É hora de uma política pública digital, por Luís Nassif

A Internet será um fator de democratização quando houver equilíbrio digital entre todos os integrantes da sociedade.

Em artigo na Folha, “A luta por bens públicos digitais”, Ronaldo Lemos levanta um ângulo essencial para a questão tecnológica. Argumenta que as grandes invenções saíram da área pública e foram sendo apropriadas por grupos privados, que se tornaram big techs, com um poder avassalador sobre o mundo.

Diz ele:

“Manter a saúde dos bens de uso público, impedindo sua captura ou destruição, é fundamental. Foi exatamente o que mostrou a ganhadora do prêmio Nobel de economia, Elinor Ostrom, cujo trabalho foi dedicado aos “commons”. O mesmo raciocínio vale para o digital. É preciso preservar o equilíbrio entre o privado e os bens digitais públicos”.

Nos últimos anos, porém, as big techs avançaram sobre espaços e serviços que eram comuns. E as empresas de inteligência artificial “estão se fechando, apesar de curiosamente usarem como matéria-primeira para treinar seus modelos os dados que estão abertos na internet”.

Menciona, depois, a reação de alguns países, como a Índia, que montou um sistema de bens públicos digitais e serviços públicos baseados em modelos livres e abertos, conectado pela identidade digital.

É curioso! No início dos anos 2.000 participei de um evento da Microsoft, onde foi apresentado um modelo do governo inglês, de integração de todos os serviços públicos em um único portal – desde agendamento de consultas médicas à retirada de passaportes.

Quando a Secom, sob o comando de Franklin Martins, decidiu investir R$ 1,5 milhão no tal Portal Brasil (R$ 4 milhões a valores de hoje), julguei que, pelo montante aportado, estaria seguindo o modelo inglês. Mas era apenas um portal jornalístico contratado de uma empresa sem tradição tecnológica.

Lembro-me, no início de 2013, sugerindo à então presidente Dilma Rousseff, a montagem de uma rede social pública, que permitisse recolher sugestões do público, escapando da que se prenunciava feroz polarização das redes sociais privadas. O argumento que usei foi que, no governo Dilma, o Brasil tinha adotado posições pioneiras na regulamentação dos dados e Dilma havia sido alvo de espionagem americana. Ela chegou a incumbir um assessor qualificado para montar  a rede, mas o projeto se perdeu no caos dos últimos anos de governo.

Lemos, dá exemplos de como o setor público brasileiro, ultimamente, conseguiu avançar em várias áreas essenciais, como o Pix, a assinatura digital pelo gov.br. Mas não basta. Em cidades como Araquarara e Poços de Caldas surgiram aplicativos de automóveis, similares ao Uber, que deram autonomia aos taxistas locais.

No final do governo Lula 2, técnicos do Ministério do Planejamento chegaram a desenvolver um modelo de orçamento participativo usando a Internet. Não foi adiante.

Obviamente não caberá ao governo avançar em todos os serviços. Nem se deve confundir serviços públicos com serviços do Estado. Mas uma experiência promissora poderia ser a organização de um programa visando dotar a sociedade civil de ferramentas para montar seus próprios serviços.

Em 2004, o MInistério da Cultura lançou um programa revolucionário, o Pontos de Cultura, uma criação de Célio Turino, destinado a fornecer equipamentos de audioovisual para espaços comunitártios, dando visibilidade para expressões cultrurais das mais diversas. O programa foi premiado pela Unesco em 2012, como uma das melhores práticas de políticas culturais no mundo.

Onde esbarrou? Na burocracia, na prestação de contas, exigindo de comunidades afastadas um detalhamento que não estava à altura de sua competência.

A Internet será um fator de democratização quando houver equilíbrio digital entre todos os integrantes da sociedade. É papel das políticas públicas perseguir essa isonomia e regulamentar as bic tecs.

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Luis Nassif

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