A prisão mudou o comportamento de Lula, por Luís Nassif

Lula voltou mais introspectivo, mais ensimesmado, sem a mesma paciência para o dia a dia miúdo da política

As informações são de um observador arguto da vida palaciana e merecem ser consideradas.

A longa prisão e a idade modificaram Lula. Não é mais o Lula de 2003 ou 2010. Foi um período duro, isolado, perdendo parentes queridos e vendo, impotente, o festival de ataques da Lava Jato repercutidos e ampliados pela mídia. O exercício psicológico para não soçobrar deve ter sido gigantesco.

Saiu da prisão e conseguiu prestar um enorme favor ao país, livrando-o, ainda que provisoriamente, do fantasma da intervenção militar e do controle da ultradireita.

O que se tem agora? Lula voltou mais introspectivo, mais ensimesmado, sem a mesma paciência para o dia a dia miúdo da política, e sem o reforço moral inesquecível das vigílias nas quais as pessoas desejavam bom dia e boa noite.

Não é por outro motivo que se dedicou até agora à área externa, conseguindo rapidamente retomar seu papel de liderança global. Mas, internamente, ainda não conseguiu engatar um discurso mobilizador sequer. No dia a dia, segundo esse observador, a única pessoa que consegue levantar seu ânimo é a esposa Janja.

Enquanto isto, o país institucional parece cego, desmemoriado. As lembranças das 700 mil mortes pela Covid, as incursões militares, o desmonte de todas as políticas públicas, a destruição da engenharia nacional, tudo parece pertencer a um passado distante. Parece não se darem conta de que o hidra não morreu. Uma ou outra cabeça pode ter sido decepada, mas o monstro da intolerância e do oportunismo político continua vivo e despertando.

O governo como um todo está morno, desatento às questões legitimadoras. No Ministério da Educação permite-se a intromissão do mais suspeito dos empresários brasileiros, Jorge Paulo Lemann, montando uma ONG de bilionários para “assessorar” o Ministério. Não se trata de injetar dinheiro em programas emergenciais, mas em opinar sobre a aplicação dos recursos públicos na digitalização das escolas, de maneira a permitir a Lemann uma parceria com Elon Musk. Outra bandeira legitimadora, a educação inclusiva, foi deixada de lado.

Por outro lado, há um desmonte dos programas de pós-graduação e o esvaziamento do Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.)

No Ministério do Desenvolvimento, sabe-se que há cinco eixos para uma futura reindustrialização, mas pouco se sabe sobre seus desdobramentos. O Ministério da Justiça envia a Força Nacional para o Rio de Janeiro atendendo aos reclamos das ruas, mas continua impotente para segurar a fome de morte das Polícias Militares.

Na Fazenda, o Ministro Fernando Haddad volta de um périplo importante no exterior, ostentando com orgulho o merecido prêmio que recebeu da Latin Finance, de o preferido do mercado, ao mesmo tempo em que seus técnicos tentam convencer o Tribunal de Contas da União a autorizar a redução do piso da saúde. Se conseguir, entrará para a galeria dos premiados duas vezes.

Enquanto isto, a mídia se perde na relevante discussão se o Hamas deve ou não ser chamado de organização terrorista, se Israel deve ou não ser condenado, se Lula deve aparecer ou não em eventos religiosos, se deve se mostrar ou não no hospital. E o presidente do Supremo Tribunal Federal deixa todo o pudor de lado e se lança candidato da Terceira Via enquanto lobistas e altas autoridades se confraternizam em Paris, porque ninguém é de ferro.

Cáspite! Há limites para esse exercício de ignorância coletiva. Tem-se uma democracia que, no momento, depende exclusivamente de uma (atenção: de UMA) pessoa: Luiz Ignácio Lula da Silva. Está cercado por um ministério afetado pelas interferências do Centrão, sim, mas vítima de uma imobilidade exasperante dos Ministros supostamente modernos e progressistas.

À medida que se aproximarem as eleições municipais, se houver perda de fôlego de Lula, haverá um desmanche do arco político de defesa da democracia. Está certo que o presidencialismo é muito dependente do espírito de iniciativa do Presidente. Mas não haverá um filho de Deus com bom senso para perceber o que vem pela frente, agravado pela crise internacional, e abrir uma discussão interna sobre como organizar uma corrente de apoio e proteção a Lula?

Luis Nassif

11 Comentários

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  1. Tenho outra avaliação. A prisão de Lula o fez entender que não adianta querer ser amado, respeitado pela elite econômica do mundo. É um clube fechado que só entra quem já nasceu dentro. Lula acreditou muito em suas qualidades admiradas pelos pobres. Achou que a classe média ia ficar feliz por sustentar o bolsa família assistindo a elite ficar mais bilionária. E agora não tem discurso que o retorne ao que já representou em 2003. A elite continua dando as cartas em 2023 como deu em 2003.

  2. Paulo Arranges deu entrevista ao 20 minutos e toca em pontos comuns com essa Coluna, neste mês de outubro.

    As questões são complexas e não podem ser explicadas de forma rasa e retórica.
    Agora, o maior problema é que o PT virou o partido da ordem, o reformismo lento e gradual ou o papel de gestor “humano” do capitalismo somado a desmobilização de larga escala causado pela fragmentação das pautas na miríade do identitarismo soam como o requiem dessa ex-esquerda, ainda hegemônica, mas não mais esquerda.

  3. Lula mudou, mas o STF também. Nos últimos anos a Suprema Corte começou a destruir a marretadas todas as garantias trabalhistas, sociais e previdenciárias. De maneira geral, os Ministros da Suprema Corte se limitam a proteger os interesses dos próprios juízes (exceto no caso do juiz Eduardo Appio da 13a. Vara Federal de Curitiba, porque ele colocou em risco os privilégios de uma legião de juízes e desembargadores lavajatistas). A sociedade brasileira foi abandonada à própria sorte, com uma Constituição escrita que pode ser totalmente ignorada pelos neo-escravocratas. O escravismo no campo foi derrotado pelo escravismo algorítmico, mas contra esse Lula é totalmente impotente. O que um presidente pode fazer para impedir a Suprema Corte de desmantelar as garantias e proteções outorgadas pelo constituinte aos trababalhadores? Nada. Os Ministros nomeados por Lula oscilam entre um neoliberalismo envergonhado e a defesa dos direitos humanos, mas a desumanidade está vencendo de braçada porque foi incorporada ao Sistema de Justiça. O uso de Inteligência Artificial pelos juízes irá remover as últimas camadas de empatia abrindo caminho para o Brasil se tornar o pior dos mundos sob o melhor dos regimes políticos concebidos em nosso país. Isso é simplesmente revoltante, mas Lula não pode se revoltar. Ele é só um home idoso que sabe muito bem o que um sistema intrinsicamente opressivo fará com ele o que se recusa a fazer com Bolsonaro. Tudo está perdido, mas muita gente de esquerda resolveu se encontrar nos cargos bem remunerados do governo federal. No fundo do poço existe uma portinhola. A esquerda brasileira já a abriu agora só falta ela descer para o mesmo patamar de incivilidade da esquerda europeia e norte-americana. Esquecer as lutas econômicas e se concentrar nas questões identitárias é o caminho que nos levará finalmente ao abismo sem retorno.

  4. O SETOR LÁCTEO BATE DE FRENTE COM A GLOBALIZAÇÃO
    A Globalização foi vendida como a salvação de todos os males da economia. O Brasil e seus inocentes úteis se atiraram de cabeça no processo, sobrando para esse momento, um ataque brutal ao processo industrial com redução do PIB industrial a míseros 9% do PIB e ataque brutal a certas cadeias produtivas vitais, sendo uma delas a CADEIA PRODUTIVA de LEITE. Cadeia essa inserida profundamente na Agricultura familiar e no sustentáculo dos Municpios brasileiros.
    A desproteção desse setor, por abdicação conveniente por parte dos “paladinos neo liberais” e demais teóricos da ignorância econômica, nos deixaram nús frente a capacidade de produção, com custos mais baixos de outros países, cujas vantagens comparativas não se discutem.
    É preciso recuperar a capacidade de proteção do setor. Um mínimo de proteção deve existir nas negociações globais. A prática protecionista e Planos de desenvolvimento dos setores econômicos, são práticas recorrente de qualquer País. As atividades que geram renda, receitas públicas, emprego no campo e na cidade não podem ser abandonadas à própria sorte.
    Conforme dados da EMBRAPA, a cadeia produtiva do leite é uma das principais atividades econômicas do Brasil, com forte efeito na geração de emprego e renda. Presente em quase todos os municípios brasileiros, envolvendo mais de um milhão de produtores no campo, além de gerar outros milhões de empregos nos demais segmentos da cadeia. Em 2019, o Valor Bruto da produção primária de leite atingiu quase R$ 35 bilhões, o sétimo maior dentre os produtos agropecuários nacionais (BRASIL, 2020). Já na indústria de alimentos, esse valor mais do que duplica, com o faturamento líquido dos laticínios atingindo R$ 70,9 bilhões, atrás apenas dos setores de derivados de carne e beneficiados de café, chá e cereais (ABIA, 2020).
    Conforme o Relatório elaborado pela EMATER/RS, a produção de leite está presente de alguma forma, em um total de 137.449 propriedades rurais, distribuídas por 493 dos 497 municípios do Estado. Dentre os produtores de leite, 40.182 tem a atividade leiteira como atividade econômica formal, sendo que 39.991 produtores comercializam leite cru diretamente para as indústrias, cooperativas ou queijarias e 191 produtores processam leite em agroindústria própria formalizada. A produtividade média no Estado é de 4.129,15 litros/vaca/ano. Atualmente, há 241 estruturas instaladas para a industrialização de leite no estado, sendo que 166 se enquadram no Sistema de Inspeção Municipal – SIM, 32 na Coordenadoria de Inspeção de Produtos de Origem Animal
    Diante do exposto e dada a urgência de proteção ao setor, avaliamos que sejam tomadas as seguintes medidas:

    Nível Federal
    01- Estabelecer Cotas progressivas de importação do Mercosul. Discutir no Bloco essa ação;
    02- Proibir qualquer procedimento de reidratação de leite em pó, com Leis proibitivas;
    03- Retomar a taxa antidumping junto a OMC-Organização Mundial do Comércio;
    04- Revisão da carga tributária;
    05- Compra permanente de leite por parte do Governo, sobretudo em épocas de desiquilíbrio do Mercado;
    06- Revisar o MODELO TECNOLÓGICO adotado no Brasil, enfatizando maior compreensão dos custos operacionais. Ver o Modelo de produção da Nova Zelândia;
    07- Estudar MODELOS EXISTENTES em outros países, SOBRETUDO, o modelo canadense, e adequá-lo para cá;
    08- Estimular ações para aumento de consumo, sobretudo de Marketing;
    09- Proibir incentivos fiscais e empréstimos para Empresas que importam leite em pó e outros derivados;
    10- Linhas de crédito subsidiada a juro zero, para a atividade, na linha do PRONAF, junto com outro itens da cesta básica;
    Nível Estadual:
    11- Maior apoio às culturas de milho e culturas de inverno;
    12- Política industrial de apoio às Cooperativas do setor RS, incentivando a aglutinação das mesmas e redução do ICMS.

  5. Como não é discurso mobilizador as críticas aos juros do vc?Com isso praticamente uniu trabalhadores e empresários extorquidos a anos,este país Será o país das oportunidades nossos jovens serão inseridos nos esportes este país será uma potência teremos a melhor participação da história nas olimpíadas se está a procurar(PGR)tem um q está APPIO a isso,sem mais obg equipe ggn !!

  6. Como não é discurso mobilizador as críticas aos juros do vc?Com isso praticamente uniu trabalhadores e empresários extorquidos a anos,este país Será o país das oportunidades nossos jovens serão inseridos nos esportes este país será uma potência teremos a melhor participação da história nas olimpíadas se está a procurar(PGR)tem um q está APPIO a isso,sem mais obg equipe ggn !!!

  7. O comportamento, não sei; a percepção certamente sim. E a disposição, essa dependerá de seu estado de espírito, algo de que somente ele sabe. A rápida retomada de seu papel no plano internacional só revela uma coisa: melhor, aos olhos das nações de homens brancos de olhos azuis, um social-democrata conciliador do que um projeto de ditadorzinho de opereta, por mais mambembe e precário que seja. O Lula de hoje é o mesmo de 2003; apanha, apanha, apanha, mas afaga a mão que o apedreja; e prefere fingir não saber que o beijo é a véspera do escarro. No seu íntimo, sabe que está em um baile de cobra, mas evita usar perneiras para não vexar convidantes e convivas. Continuo achando que o norte de sua atividade – de sindicalista a presidente – se resume em Mateus 15, 26-27; isso é muito pouco para os ‘cachorrinhos’, é demais para os filhos, e certamente muito frustrante para ele. O peso que terá, daqui para a frente, essa frustração, é difícil avaliar.

  8. Um grande tema, ignorado nos grandes centros e nos gabinetes. A tragédia que assola a produção de leite desde a famigerada Portaria 51, lá nos idos dos anos 90.
    Meu pai foi pecuarista, produtor de leite, assim com os vizinhos dele, alguns irmãos. Nossa cidade natal hoje só tem 8 produtores de leite. Único produto que é vendido e só vem a se saber o preço na hora de receber, mês seguinte. Uma grande cadeia de pequenos produtores perdeu tudo. Um desastre social.

  9. Sobre o Lula, além da prisão, talvez a idade conferiu a noção premente de que o tempo dele é curto para um projeto de poder tal qual em 2003. Junte-se a isso seu pragmatismo. Não irá perder tempo enxugando gelo, pois sabe que o modelo de relações políticas se perverteu, que não adianta gastar saliva com quem não quer compor, apenas surfar no momento.
    Outro ponto, foi que o apoio externo nesse primeiro momento é o maior fator de legitimidade e confiança no atual governo, ameaçado desde a posse por um ambiente golpista, cm uma caserna que não inspira confiança, e um Congresso sem nenhum escrúpulo democrático.
    Penso que foi genial sua estratégia de concentrar tudo, até agora, na frente externa. se estivesse se digladiando no cenário político interno, estaria enrolado com questão de aborto, tributação de ricos, e pequenas pautas do centrão e do agro.
    Só a partir do exterior é que consegue furar a redoma da grande mídia e as análises enviesadas, quebrando um pouco a pauta do BTG.

  10. Não é Lula que está ensimesmado…é a sua compreensão sobre si mesmo que ruiu…é o tempo, a inevitabilidade da idade, talvez somada com a percepção que seu modelo de acordo Tigre com Galinha não funciona, e de certo, em lugar algum, nunca funcionará…

    Dar bolsa família, tentar esses modelos parakeynesianos, ou protokeynesianos não deu certo…

    Lula sabe disso…

    Não há qualquer chance para o capitalismo, que afunda no mar do rentismo, muito menos para o de periferia…

    Não há espaço para inserção neste tabuleiro…a não ser pela força…e nós sabemos que um presidente que se entrega, mesmo inocente, não vai ter coragem nunca…

    Viva os que não se renderam…

  11. “Parece não se darem conta de que o hidra não morreu.” NÃO MORREU. ESTÁ MAIS VIVA DO QUE NUNCA. E é isso e somente isso que reduz Lula. As tentações de Cristo no deserto devem serem pinto para o drama que ora vive um democrata radical; uma bomba perene de esperança que ora se vê desprovido dela ou com a sua no limite. “O diabo” o está acuando. Eu já esperava isso. E tenho certeza que o próprio Lula e aqueles que o auxilia. MAS A NOITE SÓ ESCURECE ATÁ MEIA NOITE.

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