As nuvens que se movem nos céus de Brasília, por Sergio Saraiva

A esta altura, é certo que os donos do poder novamente se puseram em acordo e o futuro próximo do país está novamente pactuado entre eles. Apenas não sabemos os termos desse acordo.

céus de Brasília

Por Sérgio Saraiva

“A política é como nuvem. Você olha e ela está de um jeito. Você olha de novo e ela já mudou”.

Não nos enganemos, as nuvens dançam segundo o que lhes impõem as massas de ar invisíveis e poderosas. Elas determinam a dança aparentemente incompreensível das nuvens. Sistemas dinâmicos que se perturbam e se reacomodam. E quando se reacomodam, mantém o mesmo poder, mas as condições são sempre diferentes, então.

Temer, Janot, FHC, Gilmar Mendes e Lula. Nuvens todos eles.

Para sabermos que as massas de ar se movimentaram, produziram perturbações no seu equilíbrio interno e se rearranjaram, basta ver os últimos movimentos das nuvens.

A dança da Lava-Jato é um bom sinal para acompanharmos como se movem os donos do poder. Ela era totalmente previsível. Tinha objetivos claros: no campo interno, inviabilizar o PT e prender Lula e assim restabelecer no poder o ideário neoliberal. No campo externo, favorecer os interesses norte-americanos; da geopolítica ao pré-sal e o programa nuclear brasileiro. Além de destruir a capacidade de atuação internacional das grandes empresas de engenharia pesada nacional.

As denúncias do Odebrecht envolvendo políticos de todos os partidos devem ser entendidas menos como uma perturbação do que como um movimento audacioso, mas necessário: ”O leopardo da Odebrecht”. Criar o clima de comoção necessário para a prisão de Lula. Depois, Careca, Santo e Mineirinho, como realmente aconteceu, se perderiam nas brumas dos tempos de tramitação do STF.

Mesmo o passamento do ministro Zavascki – quem ainda se lembra? – com todo o seu potencial para especulações e teorias da conspiração, foi rapidamente contornado, ”Um elogio a Cármen Lúcia”.

Então ocorre o abalo.

A denúncia de Joesley Batista. Joesley é um outsider poderosíssimo da política nacional. Mas um outsider em essência. Não pertence ao Brasil tradicional que se estende pelos litorais do Rio Grande do Sul ao Maranhão. Vem do Brasil Novo que nasce com a riqueza do centro-oeste.

Para que não reste dúvidas do quanto a política brasileira é hereditária e estamental, basta um detalhe da vida de João Doria, prefeito de São Paulo e considerado como uma “novidade” na política: seus antepassados chegaram ao Brasil em 1549, na esquadra que trouxe a Salvador o primeiro governador geral, Tomé de Souza. Faça o mesmo exercício com Collor ou FHC, ou até Luciano Huck, os resultados serão os mesmos.

Joesley é filho de José Batista Sobrinho – o JBS. Desconhecido de tal modo que julgavam ser ele, na verdade, filho de Lula.

É em torno dessa nuvem vinda de outros ares– mais a do PGR, Rodrigo Janot e a do ministro Fachin – que se dá o movimento dessincrônico de uma das massas de ar que regulam a política brasileira – de um dos donos do poder cujo rosto visível é representado pela Rede Globo. O que o motivou não se sabe, mas massas de ar desse tamanho movem-se por interesses da mesma magnitude.

Tal movimento levou a um racha no monolítico pensamento único da mídia mainstream nacional. As famílias Frias, Saad e Mesquita de um lado e a família Marinho do outro. À esta última, parece ter se alinhado a família Civita.

Dissenções entre famílias, seja na imprensa nacional, seja no coronelato político ou seja na Máfia ou no Jogo de Bicho, são momentos raros de conflitos de interesses e disputa pelo espaço e pelo poder. Exigem um acordo em novas bases ou a destruição mútua.

O que estava em jogo, não saberemos tão facilmente, mas uma coisa é certa, o acordo em novas bases se deu.

Vamos agora observar as nuvens.

José Dirceu está livre, ainda que em prisão domiciliar, Vaccari inocentado e Dilma conservou seus direitos políticos no TSE. O habeas corpus de Palocci será julgado em plenário no STF. Por enquanto, está condenado por Moro – o que hoje já começa a significar pouco – e sua delação premiada, que envolvia grandes grupos econômicos e de mídia – rebarbada. O destino de Palocci é um movimento de nuvem a ser acompanhado com cuidado.

No meio do burburinho da denúncia de Temer no STF, passou aparentemente sem a repercussão devida um editorial da Folha, de 26 de junho de 2017, que me causou espécie: “Sem juízo-final”. Trata do julgamento de Lula por Moro no “Caso do Tríplex”.

Lá pelas tantas, diz o editorial:

“Não há como prever o resultado desse processo, que, na hipótese condenatória, conhece ainda amplo caminho para recursos judiciais. Seria interessante, de resto, verificar qual a reação dos partidários de Lula –sempre veementes ao atribuir parcialidade a Moro– na eventualidade de o magistrado decidir-se por sua absolvição.

Neste último aspecto [o amplo caminho para recursos judiciais], deve ser lembrado que mesmo se condenado agora, ou em algum outro processo de que é alvo, Lula dificilmente estará impedido de candidatar-se à Presidência da República nas eleições de 2018”.

Tal editorial é da véspera do posicionamento do TRF da 4ª Região – que decide em 2ª instância os casos julgados por Moro – de se posicionar pela revisão de condenações apoiadas apenas em delações. Significativo.

No campo oposto, o ministro Fux muda seu entendimento e vota pela libertação de Andrea Neves – irmã de Aécio Neves – e de seu primo. O ministro Fachin – ele outra vez – muda sua decisão e liberta Loures – o homem da mala de Temer. E o ministro Marco Aurélio de Mello – devolve o mandato do próprio Aécio, sem se abster da ironia ao reconhecer no senador do PSDB um “chefe de família, com carreira política elogiável”.

Mover na mesma direção três nuvens grandes como são as dos ministros do Supremo é coisa para poderosas massas de ar.

O acordo está feito. E envolveu Janot. A indicação de Raquel Dodge como a futura Procuradora Geral da República – sua adversária no MPF e segunda colocada na lista tríplice, tida como sagrada até ontem – e o enquadramento dos procuradores da Lava-Jato sem maiores vendavais – tendo a Globo por apoio – só se dá porque faz parte do acordo. Lembrando que Raquel Dodge foi indicada, mas sua nomeação ainda carece da aprovação do Senado. E esse é outro movimento de nuvem a ser acompanhado. Basta lembrar do que foi a aprovação de Edson Fachin.

O acordo trouxe concessões dos dois lados.

Resta a nuvem escura de Michel Temer.

Seu giro internacional foi um erro político de dimensões intercontinentais – para não perder o trocadilho – foi simplesmente rejeitado ostensivamente. Sua retirada do poder está precificada pelos investidores internacionais e avalizada pelos governos estrangeiros.

Na política interna, FHC é uma biruta de aeroporto – mas quando se posiciona como o fez na Folha com seu ”apelo ao bom senso, é porque os ventos passaram a soprar em uma mesma direção. E, nesse caso, a nuvem de Temer se esfumaça.

“A política é como nuvem. Você olha e ela está de um jeito. Você olha de novo e ela já mudou”.

Entramos em recesso. Férias escolares, as ruas das capitais mais vazias de trânsito e as manifestações esvaziadas. O Congresso e a Justiça – que no momento atual, são quase que uma simbiose predatória – estão parados. Mas as nuvens se movimentam em céu calmo. Movimentam-se agora lentamente, depois do ventania. Movimentam-se, contudo.

A denúncia contra Temer está na Câmara – aguardemos agosto. O simbólico e fatídico agosto da política nacional. Até lá, observemos as nuvens.

Porque, a esta altura, é certo que os donos do poder novamente se puseram em acordo e o futuro próximo do país está novamente pactuado entre eles. Apenas não sabemos os termos desse acordo.

PS1: com a partida no intervalo, a Folha retomou se placar macabro da deposição de presidentes. No momento, Temer perde de  45 a 130.

PS 2: Oficina de Concertos Gerais e Poesia – olhando as nuvens mesmo ao custo de ter de pagar à pedra as unhas dos dedos dos pés.

Redação

8 Comentários

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  1. Erra completamente quem

    Erra completamente quem entende que a Lava Jato nasceu para inviabilizar o PT, como diz o articulista.

    Nunca foi esse o objetivo, o PT não é o centro de tudo. A cruzada moralista visa o modelo politico e seus personagens como um todo, o PT foi apenas o primeiro alvo porque era o partido do poder naquele momento mas nunca foi o alvo central.

    Na Italia a operação Maos Limpas, modelo da Lava Jato, tinha como objetivo a POLITICA ITALIANA, todos os partidos e não só a Democracia Cristã, partido no poder. Não sobrou nenhum partido, todos foram destruidos, abrindo caminho para um novo modelo, bem pior e mais artificial que o anterior, que pelo menos tinha raiz historica e logica politica.

    No Brasil o roteiro pode não se repetir, o Brasil é diferente da Italia e a correlação de forças é outra.

    1. A história repete-se como farsa

      A operação mãos limpas é apenas pano de fundo. A elevação dos delegados, dos procuradores e do juiz da lava a jato a paladinos da decência e da moralidade, pela grande imprensa, foi o combustível para a fogueira onde arderiam todos os indesejáveis na formação de um país livre de direitos. Caso a lava a jato não visasse o PT e seus aliados como explicar as justificativas do procurador Dallagnol sobre a inimputabilidade do PSDB? Existem vários vídeos na internet, basta pesquisar no Google.

      1. Curitiba é apenas parte do

        Curitiba é apenas parte do processo. Há outras, a delação JBS vem de outro nucleo e atingiu o PSDB.

        Outros partidos foram atingidos alem do PT, espcialmente o PMDB, o PP, o PSD e outros.

        1. Como eu disse antes…

          … o PP entra como aliado direto do PT, tendo em vista que como legenda de aluguel é descartável, assim como o setor mais fisiológico do PMDB. A lava jata só atingiu, e fora da república de Curitiba, adversários do PT quase três anos após o seu início, embora muitas delações citassem membros do PSDB há mais de dois anos. No entanto, quantos inquéritos foram abertos para a apuração dessas denúncias feita à força-tarefa do MPF?

          Uma constante nas declarações das autoridades que conduzem o processo é que o PT disseminou e institucionalizou a corrupção, parecendo até que antes era restrita e de pouca monta… até parece que desconheces as declarações do procurador barbicha e do deusllagnol, para limitar aos dois… recentemente, coisa de poucos meses, veio a público a existência das contas do caixa dois das campanhas tucanas na Suíca, como tem passado o tesoureiro do PSDB?

  2. Temer, Janot, FHC, Gilmar Mendes e Lula. Nuvens todos eles.

    Temer, Janot, FHC, Gilmar Mendes, Lula e AÉCIO. O “minerim” Aécio Neves tem mais poder do que sonham os pobres mortais, infelizmente.

  3. As nuvens que se movem nos céus de Brasília, por Sergio Saraiva

    Que os objetivos primeiros da lavajato é a destruição de Lula/PT e apoiadores é de difícil rejeição.

    Basta ver as diversas afrontas ao marco legal perpetradas pela República de Curitiba.

    Todos os petistas foram presos “preventivamente” por largos períodos.

    O “delator particular” da lavajato, residente e domiciliado em São Paulo, foi transferido para Londrina via “tunel do tempo” lavajatista, ao que apareceu na internet.

    Mais uma escândalo curitibano.

    Delações que envolveram as aves de bico grande nunca vieram ao caso.

    Teorias foram reformadas para pegar apenas petistas – alguma verossemelhança com a AP470 ?

    Criminalizaram até a compra dos Grippen.

    Dizimaram a indústria de construção de grandes obras.

    Tudo com a mãe de todas: a Petrobrás que tem sido predada para satisfação do distinto público externo.

    As frequentes viagens de integrantes do “grupo” aos EUA e as “gentilezas” de serviços americanos – escândalo – denotam a origem e interesses assumidos pelo – pode-se dizer “aparelho” ?

    Dizer que eram os da vez por serem da situação é forçar um “explanacionismo” a indultar a extensa folha corrida da tucanagem graúda.

     

     

     

  4. O pós golpe

    O PT transformou-se num partido que mal pode ser enquadrado como reformista. O Lula nada tem de revolucionário, como nunca teve, sempre foi um conciliador. Mesmo assim, como todos vivenciaram, a partir de 2014 tornou-se o objetivo da grande maioria dos detentores do poder de fato a exclusão da dupla da vida política.   

    A Rede Gloebbels, as demais famílias que formam a máfia da notícia, os líderes políticos do empresariado e as viúvas da guerra fria formaram uma aliança para suprimirem qualquer grupo em condição de impedir o aceleramento das ditas reformas modernizantes. As doses homeopáticas administradas ao povo durante o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, mesmo trocadas pela alopatia do Dr. Levy, após a reeleição, demonstraram-se muito aquém das exigências do Deus Mercado.   

    Os direitos previdenciários e trabalhistas, o nacionalismo mínimo nos setores estratégicos e a resistência a adesão sem salvaguardas aos acordos econômicos transnacionais eram os maiores entraves a inserção total do Brasil nos acordos comerciais de interesse de Washington (não contavam com a mudança no cenário internacional com eleição do Trump, que trocou a diplomacia dos Naftas e TPPs pelo velho porrete).  

    Os 4 ou 5 milhões de bonecos amarelos CBF que reuniram nas ruas pela derrubada da presidente Dilma Rousseff, e paneleiros nas horas vagas, foram apenas o verniz para dar aparência de “movimento popular espontâneo” no combate à corrupção. Como comprova o sumiço desses defensores da honestidade na política, mesmo com o Palácio do Planalto infestado por ratazanas.  

    A resistência da Dilma Rousseff em abandonar o cargo, mais de um ano e meio entre o início do golpe e a sua consumação no impedimento, proporcionou a manifestação da dinâmica da História. Novas investigações e o avanço de operações em andamento romperam os limites do círculo estabelecido no início. As marés levaram à praia os detritos dos que seriam os beneficiários diretos da derrocada e inabilitação da esquerda democrática burguesa.

    Nós últimos vinte e cinco anos o eixo da política no Brasil teve em polos opostos o PT e o PSDB, o objetivo era alterar esta correlação. Manter o PSDB e elevar à oposição oficial grupos ainda mais liberais economicamente. 

    Os abusos e arbitrariedades cometidos contra os indesejáveis petistas saíram de controle. A inflexão foi com a queda de um dos mais protegidos e queridos do establishment, o senador Aécio Neves. Isto abriria a porteira para que outros dignatários tucanos também fossem tragados. Então, o que antes era incentivado e aplaudido pela mídia corporativa e toda a sua claque de idiotizados tornou-se tóxico aos interesses da Casa Grande.

    A anterior erosão da popularidade dos judicialmente intocáveis tucanos, a ascensão da extrema-direita, personificada no capitão Bolsonaro, e a resiliência do ex-presidente Lula, esboçando um confronto dos anos 1960 para a disputa presidencial de 2018 forçaram uma mudança de rumos.  Nada disto aparecia no horizonte quando da defenestração da presidente Dilma Rousseff, contavam com a disputa entre algum candidato do PSDB, em franco favoritismo, contra a musa do mogno Marina Silva.

    O administrador temporário da república, empossado pelos patrocinadores do golpe, tornou-se uma pedra para um grande acordo, tendo em vista as incertezas eleitorais e a grande possibilidade de vitória de um não alinhado. As dissensões no antes monolítico bloco dos controladores da mídia após as denúncias de corrupção envolvendo Michel Temer, são antes de tudo forçadas pela necessidade de sobrevivência dos mais fracos economicamente no grupo. Os que dependem de favores diários para fecharem o caixa fecharam com o ilegítimo presidente. Porém, com ele no poder é quase impossível venderem a idéia de um grande acordo de salvação nacional. Mantendo o presidencialismo, a prorrogação dos atuais mandato para 2020, ou a instauração do parlamentarismo a partir das eleições de 2018.   

    O ímpeto da família Marinho para a derrubada de Temer nada tem a ver com o desejo de uma política ética, mas sim viabilizar um tertius que se sobreponha à disputa entre uma nova eleição de Lula, graças as memórias dos que foram nos seus mandatos inseridos no mercado consumidor, ou a vitória de uma direita absolutamente tosca e imprevisível. É ditada pelo calendário, tendo em vista o tempo necessário para a consolidação da imagem do escolhido para a redenção da pátria, e posterior processo de aceitação e aprovação das mudanças constitucionais necessárias.   

    O aparente súbito retorno à legalidade por tribunais superiores é efeito do rompimento da ordem unida. O racha é mais aparente na imprensa, mas, estende-se por outros setores. Enquanto houver a possibilidade de entrega, pelo governo golpista das reformas exigidas pelos seus patrocinadores, não existe possibilidade de formação dentre eles de maioria contrária a sua permanência. Tudo isso se reflete no STF. Perdeu o norte do clamor popular estampado nas manchetes da grande imprensa.

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