Jorge Alexandre Neves
Jorge Alexandre Barbosa Neves professor Titular de Sociologia da UFMG, Ph.D. pela Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA. Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin, também nos EUA, e da Universidad del Norte, na Colômbia.
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Consequências não intencionais, por Jorge Alexandre Neves

Um antipetismo à esquerda que assuma posições de forte ativismo contra o atual governo pode, sim, ajudar a desestabilizá-lo

Reprodução Afipea

Consequências não intencionais

por Jorge Alexandre Neves

          No domingo anterior ao segundo turno da eleição de 2022, eu e mais quatro ou cinco amigos – um deles, meu colega de departamento na UFMG – fomos para uma das regionais de menor renda de Belo Horizonte, bem na fronteira com o município de Ribeirão das Neves, que tem o menor IDH de toda a Região Metropolitana de BH, e nos postamos no entorno de um supermercado popular, para abordar as pessoas e fazer panfletagem, pedindo voto para o Presidente Lula. Acreditem, não foi fácil! Ouvimos muitos xingamentos – comunistas, abortistas etc. – e, em muitos momentos, nos sentimos constrangidos. Temíamos até que passasse uma viatura da PM e nos assediasse. Foi tenso! Bem, acredito que está muito claro que estávamos numa região popular de uma grande capital brasileira. Apesar da tensão, conseguimos conversar com muita gente, tendo conseguido apoio, de modo geral discreto, de algumas pessoas. Abertas as urnas, o Presidente Lula perdeu nessa regional, bem como na cidade. Acho que muitos intelectuais de esquerda das áreas de ciências humanas aprenderiam muito sobre a realidade do Brasil atual se fizessem coisas parecidas. O fato relatado acima é só um dos muitos eventos nos quais busco interagir diretamente, face a face, com o “Brasil real”. Acho que quem faz isso consegue enxergar melhor a gravidade do momento que vivemos! No meu caso, que trabalho fundamentalmente com métodos quantitativos, estudando principalmente pobreza e desigualdade, fazer isso ajuda sobremaneira a não ver as pessoas apenas como linhas numa planilha de dados.

          Nos últimos dias, tive muitos retornos de membros das três categorias das IFES (estudantes, TAEs e docentes), a maioria concordando com meu último texto publicado aqui no GGN (maioria silenciosa ou viés na minha rede de relacionamentos?), mas muitos discordando e trazendo argumentos de diferentes naturezas. Quero rebater esses argumentos, abaixo. Vou começar rebatendo os argumentos que considero ter um caráter mais corporativista.

  • O primeiro argumento é o de que nossos salários estão muito defasados.

          De fato, nos últimos anos, tivemos perdas salariais muito significativas. Todavia, ainda assim, nossos salários estão em padrão elevado, em termos relativos, na comparação internacional. A Tabela abaixo traz dados muito eloquentes. Vou destrinchá-los, cuidadosamente. É importante observar que todas as comparações se dão com países considerados desenvolvidos. A seleção das universidades estrangeiras foi basicamente aleatória, se deu em função de terem sido as primeiras, de cada país (busquei certa diversidade entre os países do Ocidente) sobre as quais encontrei informações.

          Começo minha análise comparativa por uma universidade da Espanha, país cujo padrão de renda não é tão absurdamente maior do que o do Brasil. A instituição citada é a Universidade Autônoma de Barcelona, na qual encontrei uma remuneração no topo da carreira (para todas as áreas) que é 9,2% menor do que nas IFES brasileiras, apesar de a renda per capita espanhola ser, segundo o Banco Mundial (dados de 2022), 232,8% maior do que a brasileira.

Tabela com dados referentes a comparações internacionais de salários de docentes de universidades.

InstituiçãoPosiçãoSalário em R$Equivalente no Brasil em R$Razão entre os saláriosRazão entre as Rendas per Capitas
Universidade Autônoma de Barcelona/EspanhaProfes- sor Cate- drático20.3012,73 (para o nível mais alto da carreira)22.377,72 (Professor Titular com DE)0,908 (9,2% menor na Espanha)3,328 (232,8% maior na Espanha)
Universidade de Edimburgo/Reino UnidoLecturer308.473,00 (salário anual para o nível  de entrada de um professor com doutorado)173.638,76 (Salário anualizado de um Professor Adjunto 1 com DE)1,777 (77,7% maior no Reino Unido)5,172 (417,2% mais alto no Reino Unido)
Universidade de Copenhague/Dina- marcaAssistant Professor26.572,00 (salário mensal para o nível  de entrada de um professor com doutorado)12.862,13 (Salário mensal de um Professor Adjunto 1 com DE)2,066 (106,6% maior na Dinamarca)7,601 (660,1% maior na Dinamarca)
Universidade de Denver/EUAAssistant Professor382.200,00 (salário anual para o nível  de entrada de um professor com doutorado)173.638,76 (Salário anualizado de um Professor Adjunto 1 com DE)2,201 (120,1% maior nos EUA)8,559 (755,9% maior nos EUA)  

Obs. 1: os dados sobre salários e cada instituição e de renda per capita não levam em consideração a Paridade do Poder Aquisitivo e no caso da última têm como fonte o Banco Mundial (https://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.PCAP.CD).

Obs. 2: Os dados sobre os salários da Universidade Autônoma de Barcelona vieram de uma tabela extraída de uma página no site da instituição (https://www.uab.cat/web/personal-uab/personal-uab/personal-academico-e-investigador/retribuciones-del-personal-academico-e-investigador-1345699364196.html).

Obs. 3: no caso da Universidade Autônoma de Barcelona, escolhi o cargo mais alto, equivalente a Professor Titular no Brasil, pois não conheço bem o sistema espanhol e fiquei com receio de errar a comparação.

Obs. 4: no caso da Universidade de Edimburgo, os dados vieram de uma postagem de uma vaga que está aberta até o dia 09/05/2024 (https://www.jobs.ac.uk/job/DHB929/lecturer-computational-sociology).

Obs. 5: no caso da Universidade de Copenhagen, os dados vieram de uma postagem de uma vaga que está aberta até o dia 28/04/2024 (https://www.europeansociology.org/job/11299fb4-c3d6-4d29-bc2c-9607ad5c2366).

Obs.6: no caso da Universidade de Denver, os dados vieram de uma postagem de uma vaga que estava aberta até o dia 01/01/2024 (https://jobs.du.edu/en-us/job/496749/assistant-professor-sociology-and-criminology-law-and-inequality).

          A segunda instituição é a Universidade de Edimburgo, no Reino Unido. Neste caso, a comparação se deu com salários de entrada para uma vaga de Professor Doutor na minha área de atuação, a Sociologia (todas as demais comparações se darão com salários da mesma área, o que é importante pontuar, pois há muita variação em salários por áreas acadêmicas, em alguns países), com salários anualizados (multipliquei o salário mensal por 13,5, para levar em consideração os adicionais do décimo terceiro e das férias, que no nosso caso incidem sobre 45 dias) de Professor Adjunto 1 com DE. O que se observa é uma remuneração 77,7% maior na universidade britânica, porém tendo-se que levar em consideração que a renda per capita no Reino Unido é 417,2% maior do que no Brasil. Ou seja, em termos relativos (ao padrão médio de renda de cada país), os ganhos referentes à carreira docente em Sociologia de um Professor Doutor iniciante é bem maior numa IFES brasileira do que na Universidade de Edimburgo, visto que a razão entre as razões nos dá um valor 2,91 (5,172/1,777 = 2,91) vezes mais favorável ao caso de docentes brasileiros (no caso da comparação com a Universidade Autônoma de Barcelona, o resultado é ainda mais favorável à docência no Brasil, pois: 3,328/0,908 = 3,67).

          A terceira instituição é a Universidade de Copenhague, na Dinamarca. Neste caso, a comparação se deu com salários de entrada para uma vaga de Professor Doutor na minha área de atuação, a Sociologia, com o salário mensal de Professor Adjunto 1 com DE. O que se observa é uma remuneração 106,1% maior na universidade dinamarquesa, porém tendo-se que levar em consideração que a renda per capita na Dinamarca é 660,1% maior do que no Brasil. Ou seja, em termos relativos (ao padrão médio de renda de cada país), os ganhos referentes à carreira docente em Sociologia de um Professor Doutor iniciante é bem maior numa IFES brasileira do que na Universidade de Copenhague, visto que a razão entre as razões nos dá um valor 3,68 (7,601/2,066 = 3,68) vezes mais favorável ao caso de docentes brasileiros.

          Finalmente, a terceira instituição é a Universidade de Denver, nos EUA. Neste caso, a comparação se deu com salários de entrada para uma vaga de Professor Doutor na minha área de atuação, a Sociologia, com o salário mensal de Professor Adjunto 1 com DE. O que se observa é uma remuneração 120,1% maior na universidade estadunidense, porém tendo-se que levar em consideração que a renda per capita nos EUA é 755,9% maior do que no Brasil. Ou seja, em termos relativos (ao padrão médio de renda de cada país), os ganhos referentes à carreira docente em Sociologia de um Professor Doutor iniciante é bem maior numa IFES brasileira do que na Universidade de Denver, visto que a razão entre as razões nos dá um valor 3,89 (8,559/2,201 = 3,89) vezes mais favorável ao caso de docentes brasileiros.

          A análise dos dados acima mostra, de forma muito clara, que tanto o contribuinte quanto o Estado brasileiro fazem um esforço hercúleo para nos remunerar de forma adequada e mais do que decente, em nível internacional. Se pensarmos que não tivemos qualquer reposição por seis anos, podemos imaginar o quão elevados eram nossos salários – na comparação internacional – no momento em que Dilma foi golpeada, em 2016. Foram os dois primeiros governos de Lula e o período de pouco mais de um mandato de Dilma que nos levaram a um padrão salarial extremamente favorável, algo que a categoria não tinha há décadas. Hoje, sentimos o peso das perdas que tivemos nos últimos anos? Claro que sim! Mas partirmos, por puro interesse salarial (por favor, não me venham com a hipocrisia de dizer que há outros pontos de pauta, todos e todas sabemos que, se as demandas salariais forem atendidas, as greves acabarão imediatamente), para a realização de movimentos grevistas que irão ajudar a enfraquecer um governo sob forte ataque de nossos adversários políticos e inimigos de classe (em nível global), sendo que trata-se de um governo liderado pela única força política que nos deu algum valor, nas últimas décadas. Sinceramente, se nós, acadêmicos progressistas, nos limitamos a pensar como homo economicus (que Amartya Sen considerou a caracterização dos idiotas, ou tolos, racionais, ver: https://www.jstor.org/stable/2264946), passo a temer seriamente pelo mundo que deixarei para meu filho e minhas duas filhas. Que uma figura desprezível como Paulo Guedes se resuma a agir como um idiota (tolo) racional, tudo bem, não dá para querer nada diferente dele. Todavia, é muito perturbador pensar que nós, servidores públicos das IFES, nos encaixamos na mesma categoria!

  • O segundo argumento é o de que é inaceitável que o governo de Lula tenha concedido reposições salariais a “carreiras bolsonaristas” e não esteja disposto a fazer o mesmo com carreiras que compõem, historicamente, a base de apoio do seu partido.

          Eu não vou conseguir evitar de começar a rebater este argumento acima de forma extremamente jocosa. Sinceramente, para curar “dor de corno”, eu recomendo entusiasticamente que se ouça as músicas do meu conterrâneo, o saudoso Reginaldo Rossi. É muito melhor fazer isso do que agir de forma irresponsável em relação ao futuro do Brasil!

          Falando sério, é compreensível que tenhamos um sentimento de injustiça ao ver que corporações do serviço público federal civil (pois os militares são um capítulo à parte), com um histórico de ação de ataque à democracia e apoio ao neofascismo tupiniquim, têm conseguido reposições salariais. Todavia, este problema não é novo e precisará de significativos avanços democráticos para ser enfrentado. Em 2017, eu escrevia pequenas colunas para o jornal Hoje em Dia de BH e me debrucei sobre o que chamei de “banquete dos chantagistas” (https://www.hojeemdia.com.br/o-banquete-dos-chantagistas-1.562466). Infelizmente, há corporações incrustadas no Estado brasileiro que têm chantageado o poder político, há décadas, para conquistar todo tipo de privilégios absurdos. O caráter estamental dessas corporações só torna o cenário ainda mais deplorável! O presidente Lula não cedeu a essas categorias com a expectativa de que iria conquistar seu apoio político. Ele o fez para poder ter um mínimo de governabilidade. Da mesma forma, não fui para a periferia de BH pedir voto para Lula porque tinha a expectativa de obter aumento de salário (me esforço para não pensar como um idiota racional), mas porque estava muito aperreado com o futuro da democracia no Brasil.

Eu penso que no lugar de buscar seguir esses mesmos exemplos deploráveis de boa parte do estamento brasileiro, deveríamos nos mobilizar para transformar a realidade brasileira, para que nos tornemos uma sociedade menos desigual e estamental. Como eu disse no texto anterior, se nos uníssemos à classe trabalhadora, poderíamos ter importantes ganhos indiretos de renda, com uma significativa melhoria em nosso padrão de consumo e poupança, bem como em nossa qualidade de vida. Por exemplo, docentes espanhóis ganham menos do que nós, mas matriculam seus filhos e filhas em escolas públicas e frequentam instituições públicas de saúde. Isso não brotou naturalmente em árvores das florestas, como diria Karl Marx, foi resultado de ação (para uma análise bem didática a respeito de ação na “Ideologia Alemã” de Marx, ver: https://epochemagazine.org/58/marxs-concept-of-activity/). Eu seria mais dramático e diria que foi fruto de muito sacrifício, suor, sangue e lágrimas. É assim que se conquista a cidadania! O ministro Fernando Haddad irá, em breve, enviar ao Congresso Nacional a terceira fase das reformas tributárias, com propostas para estabelecer a cobrança de Imposto de Renda sobre lucros e dividendos e outras medidas para tornar nosso sistema tributário mais progressivo. No lugar de afrontá-lo por não estarmos recebendo reposição salarial, deveríamos estar nos mobilizando para empurrá-lo a enviar logo essas propostas legislativas para o Congresso Nacional e para que elas sejam aprovadas, bem como para que, em consequência, possamos financiar de forma adequada sistemas de educação básica e de saúde que nos permitam parar de realizar gastos privados com tais serviços.

  • Finalmente, chego ao terceiro e último argumento, que tem um caráter mais difuso, com uma clara inspiração do que poderíamos chamar de “antipetismo à esquerda”, uma visão de que devemos mesmo nos mobilizar contra este governo, pois ele é basicamente neoliberal.

Em 2013, eu era membro do Conselho Universitário da UFMG. Aqueles que não são familiarizados com as IFES podem estranhar, mas as manifestações de 2013 foram discutidas ali. Eu não esqueço os olhos brilhantes, cheios de esperança, nos membros do Movimento Estudantil que eram conselheiros. Vi o mesmo, em menor número, em colegas docentes e TAEs. Eu me pus na posição impopular de me opor, desde o início, àquelas manifestações. No privado (pois nas reuniões do Conselho fui mais ameno nas minhas palavras), falei para colegas, que via ali o “ovo da serpente”. Todos hoje sabemos o que aconteceu. Aquelas manifestações abriram uma caixa de Pandora (surgimento de uma direita que aprendeu a ocupar as ruas, lava jato, golpe de 2016, prisão ilegal de Lula, eleição de Bolsonaro, volta dos militares ao centro da arena política…) que não foi totalmente fechada até hoje. O mesmo pode ocorrer com essas greves nas IFES, elas podem escancarar a caixa que, a duras penas, começamos a fechar.

Qualquer um que for ler os comentários às matérias jornalísticas sobre a deflagração das greves nas IFES hoje verá que já se forma entre pessoas de direita um posicionamento do tipo “quem mandou fazer o L?”. Assim como em 2013 as manifestações começaram de uma forma e viraram outra coisa, está longe de ser uma hipótese implausível que as reações a estas greves passem a ser “tá vendo, com Lula é só bagunça, com Bolsonaro não tinha isso!”. O caminho para essa mudança na reação das pessoas se dará pelo desconforto e pela frustração que essas greves causarão em muitas famílias e indivíduos pelo Brasil afora. Hoje, há UFs e IFs espalhados pelo Brasil todo, nas capitais e no interior. Cria-se um enorme incômodo para famílias quando seus filhos que estão em instituições federais de educação básica – que existem tanto em UFs quanto em IFs, por exemplo, dentro da UFMG há duas, uma de ensino fundamental e outra de ensino médio tecnológico – são forçados a ficar em casa por causa de greves, bem como pelos concluintes ficarem impedidos de fazer o ENEM ou de concluir o ensino médio e partir para o mercado de trabalho (recebi esse tipo de preocupação de amigos que são docentes da educação básica em instituições federais que estão entrando em greve). Da mesma forma, no ensino superior, o adiamento da conclusão de cursos, entre outras coisas, causa grande frustração e, às vezes, revolta (por exemplo, é comum ouvir de estudantes que irão perder a oportunidade de promoção de estagiários para efetivos em função do adiamento da colação de grau).

Uma das reclamações que recebi sobre o meu texto anterior foi que eu teria sido injusto ao não reconhecer que houve manifestações significativas das comunidades acadêmicas das IFES em 2019. Perceba-se que minha provocação se referia ao fato de nada de minimamente relevante ter ocorrido em 2022, o que é apenas um fato! Todavia, falemos de 2019: houve greves? Não! Portanto, se há a intenção de se fazer um paralelo entre 2019 e hoje, por que não retomamos as manifestações com pautas mais coletivas e focadas no interesse público, como se deu há cinco anos, ao invés de partir para essas greves inconsequentes? Como eu disse alguns parágrafos acima, poderíamos fazer grandes manifestações focadas em demandas de mudança de nossa estrutura tributária e de ampliação e melhoria de serviços universais. E, ao mesmo tempo, não causaríamos nenhum tipo de rejeição da população ao nosso movimento, pelo contrário, conseguiríamos o apoio de boa parte da população.

É óbvio que há várias diferenças relevantes entre a República de Weimar e o que temos vivido no Brasil desde 2013. Todavia, há também muitas semelhanças perturbadoras. Fui buscar em uma Dissertação de Mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação da USP (https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8131/tde-22022010-115028/publico/JOAO_GRINSPUM_FERRAZ.pdf) algumas dessas semelhanças, para trazer aqui. Elas estão bem resumidas na conclusão do trabalho (a partir da página 113), a saber:

  • O uso de boatos por parte da extrema direita (no caso de Weimar, dos nazistas, mesmo antes de eles terem assumido este nome), em particular, naquele momento a lenda criada de que os judeus e os comunistas tinham causado a derrota militar da Alemanha na primeira grande guerra.
  • A ideia comum à direita do espectro político de que o problema do país era a existência de um “inimigo interno”, que seria, mais uma vez, formado pos judeus e os comunistas.
  • A polarização do sistema político, com o esvaziamento do centro.
  • O retorno dos militares à arena política, da qual eles haviam se afastado, desde o início da República.
  • E, talvez a que seja mais relevante para essa discussão final do texto, a forte divisão entre as forças progressistas, no caso de Weimar, entre os social-democratas e os comunistas.

          Um antipetismo à esquerda que assuma posições de forte ativismo contra o atual governo pode, sim, ajudar de forma significativa a desestabilizá-lo, repetindo (no caso das greves nas IFES, pelas razões elencadas logo acima) o que aconteceu em 2013. Tenho certeza que não é esta a intenção das lideranças grevistas hoje, assim como também acredito que não era em 2013 o desejo das lideranças do MPL. Todavia, como já está mais do que consolidado no conhecimento sociológico, sabemos que as ações sociais e políticas têm, muitas vezes, consequências não intencionais. É um erro mastodôntico achar que a atual correlação de forças é favorável à busca de avanços mais significativos (em Weimar, os comunistas achavam que fariam a revolução, mas o resultado foi a ascensão do nazismo) a partir de ações como essas greves nas IFES. O Brasil real de hoje não é muito favorável às forças progressistas. Como disse Lenin, às vezes é preciso dar um passo para trás. No nosso caso, nem é preciso tanto, basta ter a consciência de que vivemos um momento em que é necessário ter paciência e esperar. O que não significa que não seja possível a busca de outro caminho, como posto acima, de ações nas quais nos unamos à classe trabalhadora em geral para mobilizações em busca da ampliação de direitos universais. Neste caso, estaríamos agindo na direção da ampliação de nossa inserção na sociedade, ao passo que, com essas greves, o resultado é o nosso isolamento.

Jorge Alexandre Barbosa Neves – Ph.D, University of Wisconsin – Madison, 1997.  Pesquisador PQ do CNPq. Pesquisador Visitante University of Texas – Austin. Professor Titular do Departamento de Sociologia – UFMG – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas

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Jorge Alexandre Neves

Jorge Alexandre Barbosa Neves professor Titular de Sociologia da UFMG, Ph.D. pela Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA. Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin, também nos EUA, e da Universidad del Norte, na Colômbia.

11 Comentários

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  1. Uau, realmente, se é para tecer tais considerações que pagamos vocês, está caro sim…

    Será que o moço considerou o nível de comprometimento salarial dos servidores, e de todos trabalhadores em geral, com itens básicos de atendimento de serviço público, como:

    Saúde, educação, etc?

    Não né?

    Então, parece bem óbvio que um salário anual de U$ 30.000,00 na Dinamarca seja bem mais que no Brasil, onde temos que pagar planos de saúde, escolas privadas, não contamos com transporte público, etc.

    Outra coisa, parece óbvio também e o moço não considerou, que nos países citados há muito mais faixas progressivas de tributação, o que sobrecarrega menos, em média, os salários nos países citados, nas faixas salariais citadas.

    Eu nem vou repetir o jargão dos sindicalistas, que argumentam que fazer ciência no Brasil é como fazer uma jaguatirica parir um elefante.

    Sem recursos, sem papel higiênico, sem nada, o que na maioria das vezes é suprido pelos “nababescos salários” que o moço disse que os servidores ganham…

    Bem, a outra sentença do moço é de arrepiar:

    Então, primeiro ele mistura na mesma categoria analítica todos os antipetismos de esquerda.

    Ou pior, antes ele vaticina que há um antipetismo de esquerda.

    Isso não é comprovado. É só um chute dele, então, lá vai o meu:

    Pois bem, eu imagino que a crítica feroz interna, e o acalorado debate entre as chamadas correntes do PT (na minha época chamávamos de tendências) seja o único legado que tenha possibilitado essa legenda ainda respirar até hoje, embora o corpo esteja me putrefato.

    É justamente a possibilidade de termos um intenso movimento contra hegemônico ao PT, o que não aconteceu, é que deixou o partido ir tão longe…para a direita, e hoje não ser nada além de um puxadinho da centro-direita, algo como uma social-democracia-cristã.

    Ah, e refutamos firmemente que o campo político rejeitado pelo moço seja integrado, de forma monolítica, por identitaristas (feministas, antiracistas, etc) e os anticapitalistas (marxistas).

    Meu Zeus, quanto dinheiro jogado fora na graduação e pós-graduação desse rapaz.

    Era melhor formar dois engenheiros militares, para a criação e desenvolvimento de pesquisa industrial bélica (ou nuclear).

      1. Sim, temos…

        Os que não podem pagar ensino privado despencam ainda mais no abismo da desigualdade, que os tolos imaginam compensar com as chamadas ações afirmativas…

        Talvez a exceção seja o SUS… será?

        Pois bem, apesar do dado estatístico revelar que 60% dos atendimentos de clínicos gerais resolvem os problemas, com apenas uma consulta e quando muito, exames simples, o fato é que apenas Sul e Sudeste contam com uma relação médico paciente próxima do ideal.

        No norte, nordeste e centro oeste essa proporção é de menos que um para cada mil habitantes.

        Há contingentes inteiros no norte que nunca viram (e nunca verão um médico).

        Mesmo assim, aqui no sudeste diagnosticar e tentar tratar um câncer no SUS é quase uma sentença de morte, dada a fila de espera.

        O Into tem filas intermináveis para cirurgias ortopédicas…no Rio as unidades federais são uma vergonha.

        Hospitais universitários caindo aos pedaços.

        Sim, tudo isso concorre para subtrair ainda mais o salário do servidor…

        Afinal, que país sugere?

        Um que amplie direitos, tribute os ricos e aumente o setor médio, ou uma democratização da pobreza, como signo de um heroísmo calhorda?

        1. Entendi que servidores não teriam de colocar filhos em escola pública muito menos encarar o SUS ou ir de ônibus/metrô para o trabalho.
          Aqui em BH o Colégio Estadual Central já foi referência. Classe média não coloca os filhos lá. Só em último caso.

      2. Não costumo entrar no debate dos meus próprios artigos, mas vou complementar uma informação aqui. O imposto de renda que incide sobre o salário de professores universitários no Reino Unido bate na faixa dos 40%. Na Dinamarca, 45%. E mesmo nos EUA, chega a 35%. Já dei aula nos EUA, como professor visitante, duas vezes. Na primeira, não lembro. Na segunda, meus descontos chegaram justamente na faixa dos 35%. Aqui, chega à faixa máxima, que é apenas 27,5%.

        Aliás, pra resolver mesmo a qualidade da oferta de serviços públicos, não será suficiente taxar juros e dividendos, será preciso também criar pelo menos uma nova alíquota mais alta de IRPF. É provável que meu salário bata nessa nova alíquota. Terei que pagar mais IRPF. Será por uma boa causa.
        Eu não incluí essa discussão sobre imposto de renda no meu texto, pois já estava arrumando confusão demais, rsrs.

  2. Os dirigentes do PT viraram burocratas dissociados da realidade

    Hoje foi publicado um artigo do Valter Pomar, falando da Mirian Leitão

    falando o que ?
    Nada que a população informada já não saiba
    e a população desinformada nunca terá acesso

    O PT continua usando mimeografo para sua comunicação

  3. Por que funcionários públicos, inclusive professores universitários não fazem greve quando o governo é de direita? Segundo me consta, funcionários públicos, inclusive professores universitários não tiveram aumento nos governos Temer&Bolsonaro? Serão esses os chamados “isentões”?

  4. É aparentemente estranha a escolha do professor utilizar as condições nacionais de renda per capita para argumentar a suficiência salarial do professorado em diferentes países e não se ater à argumentação grevista (perda da capacidade salarial pela acumulação inflacionária), realizando uma crítica contundente. não focar nas considerações sobre perda da capacidade de compra entre os diferentes salários apresentados. Cada um dos países que aponta possuem condições econômicas de inflação muito distantes da realidade brasileira. Em uma brincadeira rápida com qualquer calculadora de inflação, utilizando dados do FMI, OCDE e Banco Mundial, encontramos aumentos de preços para Espanha, Reino Unido, EUA e Dinamarca, em um período de 13 anos (2010-2023), na faixa de 24-35%, enquanto para o Brasil são 114,79!. Se pegarmos 100 unidades da moeda nacional e verificarmos a perda do valor de compra, nesse período, temos perdas na capacidade de compra ao entorno de 20-28%. Para o Real temos esse valor base de 100R$ (2013) caindo para 44,10R$ (2023), são 55,90% de perda no valor de compra da moeda.

  5. Há um erro econômico fundamental na sua análise “comparativa”, que compara valores nominais com valores nominais de salários (apenas com conversão cambial meio bruta), ao invés de uma comparação mais verdadeira, isto é, em termos de paridade do poder de compra. A comparação trazida em termos nominais puros é inútil, desinforma, ao invés de informar. Em relação ao segundo ponto, o governo tem a obrigação de fazer política econômica progressista, mas é o dogma austerista que Haddad adotou (ouvindo mais o pessoal da PUC-RIO do que do IE/Unicamp, ultimamente), que representa o verdadeiro e real risco ao sucesso do governo. Se o governo se dobrar, e Haddad está se dobrando a olhos vistos, às teses austeristas, cometerá austericidio, e isso nada tem a ver com a greve das IFES. O governo precisa escolher bem seus aliados, e seus adversários. Lula e Haddad parece que estão escolhendo a Faria Limae o agronegócio, as corporações militares e policiais, e voltando as costas aos seus aliados históricos. Não é “dor de corno” (não faça troça com assunto sério, tenha respeito). É percepção. As universidades estão caindo aos pedaços, pós graduandos estão sem bolsa, país afora, e o governo anuncia construção de novas instituições e repatriação de pesquisadores? Com que dinheiro, já que o argumento austerista de sempre – quase à la Milei – é que acabou o dinheiro? Não é uma questão de dinheiro, é de prioridade, de economia política do orçamento federal, e de captura do governo pelas teses austeristas. A greve é justa, legítima, e o governo precisa dessa chamada de atenção. Se acordar a tempo, poderá ser um grande governo progressista. Se deixar Haddad se dobrando à Faria Lima por medo de ser o que se é – um governo de esquerda – estará pavimentando o caminho para zemas, tarcisios, caiados ou micheles em 2026.

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