruturas que dão suporte ao patrimônio imaterial e/ou a usos de valor socialmente atribuído.

Além de ser um espaço reconhecido pela divulgação e fomento do samba e do choro; nomes como Dona Inah, João Borba, Toinho Melodia e o Conjunto Picafumo, Fabiana Cozza, Adriana Moreira, Zé Barbeiro, Trio Gato Com Fome, Inimigos do Batente e tantas outras figuras passaram e passam pelas rodas do bar, o Ó também é conhecido como um lugar de resistência política e cultural. Quantos de nós não encontramos naquele pequeno espaço força para resistir às arbitrariedades ocorridas desde o golpe parlamentar de 2016 sonhando com o dia que o sol voltaria a brilhar e também comemorando quando em meados de 2022 a esperança venceu novamente o medo.

Foi também no entorno do Ó que presenciamos o renascimento do carnaval de rua por meio da articulação que resultaria no Manifesto Carnavalista, na construção do Bloco do Ó que toma as ruas no domingo pré Carnaval, sem esquecer do Concurso de Marchinhas promovido pelo bar.

Para marcar posição e dizer que o Ó ficará no lugar onde sempre esteve, no próximo domingo, 24 de setembro entre 11 da manhã e 17 horas, acontecerá uma grande roda formada pelos times que compõem a programação da casa para reafirmar entre outras coisas o direito à cidade, às ruas, a cultura, e principalmente para dizer: Fica Ó!

Entre as presenças confirmadas para a roda, artistas e grupos que comandam a programação do espaço como o Quinteto Zé Barbeiro, Juliana Amaral, Paula Sanches, Inimigos do Batente, Tirambaço, Trio Gato Com Fome, Ubandu Pau D’água, Jacke Carvalho, Nani Geissler, Sambas de Cá e de Lá, Maurinho de Jesus, Mumu de Oliveira, Edu Batata, Raquel Tobias e a participação de Rodrigo Campos, Tadeu Kaçula, Os Capoeira, Kolombolo diá Piratininga, Carmem Silva representando o MSTC, o escritor Antônio Prata e outros amigos e apoiadores.

Defender a permanência do Ó do Borogodó em seu lugar de origem é lutar por uma cidade viva. Onde o direito a cultura, o respeito as raízes e a democracia superam a especulação imobiliária e uma cidade para poucos.

Daniel Costa é historiador, pesquisador, compositor e integrante do G.R.R.C Kolombolo diá Piratininga.

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