Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Bebês, repolhos e Papai Noel no cruel mundo adulto de “Patch Town”, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

Bebês, pés de repolhos e Papai Noel numa fábula sobre um mundo adulto que prepara crianças para o futuro cruel que as espera – a exploração física e psíquica pelo trabalho e sociedade de consumo. Um filme que combina a iconografia da era soviética, folclore europeu oriental, a mitologia gnóstica do demiurgo, Papai Noel e elfos. Um mundo no qual bebês são recolhidos em campos de repolhos para serem vendidos como bonecas para crianças de todo o mundo. Para depois serem recolhidas pelo “Coletor de Crianças”, a memória delas apagada e em seguida exploradas em uma fábrica que produzirá mais bonecas com bebês presos em seu interior. Tudo com pitadas de cenas musicais e dança. Este é o estranho filme canadense “Patch Town” (2014): um cruzamento da estética “dark” de Tim Burton com as atmosferas opressivas de Terry Gilliam. 

Talvez a característica principal dos “Weird Movies” (“Filmes Estranhos”) seja trabalhar com argumentos cujas narrativas fazem um mix ou conexões inesperadas (ou bizarras) entre iconografias e mitologias.

Patch Town (2015) é um exemplo perfeito. Um filme que conecta narrativa do folclore russo que envolve bebês e repolhos, a iconografia da estética construtivista russa do socialismo soviético, o mito pagão do Papai Noel resgatado pela moderna sociedade de consumo, o traço da crueldade com crianças dos contos de fadas originais (antes de serem suavizados por Walt Disney) e, de quebra, o sabor gnóstico de uma narrativa que envolve um demiurgo “coletor de crianças” para apagar suas memórias para depois serem exploradas na linha de montagem de uma fábrica de bonecas.  

Dirigido pelo estreante canadense Craig Goodwill, Patch Town na verdade é uma versão estendida do curta homônimo de 20111, premiado em diversos festivais como o de Toronto e o Fantasporto, festiva de cinema fantásticos na cidade do Porto, Portugal.

Basta ler o plot de Patch Town para percebemos a estranheza da produção: numa pequena e sombria vila, todos os moradores trabalham em uma única fábrica. Repolhos são recolhidos em um imenso campo para passarem na linha de montagem dessa fábrica. Numa linha de montagem são abertos para serem retirados bebês do seu interior; em seguida são “congelados” e colocados no interior de bonecas de plástico para serem vendidas em todo o mundo. 

 

Os bebês tornam-se objetos imóveis que continuam a ver, ouvir e sentir emoção, enquanto residem em cima da cama de alguma criança. O que os trabalhadores dessa fábrica não percebem é que todos já foram, uma vez, esses bonecos: quando os bebês crescem, os brinquedos são roubados pelo sinistro “coletor de bebês”, suas memórias são apagadas e transformados em novos trabalhadores para a fábrica.

O gnóstico conflito central

Embora o filme trabalhe diversos subtemas como a obsolescência planejada dos brinquedos, consumismo, Papai Noel, a mitologia que envolve nascimentos de bebês em diversas culturas (repolhos, cegonhas etc.) e a clássica distopia ao melhor estilo orwelliano, o conflito central que move Patch Town é gnóstico: humanos são capturados por um demiurgo, “congelados” em “formas” como brinquedos para depois terem as memórias de tudo isso apagadas e em seguida transformados em operários em uma rotina casa/trabalho, ignorando toda a gigantesca estrutura na qual são prisioneiros.

Assistindo ao filme, percebemos diversas alusões à estética dos filmes de Tim Burton e as atmosferas de delírio e pesadelo de Brazil, O Filme ou O Teorema Zero do diretor Terry Gilliam. Mas a impressão é que Patch Town tem um ótimo argumento que funcionou no curta de 2011. Porém, ao ser estendido em um longa metragem, perdeu bastante sua força ao transformar-se em um thriller de perseguição, pontuado por cenas musicais e tendendo para um final açucarado como preza um conto de Natal.

Mas ainda assim o filme rende ótimos momentos de estranheza: o protagonista vestido de Papai Noel junto com um hindu fantasiado de Elfo em uma caminhonete ou a sequência hilária e alucinógena em que o herói inadvertidamente come um saco de “doces” quando foge de Patch Town.

 

O Filme

Patch Town abre com a bizarra sequência da linha de montagem da fábrica com repolhos sendo abertos para retirar bebês chorando. E que são imediatamente despachados por ganchos para a unidade em que serão congelados. Acompanhamos a vida de Jon (Rob Ramsay) que vive a rotina casa-trabalho e sua esposa Mary (Stepahnie Pitsalidis) com estilo “camponesa ucraniana”. Todos na fábrica estão proibidos de cantar, enquanto são vigiados pelo dono da “Patch Enterprises” chamado Yuri (Julian Richings) sob o comando de policiais no estilo SS.

Mesmo depois de submetido ao processo de “Reeducação” (uma máquina de lavagem cerebral para apagar as memórias do passado como brinquedo infantil) Jon ainda tem flashs de quem teria sido a sua “mãe” (Bethany – Zoie Palmer). Por isso, Jon rouba um dos bebês-repolho da fábrica para formar uma família com Mary, e tentar reviver essa sensação nostálgica.

Mas as coisas começam a ficar perigosas quando veem os vizinhos que também roubaram um bebê sendo presos pela polícia da “Patch Enterprises”. Mary e Jon decidem fugir e ir em direção ao mundo desconhecido, muito além das cercas de arame farpado que cercam aquela vila.

Jon sabe que lá fora encontrará a sua mãe. E será ajudado por um hilário hindu chamado Sly (Suresh John) que os levará para um conjunto habitacional popular caindo aos pedaços, enquanto lhe arruma um emprego de Papai Noel – ao lado de Sly fantasiado de Elfo, fazendo dupla em um shopping center na cidade de Toronto.

 

Mas o demiurgo Yuri tem também outras preocupações, além de perseguir Jon: as bonecas da sua fábrica estão sendo criticadas pelos consumidores como “antiquadas” – é necessário criar novas bonecas, agora para pré-adolescentes e expandir o mercado. Yuri vê na filha de Bethany (Avery) a modelo perfeita para um novo tipo de boneca. E decide sequestrá-la.

Enquanto isso Jon vê na TV as notícias do sequestro e perplexo vê Bethany em um telejornal, reconhecendo-a como a sua “mãe” perdida. E decida tentar ajudá-la a resgatar Avery das mãos do “coletor de crianças”.

 

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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