Sociedade fica de fora se o tema envolve pesquisa e empresas

Da Carta Maior

A ciência no Brasil está submetida a interesses privados, denunciam especialistas 

Palestrantes do Simpósio Internacional A Esquerda na América Latina destacaram que recursos do setor de Pesquisa e Desenvolvimento destinados a empresas não se revertem em melhorias para a sociedade. Renato Dagnino, da Unicamp, provocou os presidentes progressistas do continente: “Por que os dirigentes da esquerda latino-americana mantêm a política de Ciência e Tecnologia neoliberais?”.

São Paulo – O atual cenário dos investimentos em Ciência e Tecnologia (C&T) e o retorno destes para a sociedade brasileira foram os temas do debate da mesa “Ciência e Tecnologia na América Latina”, do Simpósio Internacional A esquerda na América Latina, realizado na Universidade de São Paulo (USP) e finalizado nessa quinta-feira (13). Os palestrantes destacaram a dificuldade de ser fazer uma política de C&T que não se submeta aos interesses privados no mundo de hoje.

“Por que de repente começou a se falar tanto de inovação?”, indagou Marcos Barbosa de Oliveira, professor da Faculdade de Educação da USP (FE-USP). Para responder a essa pergunta e tentar explicar a predominância do “inovacionismo” –, ou seja, a busca incessante pela inovação – nas políticas de C&T, ele recorreu ao significado do termo “inovação”. “Uma inovação se dá quando ocorre uma invenção que possa ser introduzida no mercado, que seja rentável”, explicou Oliveira. “Para o sucesso do inovacionismo, portanto, é fundamental o casamento entre a pesquisa e empresas, e, como consequência disso, tem-se a submissão dos rumos das pesquisas ao mercado. Esse é o resultado do inovacionismo”, concluiu.

O professor da FE-USP enfatizou que tal submissão tem efeitos nefastos sobre a sociedade, já que pesquisas não lucrativas, mas de grande importância para a população, seriam desprezadas. Como exemplo, ele citou a falta de pesquisas sobre os riscos dos transgênicos e sobre a medicina preventiva, entre outras.

Ciro Teixeira Correia, professor do Departamento de Geologia da USP, seguiu a mesma linha. Criticou a política do atual governo de fortalecer as fundações como principais meios de fomento à pesquisa; para exemplificar esse apoio, citou a aprovação da Lei 12.349/2010, que facilita a atuação dessas entidades, definidas por ele define como “mecanismos de lógica privada que se apropriam dos recursos públicos”.

Ciro também destacou que o volume de recursos destinados à Ciência e Tecnologia são muito mais baixos do que o necessário, e chamou a atenção para a luta do Andes (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior) para tentar alterar os rumos das políticas para o setor, de modo que a melhoria da sociedade seja seu objetivo principal.

“Há possibilidades enormes de pesquisa no Mato Grosso que poderiam beneficiar muito a sociedade. Estamos do lado da Amazônia, do Cerrado, mas esse potencial não se realizou, pois as pesquisas colaboram muito para o projeto de ocupação e devastação do agronegócio”, disse o professor Carlos Sanches, da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), destacando a submissão das pesquisas no seu estado aos interesses do mercado.

Diante desse cenário, o professor Renato Dagnino, do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), fez a pergunta: “Por que os dirigentes da esquerda latino-americana mantêm a política de Ciência e Tecnologia neoliberais?”. Para ele, tais dirigentes querem realmente o desenvolvimento da sociedade, mas suas mentes foram contaminadas com a ideia falaciosa de que as empresas, ao receberem recursos de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), se devolveriam e repassariam os benefícios para a sociedade. O que de fato ocorre, segundo Dagnino, é que as empresas usam os resultados desses investimentos apenas para aumentarem seu lucro.

Para mudar esse cenário, o professor da Unicamp vê como única solução a disseminação da ideia de que um outro modelo de ciência é possível. Ele propõe o que chama de “adequação sociotécnica”, a incorporação de valores da sociedade nas instituições de produção da pesquisa, para que assim tenhamos uma política de Ciência e Tecnologia cujo foco seja o social.

Todos os palestrantes foram enfáticos ao ressaltar o fracasso do projeto de estímulo ao desenvolvimento de inovações no Brasil, destacando como fator fundamental para isso a dinâmica do capitalismo mundial, que resguarda para os grandes centros econômicos o papel de centros de inovação, enquanto países periféricos como o Brasil teriam uma enorme dificuldade para se opor a essa dinâmica.

Luis Nassif

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