Intervenção: quando a palavra golpe foi colocada em praça pública
por Rogério Mattos
Pude assistir esses dias ao documentário lançado em 2017 chamado “Intervenção – Amor não quer dizer grande coisa”, dirigido por Tales Ab’sáber, Rubens Rewald e Gustavo Aranda. O filme procura retratar o bastidor social da convocação em massa para o golpe de 2016 através do relato de anônimos famosos por seus vídeos postados no youtube. Caso se possa tirar um retrato entre tantas falas diferentes expostas no filme e correspondente ao que se chama de bastidor social das convocações contra a presidência da república, é a que mostra como a palavra golpe foi colocada definitivamente em praça pública e serviu de bandeira para toda a direita, do alto clero neoliberal ao baixo clero, aquele que coloca em xeque um suposto acaso que teria levado ao naufrágio o Titanic. Sem a reconfiguração do significado da palavra golpe, dificilmente os grupos organizados contra o governo do Partido dos Trabalhadores poderiam se aglomerar. Apesar do material ser majoritariamente constituído com as falas desse público de “anônimos famosos”, o documentário começa com um programa de tipo jornalístico apresentado por Kim Kataguiri, então em início de carreira. O então anônimo famoso do MBL coloca uma fala de Reinaldo Azevedo no Clube Militar. Os discursos do inventor do termo “petralha” serviram na época para legitimar a ascensão da extrema direita. Mas não só: abolida do vocabulário político corrente, utilizada mais para estudos da história brasileira recente, a palavra “golpe” talvez estivesse sendo colocada pela primeira vez em praça pública, não sem a desfaçatez usual. No vídeo dentro do vídeo que assistimos através do documentário, Reinaldo Azevedo, “as usual”, culpa o Partido dos Trabalhadores por um golpe à democracia em razão da “corrupção”. Lembra que dois anos antes esteve naquele mesmo Clube Militar defendendo a “liberdade de expressão” ao lado de Merval Pereira, enquanto os comunistas discutiam a “regulação dos meios” no sindicato dos jornalistas e uma “turba” na frente do Clube Militar protestava contra a ditadura… Eliane Calmon e Rodrigo Constantino acompanham na cerimônia o liberal (militares, judiciário, jornalistas e liberais, a nata do golpe) que agora cerra fileiras com a esquerda que, nessa altura do campeonato, resolveu também enjoar de vez do lavajatismo. Cabe destacar que as manifestações contra a Ditadura, naquele período, 2014, se voltavam contra as movimentações dos militares, no bojo do caos social pós junho de 2013 e em pleno Não vai ter Copa. Os milicos já se arregimentavam, mas ainda encontravam uma oposição sólida. No caso, estudantes em sua maioria, tentavam escrachar os generais no dia em que se reuniram, ou seja, no 1º de abril de 2014, cinquenta anos depois do início da ditadura. Não só Reinaldo Azevedo, mas os militares se preparavam para ameaçar e, com sucesso, colocar definitivamente a palavra golpe no vocabulário político cotidiano.Ao que ele [FMI] atribuía a situação crítica do Brasil? Não era da economia, eram duas coisas. Instabilidade política e o fato de as investigações quanto à Petrobras terem prazo de duração maior e mais profundo do que eles esperavam, e que isso seriam os dois principais fatores responsáveis pelo fato de eles terem de rever posição do FMI em relação ao crescimento da economia no Brasil.Instabilidade política: junho de 2013, continuado em manifestações diversas, da esquerda e direita, até a presidenta ser arrastada do poder. Petrobrás e Lava-Jato se tornaram um venenoso sinônimo. A atuação da Lava-Jato chegou a comprometer até 3% do PIB em 2015, segundo o mesmo FMI [aqui]. A previsão da consultoria GO Associados coincidiu com as avaliações do FMI [aqui]. Em janeiro de 2016, quase no mesmo dia da fala de Dilma citada acima, uma análise de conjuntura publicada pelo blog Cafezinho resumiu a situação: “A irresponsabilidade da força-tarefa da Lava Jato, incluindo aí o justiceiro da Globo, Sergio Moro, já causou prejuízo de dezenas, quiçá centenas de bilhões de dólares ao país”. A partir desse momento, faltava só entrar OVNIs no discurso da extrema-direita. Foi por pouco naquela ocasião. Hoje os OVNIs, contudo, chegaram ao Itamaraty. Tudo a ver. A participação de personalidades heterogêneas unidas em favor do ultraconsenso provocado pela Lava-Jato, antes de ser efeito de alguma coesão social, mostra a anomia crônica de uma sociedade atacada pelas elites autóctones e estrangeiras. Mas qual é o delírio geopolítico da extrema-direita nos bastidores sociais do golpe como relatadas pelo documentário?
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