As diversas formas de fazer negócio com o Estado, por Luís Nassif

O país nas mãos de golpes financeiros, dos mais toscos aos sofisticados. E órgãos de controle sem inteligência financeira e vontade de apurar

No auge do lavajatismo, a brava Controladoria Geral da União (CGU) resolveu investigar o currículo de um curso preparado pela Universidade Federal do ABC para trabalhadores sem-terra – atendendo a uma demanda do INCRA (Instituto Nacional de Reforma Agrária). Exigiu analisar o material pedagógico, como se tivesse conhecimento para tal.

No recente caso da Fiocruz, decidiu investir contra a instituição por não concordar com os métodos de levantamento sobre o crack, exigindo a verba de volta. Maior instituição de saúde pública do país, a Fiocruz constatou que não havia epidemia de crack – desmentindo pesquisas anteriores. Com isso, desarmava argumentos de quem pretendia irrigar as comunidades terapêuticas com verbas públicas.

No entanto, nada se sabe da CGU a respeito do mais novo escândalo da praça. O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) vendeu ações que detinha da Petrobras. No momento seguinte, a Petrobras procedeu à maior distribuição de dividendos da história. Sem contar o valor dos papéis, apenas os dividendos pagos às ações do banco – agora em mãos de terceiros – era maior do que o que o banco apurou na venda.

É evidente que houve uma jogada de cartas marcadas por quem tinha o controle no BNDES e na Petrobras.

Esse tipo de jogada é antiga. No governo Itamar Franco, fui procurado por um assessor de Ministro para explicar a razão do BNDES abrir um fundo com ações de Telebrás e colocá-lo no mercado. Disse que havia uma grande expectativa de valorização dos papéis. Assim, dando liquidez a uma parcela menor, ele valorizava todo seu portfolio. Pouco tempos depois, todas as ações foram vendidas para o banco Bozzano Simonsen. E o funcionário – que depois ocuparia altos cargos na Eletrobras – saiu para trabalhar no banco.

Se a CGU quiser, efetivamente, ser uma instituição séria, tem que apurar a cadeia de comando que levou à venda das ações da Petrobras pelo BNDES.

Mas não apenas isso. O grande ativo público, hoje em dia, são grandes bases de dados públicas. Nos últimos anos houve um acesso desenfreado de grandes bigdatas a essas bases, sem nenhum controle por parte de órgãos como a CGU e os Tribunais de Conta.

A Prefeitura de São Paulo, por exemplo, organizou uma licitação da Zona Azul de cartas marcadas – beneficiando a Estapar, do grupo BTG. Incluiu nos cálculos de outorga apenas o faturamento esperado na venda de estacionamento. Deixou de fora o acesso a 3,5 milhões de cartões de crédito – com a possibilidade de casar cartão com comércio no local de estacionamento. Técnicos do Tribunal de Contas do Município mostraram a discrepância. O presidente do TCM, indicado pelo PT, concordou com os técnicos e, depois, surpreendentemente, voltou atrás.

Denunciei aqui. Uma procuradora correta abriu um procedimento. O único resultado desse jogo foi um enorme processo aberto pelo BTG contra o GGN.

Antes disso, na gestão João Dória Jr, a prefeitura entregou à empresa Neoway o controle de toda a folha de pagamentos do município. E Doria ainda inverteu o sentido da doação: não era a Prefeitura passando dados pessoas de funcionários à Neoway, mas a empresa “ajudando” a organizar a base de dados. Ainda passou por benemérita.

Depois, o estado de São Paulo contratou a empresa Neoway. Tempos depois, fabricantes independentes de guaraná alegaram que a empresa estaria sendo utilizada para guerras comerciais.

Contratado pela empresa para uma palestra, o procurador Deltan Dallagnol chegou a fazer um comercial sobre seus produtos e a sugerir que todas as forças tarefas passassem a utilizar sistemas Neoway.

Tempos depois, o presidente da empresa foi denunciado por suborno na Petrobras e em Santa Catarina e afastado da empresa pelos sócios americanos.

A história desses golpes é mais antiga. No seu último mês de governo, José Serra entregou à Serasa-Experian todo o Cadin (cadastro de devedores) do estado. Meses depois, a Experian adquiriu de Verônica Serra um site de envio de e-mails, por valores imensamente superiores aos valores de mercado.

Há golpes muito mais recentes, como a venda da carteira de devedores do Banco do Brasil ao BTG, sem análise de preços no mercado. Ou o golpes dos precatórios. Paulo Guedes resolve dar um calote monumental a donos de precatórios – na maioria pessoas simples, com dívidas de alimentação. Com o calote, e o desespero, os donos originais vão ao mercado e vendem por uma bagatela, sendo adquiridos por grandes fundos de investimento. Passa algum tempo e sai outra medida provisória permitindo pagamento de concessões com precatórios.

Sem contar, no início da pandemia, o Banco Central adquirindo carteiras de recebíveis de grandes bancos, sem nenhuma transparência.

Enfim, é um país nas mãos de golpes financeiros, dos mais toscos aos mais sofisticados. E com órgãos de controle sem inteligência financeira e sem vontade de apurar a fundo essas jogadas.

Luis Nassif

3 Comentários

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  1. Nunca foi diferente disso no Brasil, essa é a história do país: saquear o Estado. Há um livro extraordinário do meu velho professsor de História do Brasil na USP, Edgard Carone, A República Velha, em que ele narra um caso de 1904, quando toda a arrecadação de impostos do estado de Pernambuco daquele ano foi roubada da sede da coletoria em Recife, por funcionários e políticos. Foi aberta uma sindicância para apurar, mas jamais foi concluída, foi encerrada por ordem do Presidente da República, Rodrigues Alves, que foi ameaçado de rebelião na Câmara pela bancada pernambucana. Não se falou mais nisso.

  2. *”O grande ativo público, hoje em dia, são grandes bases de dados públicas. Nos últimos anos houve um acesso desenfreado de grandes bigdatas a essas bases, sem nenhum controle por parte de órgãos como a CGU e os Tribunais de Conta.”*
    O que passei a receber de e-mails de operadores financeiros, no varejo, obviamente, depois que as milícias foram introduzidas no controle desses dados… é inacreditável. De empréstimos cheios de vantagens a até venda de ações, passou a rolar de tudo. Desisti de buscar segurança convencional. Voltei ao “debaixo do colchão”. Clima de total de insegurança.

  3. Tudo isso é causado pelo alto grau de impunidade no País. Essa impunidade acaba sendo usada quando surgem os justiceiros, que se aproveitam da situação de impunidade ganhando apoio da população para fazer média. Conquistam a chamada “opinião pública” atropelando o que tiver pela frente, se apoiando justamente na sabida impunidade. Esses negócios obscuros acontecem porque não existe a responsabilização efetiva dos envolvidos. Quem sempre perde é o País, que não consegue praticar igualdade e faz de uns melhores que outros. Esse cruzamento do público com o privado sem um bom distanciamento acaba sendo negativo, pois traz danos coletivos que corroem as Instituições e atrasam os avanços do País.

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