O desafio de recuperar a engenharia nacional, por Luis Nassif

A volta das empreiteiras ao mercado viabilizaria grandes obras de infraestrutura, contribuindo para a recuperação dos investimentos

Uma das grandes saídas para a recuperação da economia será a retomada das grandes obras públicas. Mas esbarra-se em um problema criado pela Lava Jato. A operação foi peça de uma guerra comercial, destinada a tirar do mercado nacional e internacional as maiores empreiteiras brasileiras – a parte mais competitiva e internacionalizada da economia, ao lado do agronegócio.

Em qualquer país civilizado, especialmente após a tragédia da Anderson Consulting – destruída nos Estados Unidos pelos precursores da Lava Jato – haveria o seguinte tratamento à corrupção:

  1. Apuração dos ilícitos e punição aos controladores e dirigentes diretamente envolvidos com a corrupção.
  2. Aplicação de multas pesadas aos culpados.
  3. Tenho recursos, eles pagariam as multas. Não tendo, venderiam parte ou a totalidade do capital da empresa e pagariam a multa. Mas a empresa seria preservada em outras mãos.

Por aqui, quando se começou a pensar nessa possibilidade, uma declaração do então procurador Carlos Fernando de Santos Lima liquidou a questão. Disse ele que essa possibilidade era factível nos Estados Unidos, com maioria das grandes empresas de capital aberto; não no Brasil, com empresas familiares. Uma tolice sem par, como se empresas familiares não pudessem abrir capital ou serem vendidas.

Mas o argumento encontrou solo fértil na ignorância abissal da mídia. E ser contra o argumento significaria fazer o jogo da corrupção. Aplicou-se, então, uma fórmula mortal: grandes multas sobre as empresas e sua inabilitação para obras públicas, o único mercado para as grandes empreiteiras. O resultado foi o desmanche das equipes de engenheiros, o fechamento de algumas delas e a incapacidade óbvia de outras de obter projetos para quitar as multas.

É em cima desse quadro que a advogada Virginia Nasser Mesquita tem desenvolvido suas teses. Ontem, ela foi entrevistada no programa “TV GGN 20 horas”.

Sua tese básica é que as grandes empreiteiras precisam ser recuperadas. Sua participação nas licitações será fundamental para desenvolver competição, baixar preços e viabilizar o pagamento das multas aplicadas. E recuperar sua excelência técnica.

Esse é o princípio básico, que comporta inúmeras possibilidades.

O primeiro ponto é a discussão do controle das empresas, preservar a sobrevivência das empresas, mas não necessariamente o controle dos proprietários.

Há inúmeras fórmulas para que isso ocorra. Pode-se induzi-las a abrir capital e vender a parcela necessária para amenizar o custo da dívida; ou vender a própria empresa. Ou ainda induzi-las a processos de fusão e incorporação.

Uma possibilidade seria discutir o modelo alemão, e trazer as grandes centrais sindicais para participar minoritariamente do capital das empresas, inaugurando um campo profícuo para o pacto capital-trabalho. Esse modelo poderia ser aplicado convertendo parte das multas em capital, criando fundos sociais – a exemplo do Plano K, apresentado no governo Collor e jamais implementado -, cujas cotas seriam repassadas para trabalhadores, centrais sindicais e pessoas físicas. Na época, a autoria do Plano K foi de Paulo Rabello de Castro, um economista com imenso estoque de ideias criativas.

Outra possibilidade seria a securitização dos passivos das empresas e a constituição de um grande fundo que poderia colocar as cotas no mercado. O dinheiro arrecadado seria aplicado em obras paradas, gerando receitas que remunerariam os titulares das cotas.

Seja qual for o caminho, o importante é garantir a volta das empreiteiras ao mercado, viabilizando as grandes obras de infra-estrutura e contribuindo para a recuperação dos investimentos na economia.

Luis Nassif

9 Comentários

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  1. Apurar ilicito e punir , parece simples mas os caras se entranham na política , mídia e judiciário e fica difícil punir. A parte de pulverizar controle é interessante. Mas bom ver alguém discutindo isto.

  2. A grande obra da Lava Jato foi destruir as construtoras brasileiras abrindo caminho para o golpe de estado de 2016 mediante um Impeachment fraudulento sem crime de responsabilidade.

    A obra prima dos desgovernos neolinerais pós-golpe foi esvaziar e mutilar a Constituição Cidad pavimentando o caminho para a financeirização da economia que garante tanto a transferência de riqueza nacional para os EUA quanto a precarização do trabalho e o rebaixamento do padrão de vida de dezenas de milhões de cidadãos no Brasil.

    O desmantelamento do SUS garantirá o sucesso do Programa Mais Mortes. Como disse numa petição protocolada recentemente na ADPF 501, em trâmite perante o STF:

    “O mesmo STF que cancela uma súmula que do TST que dissuadia economicamente os empregadores de não dar férias aos seus empregados anos a fio não é capaz de proibir os juízes de receber 60 dias de férias todo ano e de ganhar salários acima do teto.

    É evidente que o Brasil não precisa ser redemocratizado. Ele precisa ser destruído para que o Estado possa ser desmantelado de cima a baixo, a começar pelas instituições do Sistema de Injustiça. Bolsonaro é imbecil, insano, brutal, genocida, autoritário e provavelmente ladrão. Mas ele
    fará um grande favor ao país se der um golpe de estado provocando a guerra civil que os idiotas querem impedir. Quando sairmos do furacão esgotados de tanto matar uns aos outros e de destruir tudo que existe de valioso no país nem mesmo os juízes poderão dizer que ficaram ilesos ou ousarão exigir o que quer que seja.

    A presente manifestação não tem nenhuma finalidade processual. Ela é apenas um registro do inconformismo de um advogado inscrito na OAB desde 1990 e que está cansado das patifarias que o STF tem praticado em detrimento dos empregados. Porque vocês não tem a decência de declarar inconstitucional a Lei Áurea e solenemente declarar que o regime de trabalho escravo é compatível com a Constituição Federal?”

    Referida petição foi enviada para o gabinete do Ministro Alexandre de Moraes. Em breve a PF estará batendo novamente na minha porta, pois não temos mais nem mesmo o direito de criticar os vagaundos de toga que transformaram o país no paraíso dos Juízes e militares e no inferno de todos os cidadãos pobres e miseráveis.

  3. Empreiteiras existem,mesmo porque a grande maioria das grandes obras são concorrências internacionais.
    Em São Paulo, para ficar em um exemplo conhecido pela maioria,está em execução uma quantidade de grandes obras como metrô, monotrilho,contorno viário de Caraguatatuba e futuramente, quem sabe,talvez,, o término do último trecho do Rodoanel ,para ficar nessas maiores. Algumas tocadas pela espanhola Acciona,outras pela Queiroz Galvão.
    Recuperar as empresas é importante? Sim! Agora,o fundamental é viabilizar os recursos ou a forma de financiamento dessas grandes obras.
    Neste sentido, olhar para o que a China realizou nos últimos 20 anos parece um caminho a ser observado.
    O Brasil não pode mais perder tempo e dinheiro com obras paradas ou realizadas a passo de tartaruga que,quando são inauguradas já encontram-se obsoletas ou saturadas.

  4. E o que é Economia Nacional? É possível reconstruir algo que nunca existiu? Desde 1822 não existe Economia Nacional. E o que é pior, ainda será possível, em 2022, Era da Finança e do Algoritmo, construir uma Economia Nacional, abaixo da linha do Equador, sem capital, sem patentes, somente com recursos naturais?
    O Trabalho, um dos fatores da equação que construiu a última Economia Nacional digna desse nome, a dos EUA, está passando por transformações irreversíveis na Era da Finança e do Algoritmo, e quanto à sua valorização, já é um fator de menor relevo e importância na Economia Nacional da China. E é nossa única alternativa para criar essa tal Economia Nacional – no agro e no extrativismo mineral. Estamos desindustrializados, e por imposição dos países industrializados. A nossa industrialização é ruim para esses últimos, que,. evidentemente, não permitirão que usemos métodos consagrados de prosperar. Simples questão de aritmética e logística, afinal não é bom ganhar concorrentes e perder mercados, portanto é preciso apenas continuar fornecendo matérias-primas, e não transformá-las nós mesmos. E esses setores seguem por aí, produzindo em Real e faturando em Dólar, e diminuindo a oferta para o mercado interno e jogando os preços lá prá cima.
    Esses são os verdadeiros ciclos da Economia: governos progressistas, aumento da produção e do salário, inflação, diminuição do fluxo de capitais para o sistema financeiro; derrubada de governos progressistas (ou, pelo menos, seu asfixiamento), desindustrialização, exportação a preço de banana de commodities e matérias-primas, capitais jorrando para o sistema financeiro. Ou eu estou falando bobagem? Argentina, Chile, a masmorra de Curitiba.
    E o interesse primordial por trás desse ciclo da Economia não é nacional, não é nativo, é estrangeiro; por aqui, só lacaios e acólitos.

  5. “ignorância abissal da mídia”… ignorância da mídia? ora! educada avaliação.
    na constituição, nos fundamentos, no DNA, da mídia brasileira, encontram-se o ponto magnético que a norteia.

  6. A principal destruição que está acontecendo no País é a destruição institucional dos Poderes, sua contínua desmoralização. Sendo o ESTADO/SOCIEDADE o abrigador e garantidor de direitos e obrigações da sociedade Constitucional, teoricamente um Estado de Direito; como instituições sem a menor credibilidade podem exercer suas atribuições. Seja interna ou externamente, fisicamente é existente, mas não apresenta as condições de oferecer segurança jurídica de fato. A operação “Lava Jato” e a variedade de processos que correram em outros países para oferecer aos cidadãos desses, a “proteção” do seu direito mostra a desconsideração do País como efetivamente capaz de exercer sua própria soberania. Tudo isso compromete a recuperação do Brasil. As instituições se atropelam em relação aos seus próprios direitos e deveres, não se respeitando no que tange à razão de ser de cada uma. Um ESTADO que não consegue dar garantias a si mesmo, de que forma fará isso em relação a outros. Poucos países teriam acabado com suas empresas provocando as perdas em cascata como ocorreu com essas construtoras. Todo o know-how acumulado deixado sem rumo, além de não permitir a evolução técnica das companhias e seus profissionais. O País precisa se recuperar como Nação capaz de conduzir seu próprio destino. Ter uma estrutura de País e não apenas retomar os investimentos privados e em infraestrutura. Priorizar o Brasil acima de outros interesses e desenvolver social e economicamente o País.

  7. Grande Nassif, sempre na vanguarda. Estou neste exato momento escrevendo um artigo – já tenho os resultados do modelo, analisando a eficiência intersetorial até 2020. Resultados: predominância do mercado interno e papel central das estatais(Petrobras e Eletrobras) para puxar a demanda efetiva e aumento o nível de eficiência produtiva e ineficácia, bem como ineficiência da política de empréstimos na forma praticada pelo BNDES.

  8. Sejamos direto: a mídia “brasileira” começou em Londres, financiada pelos banqueiros londrinos. E, salvo raríssimas exceções assim permanece 200 anos depois do “empréstimo libertador”. Quanto ao ressurgimento da engenharia nacional… tem que combinar com o Departamento de Estado americano, com as Halliburtons da vida e com com a legião de puxa-sacos locais

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