Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Em ‘CEO em Fuga: A História de Carlos Ghosn’ o mundo corporativo parece uma seita, por Wilson Ferreira

O documentário Netflix “CEO em Fuga: A História de Carlos Ghosn” (2022) descreve como essa ascensão terminou numa fuga cinematográfica

do Cinegnose

Em ‘CEO em Fuga: A História de Carlos Ghosn’ o mundo corporativo parece uma seita

por Wilson Roberto Vieira Ferreira

Gênios e gurus do mundo corporativo vão e vem a cada estação, sempre com um sistema messiânico que promete novos “valores” e “visões” para o sucesso. E o início desse século teve o seu: o libanês-brasileiro Carlos Ghosn, que salvou Renault e Nissan da falência. Muito bem pago e intocável teve ascensão meteórica na escada corporativa, baseada em abordagem de gestão multiculturalista. Mas, no chão de fábrica, a receita é a de sempre: corte de custo e demissões em massa. O documentário Netflix “CEO em Fuga: A História de Carlos Ghosn” (2022) descreve como essa ascensão terminou numa fuga cinematográfica do Japão após ser preso em um escândalo financeiro: dentro de uma caixa de instrumentos musicais, direto para o aeroporto. “CEO em Fuga” revela como o mundo corporativo está cada vez mais parecido com uma seita.

Muitos ainda devem se lembrar daquele que foi definido pela imprensa como uma “fuga cinematográfica”: o ex CEO da Renault e Nissan, o engenheiro libanês-brasileiro Carlos Ghosn, solto sob fiança após prisão preventiva no Japão, conseguiu em dezembro de 2019 fugir do país dentro de uma caixa de instrumentos musicais, passando pela segurança do aeroporto e embarcando em um jatinho particular. Para desembarcar na Turquia e rumar para o Líbano. 

Sem acordo de extradição com o Japão, e com o sinal vermelho da Interpol, permanece até hoje no Líbano em uma espécie de doce exílio.

No auge do estrelato corporativo, era chamado pela imprensa como o “assassino de custos”, o homem que virou um guru entre os executivos do setor automotivo. Ghosn conseguiu salvar a Renault no começo dos anos 2.000 praticamente da bancarrota com uma combinação mágica de demissões em massa e muito investimento em comunicação e marketing.

Uma estratégia tão bem-sucedida que levou a empresa a fazer aliança com outra empresa que andava mal das pernas: a Nissan no Japão. Lá ele vai aplicar a velha mágica: 21 mil demissões, fábricas fechadas, muita comunicação e marketing e mais uma aliança – dessa vez com a Mitsubishi.

Bem pago e intocável, Carlos Ghosn tornou-se até super-herói em mangá no Japão. Ele tornou-se o guru da administração do século XXI. Assim como no século XX tivemos Peter Drucker, Lee Iacoca, Tom Peters etc., sempre com ideias e sistemas revolucionários da temporada: kanban board, marketing de guerra, reengenharia, downsizing, franchising, learning organization e assim por diante.

Não importa qual o modismo, o ponto de partida é sempre o mesmo: corte de custos (eufemismo para demissões) para agradar acionistas – afinal, cortar da própria carne inspira confiança e comprometimento nos acionistas. E muita, muita gestão de imagem, tanto para consumidores como para o mundo corporativo.

Mas muitas vezes o preço de uma ascensão meteórica nas escadas corporativas pode ser alto: ciúmes, inveja, traição e… a queda.

O documentário Netflix CEO em Fuga: a História de Carlos Ghosn (Fugitive: The Curious Case of Carlos Ghosn, 2022) descreve essa saga de ascensão e queda do salvador da Renault (com participação acionária do governo, diz-se que “se a Renault espirra, a França pega gripe”) e que mais tarde se tornaria um super-herói de mangá no Japão ao também salvar a Nissan.

O documentário quer responder à seguinte pergunta: o que levou o brilhante engenheiro libanês-brasileiro de Beirute à Polytechnique de Paris, da Michelin à Renault, de ser o chefe da principal fabricante de automóveis do mundo, a se tornar de repente um pária?

Na sua uma hora e meia de duração, o documentário demora para chegar na parte mais eletrizante da história: a fuga cinematográfica do Japão, auxiliado por um ex-agente de forças especiais norte-americanas.

Grande parte do documentário descreve a ascensão de Ghosn: de como sob a aparência corporativa de uma administração com toque multicultural e de diversidade (afinal, Ghosn era um espécime exótico – brasileiro e libanês, tão focado no trabalho que não se imiscuía nos hábitos franceses de lazer) deixou um rastro de demissões em massa, a pressão abusiva por resultados e suicídios de diretores e funcionários na Technocentre.

A primeira leitura mais imediata ao documentário é que a ganância e ambição derrubaram Ghosn: ele deu um verdadeiro golpe na empresa francesa, mantendo o cargo de CEO simultaneamente na França e Japão.

Mas CEO em Fuga vai mais além: revela as evidências de que, cada vez mais, o mundo corporativo se torna análogo a uma seita.

O documentário

O então presidente da Renault, Louis Schweitzer, o homem que selou a entrada da Renault na capital da Nissan em 1999, viu pela primeira vez o Sr. Ghosn, que trabalhava na Michelin. 

Na época, o Schweitzer à procura de alguém capaz de ir ao Japão para salvar uma companhia em grande dificuldade sem falar a língua do país e, se bem-sucedido, assumir sua posição como chefe da Renault. 

Na câmera, ele explica sua escolha. Ele também se lembra da primeira traição: para se tornar CEO do grupo francês, Ghosn se comprometeu a abandonar as rédeas da Nissan. Ele nunca o fez, conseguindo manter os dois cargos trabalhando no limite, tornando-se desproporcionalmente bem pago e intocável. Ninguém o impediu, e ele acabou pagando caro por isso.

Para a diretora Lucy Blakstad, é difícil entender um homem sem se aprofundar em sua infância, em sua cultura familiar. Lá, novamente, Blakstad encontrou duas testemunhas que fornecem informações sobre a juventude do Ghosn. Sua irmã e o jornalista Clément Lacombe, agora vice-editor da revista francesa L’Obs, que explica como ele encontrou o trauma original da infância de Ghosn na imprensa libanesa: o misterioso assassinato de um padre, que colocou seu pai na prisão, envolvendo negócios ilegais com diamantes.

Dois dos colaboradores mais próximos do ex-chefe da Aliança, França-Japão, Patrick Pélata, do lado da Renault, e Hiroto Saikawa na Nissan, falam sobre seu estilo de gerenciamento, não escondendo nada sobre “a maneira como ele tratou a equipe: ele usou o mais talentoso, ele se livrou dos outros”. 

Vários episódios dolorosos na vida da Renault – os suicídios no Technocentre, o caso dos falsos espiões franceses na folha de pagamento da China – sublinham o fato de que, mesmo antes do caso vir à tona, as dúvidas sobre a administração eram mais do que justificadas.

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Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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