Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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A celebração da troca do desejável pelo possível em “La La Land”, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

Por que “La La Land – Cantando Estações” é o grande favorito ao Oscar? Porque está sintonizado com o espírito do tempo desse início de século: nostálgico, vintage, metalinguístico e com um amargo realismo. O filme capta a essência do gênero musical clássico, levando o clichê de “quebra e retorno a ordem” (pessoas que dançam, cantam e sonham, mas que depois voltam à realidade como se nada tivesse acontecido) ao limite. A nostalgia pela era de ouro de Hollywood e do jazz são o consolo para um casal que veem seus sonhos desapontados. Misturando alusões a filmes musicais clássicos, “La La Land” é uma fábula de como o amor nos dá força para realizar o possível. Mas, ao mesmo tempo, pode entrar na contabilização dos sacrifícios de termos perdido tudo aquilo que era desejável.

Certamente o leitor deve se lembrar da sequência mais famosa do musical Cantando na Chuva (1952) com Gene Kelly e Debbie Reynolds: Kathy despede-se de Don em uma noite chuvosa. Feliz por estar amando e pelo sucesso em um projeto cinematográfico, Don não se contém e começa a cantar e dançar na rua enquanto cai uma forte chuva. Don vive um sonho, dança, gira, salta, pouco se importando com o aguaceiro. 

No final, aparece um policial que cruza os braços e olha feio para ele. A música para e, quase se desculpando, Don sai de cena envergonhado e entrega seu guarda-chuva para a primeira pessoa que está passando.

Cena simbólica e chave dos filmes musicais: diante da lei, da ordem e da moral, é preciso retornar ao mundo. E mais: como se nada tivesse acontecido. 

Grande favorito ao Oscar, La La Land – Cantando Estações repete essa mesma fórmula à exaustão em duas horas de filme. Em um mix nostálgico de clássicos como Casablanca, Rebelde Sem Causa e do próprio Cantando na Chuva, com constantes alusões à era de ouro de Hollywood dos grandes estúdios e do jazz clássico de Charlie Parker e John Coltrane, La La Land compreendeu muito bem a essência dos filmes musicais: narrativas com personagens cheios de sonhos, mas que, às vezes, é preciso encontrar um parceiro ou alguém para amar para que os sonhos se tornem realidade.

Porém, esses sonhos devem ser constantemente interrompidos, assim como na sequência de Gene Kelly descrita acima. La La Land leva essas interrupções, ou o que esse humilde blogueiro chama de clichê da “quebra-da-ordem-e-retorno-a-ordem”, ao paroxismo. Até o retorno final à ordem, amargo, como se preparasse o espectador a voltar à sua realidade assim que sejam acesas as luzes do cinema. 

Espírito do tempo

Dessa maneira La La Land conecta-se ao espírito do tempo desse início de século –  por isso, a produção levará o Oscar. Um mescla de nostalgia, estética vintage, realismo amargo (no qual o desejável é sempre substituído pelo possível) e visão niilista de futuro. Um realismo amargo traduzido pelas sucessivas cenas musicais nas quais sonhos, desejos e fantasias são cessados assim que a música abruptamente acaba, fazendo os protagonistas retornarem à dura realidade sem permitir que os sonhos se desenvolvam.

Claro que essa é a essência dos filmes musicais clássicos: não permitir o desenvolvimento dos sonhos até que tudo termine no happy end estereotipado. Porém, em La La Land até mesmo esse happy end clássico é suspenso numa espécie de alusão hiper-real do final de Casablanca: “Mas… e quanto nós?”, pergunta Ilsa (Bergman). “Nós sempre teremos Paris”, fala Rick (Bogart). 

Para La La Land, os protagonistas sempre terão a velha Hollywood: as saudades do amor perdido misturado com a nostalgia da velha Hollywood e do jazz clássico, derrotado pelos teclados dos sintetizadores pop.

O Filme

A primeira sequência já demonstra para quê veio o filme: vemos carros presos no horrível tráfego de Los Angeles até que, de repente, os motoristas decidem sair dos carros e cantar e dançar “Another Day of Sun”. Uma música otimista que exorta o espectador a se reerguer toda vez que estiver decepcionado. Por que amanhã será mais um dia de sol! Não mais que de repente tudo para e os motoristas voltam a buzinar em seus carros como se nada tivesse acontecido.

Devo confessar que os musicais sempre me incomodaram por isso: como assim! A música termina e sonhos e desejos cantados voltam à rotina e… nada aconteceu?

A introdução musical é a preparação para a estória que vamos acompanhar sobre a vida de mais um daqueles que se decepcionam e esperam o sol nascer no dia seguinte: o pianista de jazz Sebastian (Ryan Gosling) e a atriz Mia (Emma Stone).

Mia está cansada de procurar oportunidades em Hollywood. É balconista em um café dentro dos estúdios da Universal: tão perto e tão longe – só consegue fazer audições com produtores que mal levantam os olhos para ela.

Sebastian é um purista do jazz: seu sonho é abrir um clube de jazz clássico, enquanto vive de bicos como tecladista em festas nas colinas de Hollywood, tocando sucessos do synthpop dos anos 80.

A vida deles é cercado de alusões nostálgicas: no quarto de Mia um imenso pôster de Ingrid Bergman e no apartamento de Sebastian discos de vinil de jazz antigos e pôster de John Coltrane.

Como em todo musical, o primeiro encontro deles é desajeitado e um passa ter pior impressão do outro. Mas sabemos que a química do casal vai funcionar nas próximas cenas. Afinal, são dois perdedores e sonhadores, sob o Sol que sempre renasce em Los Angeles.

Gosling e Emma Stone não são cantores e dançarinos, mas as sequências musicais são fantasticamente coreografadas, fluidas. Através da dança cairão no amor.

Quebra e retorno à ordem

Mas as sequências musicais se sucedem sempre com fantasias e sonhos interrompidos pela dura realidade. Depois de uma cena musical em uma festa na qual sonha em ser encontrada por alguém e reconhecida, tudo termina com o carro guinchado por ter estacionado em local proibido.

Sebastian arruma um bico para tocar músicas bregas em um restaurante. De repente, se empolga e começa a tocar fraseados de jazz. Logo depois, é demitido pelo patrão por desobedece-lo.

Assistindo ao filme Rebelde Sem Causa, quando Sebastian finalmente vai dar o primeiro beijo em Mia, a película queima no projetor e as luzes são acesas interrompendo tudo.

A cena em que o casal está ao piano celebrando o seu amor termina com Sebastian assinando o contrato para tocar numa banda de free jazz pop. Tudo que odiava… mas, afinal, precisa ganhar dinheiro no mundo real. Mesmo ao custo do realismo separá-lo de Mia.

 

A ideologia dos musicais

Ao lado dos super-heróis nas HQs, os filmes musicais desempenharam um importante papel ideológico no pós-guerra: numa incipiente sociedade de consumo com produtos e estilo de vida massificados (o “sonho americano”) era importante uma produção cultural que inspirasse resignação e conformismo.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

1 Comentário

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  1. A arte e o zumbi.

    Bom dia debatedores,

    quando o assunto é “crítica de um filme qualquer”,  já vou logo pensando: estamos no campo da  “cultura” por meio de, talvez, o seu mais  poderoso artefato comercial/industrial,  que é o cinema dos iunaitede istaites.

    In casu, para ficar ainda mais “interessante”, “emocionante” e , por que não dizer “cooptante” estamos a  transitar  pelo tal do “Oscar”.

    Portanto, estendamos o “tapete vermelho”  para tecer  , já devidamente  vestido com  o meu “ismoquem”,   um comentário “cultural” à altura dos bilhões de dólares.

    Preliminarmente, comento que não vi o filme ainda, vamos farei a minha “crítica de cinema” assim mesmo.

    Vejamos.

    Pena que o  nosso cinema brasileiro , que recentemente e,   não raro, trata da vida “humana”  nas “comunidades” ( outrora favela mesmo) dentro de um estado que se diz de “direito e democrático”, mas que , lá, na “comunidade” -que por sinal, é quase um outro estado não democrático e com direito penal do inimigo! – com pitadas de ação “patriótica” da polícia, isto é,  do poder de polícia do estado que está do lado de fora, enfim, pena que o nosso cinema brasileiro, outrora, pornochanchada não ganha um “òscar”.

    Pena…

    Afinal, “cinema é arte”.

    De qualquer forma, eu ainda verei este filme.  Claro! Não perco filmes que “venceram” ou vencerão, ou mesmo que “perderam”  o óscar!

    Saudações e Bons filmes.

     

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