Boulos: da crise política à crise social

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Março de 1983: milhares de desempregados sacodem São Paulo e derrubam as grades do Palácio dos Bandeirantes em meio à recessão que antecedeu fim da ditadura militar160211-PalacioBandeirantes2

do Outras Palavras

Da crise política à crise social

Massa salarial despenca; desemprego pode dobrar. Uma coisa é certa. Se as vítimas do “ajuste fiscal” saírem às ruas em 2016, não será para tirar selfies com a tropa de choque

Por Guilherme Boulos

Quarta-feira sempre desce o pano. Hoje, após a Quarta-feira de Cinzas, começa de fato o ano no Brasil. Um ano que promete ser agitado. Se 2015 ficou marcado pela crise política, tudo indica que 2016 será lembrado pela crise social.

O enredo do ano passado permanece. O impeachment, embora enfraquecido, deverá abastecer a crise política ao menos por mais alguns meses. Eduardo Cunha, se não for afastado ou preso, continuará conduzindo a agenda parlamentar de forma temerária, em função da sua autopreservação. E Dilma segue obstinada em aplicar a estranha fórmula de recuperação da popularidade com medidas impopulares. Saiu Levy, ficou o ajuste. Nem parece que 2015 acabou. A não ser pelas indicações de que, neste ano, a batalha do carpete pode começar a ceder lugar para uma outra.

Vejamos. Na semana passada o banco Credit Suisse publicou um relatório em que afirma que o Brasil vive a pior recessão de sua história. Nunca o país teve três anos seguidos de retração econômica, o que possivelmente se completará em 2017. Mesmo o atual biênio recessivo (2015-16) só tem precedentes há mais de 80 anos, no contexto da crise de 1929. Em 2015, a queda do PIB foi próxima a 4%. A expectativa do Credit Suisse é de uma nova queda de 4% este ano e mais uma em 2017, desta vez entre 0,5% e 1%.

Mesmo que possamos considerar pessimista a avaliação do banco de investimentos suíço, é inquestionável que o país está afundado numa recessão gravíssima. Se considerarmos que a queda da economia começou já no segundo trimestre de 2014, o triênio recessivo está ainda mais próximo. No caso do Estado de São Paulo já é realidade. Segundo dados da Fipe, o PIB paulista caiu 2% em 2014, 4% no ano passado e a previsão é de uma nova queda de 2,6% neste ano.

Mais do que os números, importa seu impacto na situação social do país. A economia despencando significa aumento do desemprego, redução da renda do trabalhador e também da arrecadação – que, por sua vez, estanca investimentos públicos e políticas sociais.

Em 2015 foram fechados 1,5 milhão de postos de trabalho. A massa salarial caiu 12,2%, maior recuo desde 2003. E a arrecadação do governo caiu 5,6%. A previsão do Credit Suisse é que o Brasil possa chegar em 2017 a uma taxa de desemprego superior a 13%, índice alarmante.

A isso podemos somar a anunciada saturação dos serviços públicos, em especial da saúde. Uma das primeiras coisas que o trabalhador que ascendeu à dita “classe C” fez foi buscar um plano de saúde privado e, por vezes, colocar seus filhos em escolas particulares de pequeno e médio portes, que cresceram a olhos vistos nas periferias. A primeira coisa que este mesmo trabalhador já está fazendo ante a deterioração do orçamento familiar é voltar para o SUS e para a escola pública. Precisamente num momento em que os investimentos tendem a ser comprimidos pelo ajuste fiscal.

Ou seja, o cenário de 2016 provavelmente será de desemprego crescente, arrocho salarial, precarização dos serviços públicos e enfraquecimento dos programas sociais. Não será surpresa se isso se traduzir em fortes mobilizações populares.

E aqui não estamos falando dos desfiles cívicos na avenida Paulista. Estamos falando da massa trabalhadora, vinda do asfalto esburacado das periferias, que, embora até aqui insatisfeita, ainda não entrou em cena de forma ruidosa.

Com o desemprego em dois dígitos e fortes sinais de perda das conquistas que teve no último período, é possível que o andar de baixo comece a se movimentar mais em 2016. O aumento expressivo das greves e ocupações registrado nos últimos anos já tem dado este sinal.

A força e o alcance disso é algo incerto. Assim como os rumos que um processo como este poderá tomar, principalmente, dada a dimensão da atual crise econômica e social. Há ainda o agravante da descrença generalizada de que o governo – e, pior, a oposição – possam apresentar saídas populares para a crise.

Apenas uma coisa é certa. Se este povo for às ruas em 2016, não será para tirar selfies com a tropa de choque.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

20 Comentários

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  1. e a nossa presidenta…

    e a nossa presidenta de esquerda, segue com o ajuste de direita. é uma decepção após outra com o argumento de ‘fazer o que tem que ser feito’. o banco central, que ainda não viu a queda dos juros mundo afora, segue uma meta de inflação saída da república ideal de platão. e que se dane os estragos causados no percurso. incrível.

     

     

     

  2. Apenas o esperado

    Esse não é apenas o resultado da maior lorota da história política brasileira: o lulismo. É também o resultado de o Brasil ser vítima de uma presidente completamente obtusa, mentalmente embotada, autocrática e autoritária. Tudo isso aliado a um modelo de governança que suprimiu qualquer ideia de democracia participativa e isolou-se nos corredores acarpetados da tecnocracia mais delirante.

    E o pior de tudo isso é que a alternativa que resta é ainda infinitamente pior, como se o petismo não tivesse feito outra coisa senão avalizar a direita predatória como única alternativa — talvez uma espécie baixíssima de chantagem política.

    Outro dia o Percival Maricato dizia aqui que os últimos ataques ao Lula visavam destruir a ele e à esquerda. Já está mais que na hora da esquerda desse país se livrar desse encosto! O Lula e sua bestial lorota política não podem nos pertencer. Quem tiver peninha desse cadável político, que leve pra casa.

    Qualquer alternativa verdadeiramente progressista tem que se purgar definitivamente do lulismo e do modelo ideológico do PT.

    1. Quem diria, um sopro de

      Quem diria, um sopro de inteligência e bom senso em meio à tormenta de estupidez e insanidade que avassala a esquerda hoje. Parabéns pelo comentário! 

  3. A oposição sabe disso

    Por isto mesmo que a Lava Jato golpeia as maiores empreiteiras do país, que são o motor da economia. Sabem, que se o desemprego subir na estratosfera, o PT será responsabilizado, e perderá nas urnas.

  4. Eu não gosto desse cara. E

    Eu não gosto desse cara. E explico :

      Uma coisa é viver no bem bom e fazer prosetilismo contra a pobreza.

       Igualzinho a Chico Buarque.

       Nesse sentido, só nesse sentido, amo de Lula de paixão.

  5. Brasil em crise (provocada) e a última da Óia: caixas pro sítio!

    Comendo solta, a crise provocada em pelo menos 70% pela oposição, Justiça, MP, PF e (principalmente) a míRdia, fazendo terrorismo, quebrando a confiança e disseminando o medo e esta (Veja no caso) faz mais uma de suas “grandes” reportagens “investigativas” de gigantesca relevância para o país: xeretou as notas fiscais da mudança da família Lula e descobriu que caixas de bebidas foram parar no “sítio”! (não, não é uma “fazendola” em Buritis nem um bubdalelê num apê da “avêni Fóxe”!).

    Assim como a nota fiscal do bote de alumínio, tudo “documentado”!

    Já os “documentados” do barracão dos marinho em Paraty, nem uma palavrinha ou fotinha.

    E o país, que já melhorou muito nos últimos 12 anos mas ainda carente de imensas ações em habitação, saúde, renda, educação, infraestrutura, competitividade (de verdade) e desenvolvimento em geral, tem 98% da sua agenda de míRdia (a opinião pública e a discussão social geral, inclusive aqui) voltada para botes de alumínio, coberturas em prédios de classe média (apto. padrão de ~70m2), caixas de bebidas e descansos de fim de semana em sítios de amigos. Lembrando que o “suspeito” tem renda legal pública e suficiente para comprar e usufruir de quaisquer deles!.

    Nos tempos de Getulio, criaram o “mar de lama”. Hoje a zelite golpista involuiu (mais ainda):

    Criaram o “mar de merda!

  6. Justiça seja feita ao Franco Montoro

    No dia dessa foto aí do texto, Montoro contava com poucos dias no cargo de governador. Passara toda a campanha atacando o Maluf e os seus métodos truculentos, por soltar a PM em cima de passeatas de professores. A passeata não foi lá para derrubar as grades, invadir, acontece que foram chegando, chegando sem resistência nenhuma até que bateram nas grades. Daí a pressão de milhares de pessoas derrubou tudo. Mesmo assim, Montoro não ordenou que a PM tomasse qualquer atitude. O resultado foi que tomou um cacete de toda a imprensa durante 4 anos de mandato, como o “governador hesitante”, que não tomou qualquer atitude e deixou invadirem o Palácio dos Bandeirantes. Acontece que naquele tempo havia comando na PM. Atualmente NENHUM governador, de NENHUM partido tem o mínimo controle sobre a PM. 

  7. Guilherme Boulos foi um dos que acreditavam…

    …liderar os protestos de 2013, quando a crise política era inexistente e a economia ainda respirava. Na época fui contra as manifestações, eram contra tudo e ao mesmo tempo nada defendiam. Revendo os fatos acredito que foi a tentativa de uma “primavera brasileira”, porém como o governo federal não se tornou o alvo único dos eventos foi abortada pelos seus reais organizadores. Pois se a mobilização não arrefecesse todo o sistema político brasileiro, incluíndo a oposição, e as suas ferramentas de controle seriam lançados na vala comum, faltando apenas um ano para as eleições nacionais.

    As ondas subterrâneas primaveris, que permaneciam ativas, como ainda estão, conseguiram no início de 2014 o que foi tentado algum tempo antes. Colocar nas cordas o governo e os seus apoiadores, inibindo qualquer iniciativa da sua parte. A partir daí o campo ficou livre para que outras manobras pudessem ir adiante. Com o sumiço dietético da reeleita, com a situação econômica e política se deteriorando rapidamente, até mesmo o poder de reação foi anulado. A tentativa burra de agradar ao mercado financeiro e aos analistas midiáticos foi contraproducente, enfraqueceu ainda mais a presidente e a transformou numa mera espectadora do que ocorria. Com isto qualquer expectativa positiva deixou de existir e a economia entrou num ciclo vicioso, que ainda perdura.

    A crise política que se tornou permanente, embora com níveis diferentes de atividade momentâneos; a inibição dos investimentos privados devido ao panorama negativo que perdura e a absoluta inatividade governamental na execução de políticas anticíclicas, principalmente devido ao receio de críticas dos meios de comunicações, não permitem condições de curto prazo para a estabilização dos níveis de emprego e renda. O governo se tornou refém dos seus adversários e a única coisa que parece fazer é cruzar os dedos para que um milagre ocorra.

    Ameaças vãs, como a do Guilherme, são na realidade sintomas de uma doença diagnosticada por Lenin há quase cem anos. O esquerdismo infantil apenas servirá para acirrar ainda mais os ânimos e nos aproximar do caos, favorecendo o surgimento de uma figura messiânica que redimirá o país, provavelmente será um aventureiro inflado pelas gordas quadrilhas midiáticas. Um salvador da pátria reunindo o que existe de pior em criaturas como Collor, Macri e Berlusconi.

    Se alguém quer realmente fazer algo para que o Brasil de 2017 não seja de total desolação é o momento de agir. Mobilizar com poucas, mas  abragentes propostas. Intimar o governo a não mexer nos programas sociais e destravar os investimentos públicos, chamar às falas a imprensa devido a sua defesa total dos interesses rentistas e fazer escrachos constantes dos agentes do quanto pior melhor, pois estes são os propagadores do pessimismo que se instalou e alimenta o caminho para o fundo do poço. Não importa se figuras da mídia, da política, do judiciários ou seus apêndices.

    1. Esses protestos de 2013 nunca

      Esses protestos de 2013 nunca me enganaram, agora, tenho certeza como você de que foi uma tentantiva de “revolução colorida” ou “primavera arabe” no Brasil. A atual crise que nos encontramos não teve por base a econômia e sim uma crise política que começou com esses protestos. Agora, muitos dos que lá estavam fazendo o joguinho dos seus inimgos estão agora em situação complicada.

  8. Crise social:o clímax perseguido pela “canalha” & cia

    Pois é, e o plano está dando certo. Pensaram em tudo,….porque alimentando a crise política isso levaria ao agravamento da crise economica e, de forma simutânea, também implementaram junto uma outra manobra importantíssima: a manipulaçao do povo[o gado] que teria de ser “adestrado” para ser capaz de reagir de acordo com o que essa gente que vive nas sombras planejou, entao nada melhor do que previamente terem promovido a odiosa polarização pré-eleiçao que terminou num estímulo intencional à intolerãnciia ideológica e no odio de classes promovido através de uma sistematica e proposital campanha de desinformaçao em torno do tal lava jato sob a falsa bandeira do “combate a corrupçao”, que colocou em evidência personagens selecionados e de um único partido, por acaso o do governo, e o resultado está aí….

    O que se quer na verdade é que a ruas sejam tomadas por um povo com sangue nos olhos, muita quebradeira[muita gente infiltrada para esse fim] e muita revolta…para cercar ainda mais o governo e terminar com a Dilma descendo a rampa do planalto “de quatro”, e por isso o agravamento da crise economica desempenha um papel crucial no plano arquitetado. Depois do sucesso dessa guerra nas ruas, aí sim terá chegado a hora de impor com força total a lei que criminaliza os movimentos sociais e manifestaçoes populares, porque o que virá depois disso será ainda muito pior…Para endurecer com o povo vao utilizar do argumento de que as últimas manifestaçoes de ódio e violéncia que ocorreram necessitam de uma resposta à altura dos orgãos de segurança em nome da manutenção da ordem pública e paz social.O povo nem se dará conta de que foi usado para derrubar um governo e, ao mesmo tempo, dar o motivo para que a sua livre manifestaçao seja criminalizada. Bingo ! Xeque-mate duplo: no governo e no povo.

    Mas, para o plano obter total êxito estao construindo dia-a-dia uma piora devastadora na economia para criar o ambiente propício para que as ruas virem esse palco de guerra, esse motim meticulosamente calculado,,,por isso o povo está sendo cotidianamente bombardeado pela imprensa e “cozido” no ódio e intolerância. O desemprego ainda nao chegou no limite que eles querem, mas vai chegar logo, logo e será um cenário de depresão somado a alta de preços dos alimentos que está em escala crescente desde setembro de 2015. 

    A crise política e economica ainda vai piorar muito e colocar o povo numa encruzilhada sem volta, porque os conservadores, investidores e mercado financeiro globais decidiram retomar o controle do país aonde o povo, que é a mercadoria mais barata, é que será a mola mestra para aumentar o lucro da canalha toda. Nem vou falar das privatizações das nossas estatais lucrativas, dos sistema de água/esgoto, do  pretexto da “reforma” da previdencia e desvinculaçao de receita, da terceirizaçao da atividade fim etcs mais, porque aí a coisa vira uma história ainda mais cabeluda.. 

    E agora, Jose?

     

  9. Contradições de um falso devoto de São Chaplin!

    Anarquista Sério: deixa de “viver no bem bom e fazer proselitismo contra a pobreza”, conforme você se projetou nos desprezíveis Boulos e no Chico, pois você já se gabou, aqui no blog, da qualidade das bebidas que consome no estrangeiro! Será que, por alguma megalomania, você acha que nos ajuda muito a entender nossas enrascadas com seu “anarquismo” relinchado nos deboches jeniais?

  10. O que os golpistas mais

    O que os golpistas mais precisam agora é o povo nas ruas protestando. Porque só os coxinhas não dá muita legitimidade.

    Daqui a pouco vai começar a novela do julgamento do TSE e o script já está pronto, o povo nas ruas.

    O Boulos parece ser o personagem perfeito, lider de movimentos sociais, escreve um artigo catastrófico (parece o Sardenberg) desses na Folha, bradando aqueles clichês: o ajuste fiscal, a reforma da previdência, estão tirando os direitos dos trabalhadores, desemprego de 2 dígitos(?).

    Não consigo confiar nesse sujeito.

  11. Quem dera amiguinho. Esse é

    Quem dera amiguinho. Esse é seu sonho mas acho que os que empregam e produzem não vão dar muito espaço as ruas. A não ser para derubar governo mais voltado ao social.

     

    Precisamos de novas formas de produção de bens e não de gente na rua. 

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