Ato falho que revela um substrato do inconsciente, por J. Carlos de Assis

Aliança pelo Brasil

Ato falho que revela um substrato do inconsciente

por J. Carlos de Assis

Num artigo anterior escrevi que o STM usou Cunha até ele se tornar inútil para o impeachment de Dilma. Foi um ato falho. Quis dizer STF, que é senhor absoluto do tempo e dos destinos em seus processos, os quais julga de acordo com as conveniências e os interesses pessoais dos ministros. Entretanto, meu comentário talvez contivesse algum recado do inconsciente. Nessa zorra que se tornou a dança das instituições republicanas no Brasil, o que andam pensando os ministros militares de dentro e de fora do STM?

De vez em quando ouvimos uma opinião, aliás bastante sensata, do comandante do Exército, general Vilas Boas: é indiscutivelmente em defesa da institucionalidade e do cumprimento rigoroso da Constituição. Eu próprio ouvi de um general na ESG uma observação também sensata: “Meus amigos civis às vezes me provocam perguntando o que nós, militares, vamos fazer diante da crise. Eu respondo: e o que vocês, civis, fizeram?” Nada sugeriria, nesse contexto, uma intervenção militar. Mas vamos especular sobre contextos.

Temer dificilmente governará. Seu sistema de aliança, baseado em ministérios e cargos, revelará um governo de interesses escusos difíceis de conciliar. Ademais, como se trata de uma aliança oportunista, da qual se esperará render frutos sobretudo a curto prazo, tenderá a rápida fragmentação sob a pressão do mundo real. Sim, porque a economia continuará se contraindo e a taxa de desemprego explodindo, apresentando ao ex-deputado, sem qualquer experiência administrativa, os desafios do mundo real.

Sindicatos e movimentos sociais não darão trégua a Temer. Recorde-se que, mesmo considerando Dilma sua presidenta, eles começaram a escalar nas cobranças ao governo petista no ano passado, sobretudo quando se insurgiram contra a aberração do pacote de Joaquim Levy. Agora, não há nenhuma relação de lealdade da maior parte do povo com o governo Temer. Ele terá de encarar uma proporção majoritária da sociedade em demandas imediatas, que se confrontam com as políticas propostas por futuros ministros já conhecidos.

Não me surpreenderá se Temer cair em seis meses. Empossado Renan, também ele sem experiência administrativa, nada indica que sobreviverá mais que algumas semanas sob a forte pressão política e social. Então vem Lewandowski para comandar uma eleição presidencial para cumprimento do mandato de Dilma (se a crise se der ainda este ano). Entraremos provavelmente numa convulsão, pois a derrubada de Dilma por golpistas não seria completa se Lula fosse deixado solto para disputar a eleição, agora ou em 2018.

Ainda assim tudo estaria dentro da institucionalidade. Um evento adicional seria levar a eleição presidencial para o próximo ano na esperança de que, sempre tirando Lula do caminho, se coroe o príncipe parisiense, Fernando Henrique Cardoso, numa eleição indireta. É provável que a convulsão social, nessa hipótese, se torne um turbilhão de revoltas, misturando ilegitimidade política, desastre social, alto desemprego, degradação do aparelho do Estado, atraso geral de salários e proventos, tudo sob a batuta austera de Meirelles e Armínio Fraga.

Entrementes, José Serra terá se aproveitado da bagunça institucional para assaltar o pré-sal em favor das multinacionais, os promotores da Lava-Jato, em nome do combate à corrupção, terão acabado de destruir as grandes empreiteiras, e empregadoras, brasileiras, privadas dos acordos de leniência em discussão no Congresso atacados por promotores bisonhos e irresponsáveis, uma lei específica congelará o status de independência de um banco central a serviço do capital financeiro e da especulação.

Mesmo nesse contexto, meu caro general Villas Boas, continuarei repelindo a ideia de uma intervenção militar para superar a crise de nossa democracia. Entretanto, me ocorre que talvez fosse oportuno o senhor dar um pequeno recado aos políticos que estão no comando do processo, nos seguintes termos: “Olhem, rapazes, inclusive vocês do Judiciário, do Legislativo e da Procuradoria da República, por favor, não exagerem. Já derrubaram uma presidenta eleita legitimamente. Agora não fujam de suas responsabilidades de recuperar a economia e reverter a crise social sem precedentes. Ou todos acabaremos exaustos”.

J. Carlos de Assis – Economista, professor, doutor pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 20 livros sobre economia política brasileira.

Redação

9 Comentários

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  1.  
    As Forças Armadas não são

     

    As Forças Armadas não são marcianas. Assim, como instituições brasileiras devem reagir ao golpe.

  2. Nada de positivo virá das

    Nada de positivo virá das nossas forças armadas. Essas, aliás, parecem que veem algo de positivo no futuro próximo, com a volta de seu status perdido (mais correto seria dizer relativizado) durante a redemocratização: o de garantidor da ordem institucional contra o inimigo interno, que nada mais é o povo organizado defendendo seus direitos.

  3. Não vejo movimento nas ruas a

    Não vejo movimento nas ruas a favor do Impitimam, isso não vai acabar bem.

    O movimentos a favor deste golpe estão dentro das instituições apenas – Vai ter luta sim, e das grandes!

    1. Até os coxinhas nas redes

      Até os coxinhas nas redes sociais estão mais retraidos.

      O tal do Kim, disse que nunca foi amigo do Cunha, cara de pau.

      Muitos coxinhas, os mais inteligentes, perceberam que foram usados como massa de manobra.

  4. Não há duas Constituições.
    Ou

    Não há duas Constituições.

    Ou é aquela que defende o Governo ,  e jurada  lealdade por todo STM ou não é.

    Se o STM está esperando o circo pegar fogo, age igual ao F.

  5. a única certeza é que se

    a única certeza é que se chegarmos a essa degradação prevista

    e a continuidade deste estado de exceção, tudo´será permitido, como

    diria dostoiesvski, ao se referir a uma possível inexistencia de deus… 

  6. O ato falho é outro.

    As forças armadas constituem  uma instituição de nossa Burocracia Estatal. Como tal ela é dominada há muitos e muitos anos por uma determinada casta. Uma casta que não é homogẽnea nem tem pensamento único. Uma casta de onde saiu Prestes, mas também de onde saiu Bolsonaro. Uma casta  que dividida, tem,  em momentos diferentes, grupos hegemônicos diferentes. Como na  ditadura de 64 , o momento da  fase envergonhada e o da fase escancarada. Mas o Exército  é uma instituição herdeira do positivismo, e sua crença na existência de um autoritarismo feito por alguns  esclarecidos. Uma crença numa tecnocracia   capaz de colocar ordem e trazer progresso. Esta talvez seja a herança ideológica mais forte no interior das forças armadas. . Mas é esta crença  ilusória que alimentou alguns dos piores momentos no país. E esta crença não é apenas uma crença dos militares, é a crença de boa parte das elites e é tambem bastante difundida na população.  Uma crença que no momento tem se manifetado em  outra instituição feita por aparentemente doutos. O nosso judiciário , o nosso Ministério Público, onde se vê uma verdadeiro messianismo, e uma crença absurda dos que se dizem salvadores e detentores da ética e da moral em resumo da ordem. E em nome da ordem dizem que pretendem resolver todos os problemas do país. Enquanto os militares privilegiaram ora a ordem ora o progresso. Temos agora uma casta que privilegia apenas a ordem. E não se perguntam exatamente o que significa. Pois a ordem para eles é na lógica de narciso uma reprodução do seu espelho. Pensam que  a ordem é colocar na prisão aqueles que não se espelhem neles mesmos. Assim são e continuam coniventes com aqueles que acham que são os seus, mas duros com aqueles que eles acham que devem domesticar. Alguns por pura ignorância outros por má fé e outros devido a mosca azul do poder, se apropriam das instituições que elegem com sendo aquela que deve guiar o país.Este messianismo tecnocrático de nosso judiciário esconde por outro lado a ideologia de uma casta que se sente eleita diferenciada e que termina por compactuar com tudo que há de pior. Mas sobretudo carrega dentro de si aquela arrogância tecnocrática que expandem para a ética e para a moral, mas que vem sempre daquela alimentada ilusão de que são diferentes que são os eleitos  e que tudo o que aprenderam pertence a eles e somente a eles. E esta ilusão que vem alimentando as fraturas no pais. Alimentam um eu contra eles e usam as instituições para sacramentar este pensamento. Demonstram em cada passo que a tecnocracia não é sinômimo de ética ou de visão social, mas é apenas   apropriação de conhecimento cuja significação só a sociedade pode  dar. Acreditar num papel primordial para uma única instituição é um pecado que já se cometeu, e deu no que deu.

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