Jorge Alexandre Neves
Jorge Alexandre Barbosa Neves professor Titular de Sociologia da UFMG, Ph.D. pela Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA. Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin, também nos EUA, e da Universidad del Norte, na Colômbia.
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Minha granada, minha vida, por Jorge Alexandre Neves

É mais do que óbvio que nos anos de 2020 e 2021 era inviável para qualquer categoria laboral fazer manifestações.

Minha granada, minha vida

por Jorge Alexandre Neves

          Li na grande mídia que sindicatos de servidores públicos federais estão convocando uma grande “marcha nacional” em Brasília para o próximo dia 17 deste mês. Confesso considerar estupefaciente esta e  outras iniciativas que estão pipocando entre servidores públicos federais. Quanto ativismo, não? Que contraste com o que se viu durante o governo de Bolsonaro! Por que será?

          É mais do que óbvio que nos anos de 2020 e 2021 era inviável para qualquer categoria laboral fazer manifestações. A situação pandêmica não permitia. Contudo, iniciamos o ano de 2022 com condições muito favoráveis para manifestações de servidores públicos, a saber:

  • Já fazia um ano que tinha sido iniciada a vacinação e, assim, todos já estávamos vacinados.
  • Todas as categorias laborais tinham acabado de sentir um baque muito forte no poder aquisitivo, visto que a inflação do ano anterior havia superado os 10%, como pode ser visto no gráfico abaixo.
  • A esmagadora maioria das categorias laborais de servidores públicos vinha de três anos de humilhações e exposições a agressões morais por parte de um governo cujo ministro da economia nos havia explicitamente tratado como inimigo e dito que havia conseguido colocar uma granada em nosso bolso. No caso dos servidores docentes e técnico-administrativos das IFES, então, as agressões e constrangimentos foram ainda maiores, pois vários ministros da educação tinham feito questão de nos agredir e humilhar. Adicionalmente, era o quarto ano de um governo que não nos havia dado qualquer reposição salarial
  • Durante a pandemia, algumas áreas do serviço público, em particular do setor de saúde, haviam conquistado a confiança e o apoio da população, pois tinham provado sua relevância.
  • Tramitava no Congresso Nacional uma proposta legislativa de reforma administrativa que, entre outros pontos, ameaçava acabar com a estabilidade no serviço público federal.

          Todavia, apesar do contexto favorável, as categorias laborais do serviço público federal, em geral, não promoveram qualquer tipo de mobilização, preferindo ficar inerte diante de um governo de estilo fascista, que agredia diuturnamente a democracia e suas instituições. Por que tanto imobilismo?

Depois de um processo eleitoral extremamente conturbado, a democracia venceu e foi eleito o Presidente Lula, para o exercício de seu terceiro mandato. De imediato, depois de muita negociação com um Congresso Nacional bastante hostil, o novo governo conseguiu aprovar uma reposição linear de 9% para todas as categorias laborais de servidores públicos federais civis, depois de anos sem qualquer reposição. Desde então, as restrições orçamentárias impostas por uma regra fiscal bastante dura – porém, mais flexível do que aquela que existia antes, mas que nunca foi aplicada realmente – criam fortes barreiras para a concessão de reposições salariais que permitam a recomposição das perdas nos proventos da maior parte das categorias de servidores públicos federais.

Além das dificuldades geradas pelas restrições fiscais, o terceiro governo Lula, que, apesar de seu caráter de frente ampla, tem um perfil progressista, está hoje sob forte cerco da mídia, do Congresso Nacional e da extrema direita em nível mundial (vide o que Musk está fazendo), bem como tem que lidar com forças armadas tomadas pelo golpismo. A sobrevivência da democracia brasileira continua, pois, sob forte ameaça.

Apesar dessa conjuntura, várias categorias laborais de servidores públicos têm decidido não apenas fazer manifestações para pressionar o governo federal, bem como têm declarado greves. Quanto menor o poder de barganha da categoria, mais provável está sendo que ela deflagre greves. Como o poder de agenda das carreiras universitárias docentes e técnico-administrativas é muito baixo, as greves já começam a pipocar.

Na universidade na qual trabalho, por exemplo, a categoria técnico-administrativa já iniciou seu movimento paredista há algumas semanas. Todavia, é uma greve “cabeça de bacalhau”. Onde estão os grevistas? Onde? Não conseguimos vê-los! Não há servidores e servidoras nos campi fazendo panfletagem, buscando esclarecer a comunidade universitária em geral sobre o movimento. Não vi nenhuma passeata dentro ou fora dos campi. Pergunto a estudantes com quem converso se sabem a razão pela qual está ocorrendo a greve. A resposta é não! E não sabem porque os grevistas simplesmente não têm feito nada para informá-los, pois ninguém sabe onde estão. Daí tratar-se de uma greve de “cabeça de bacalhau”. Repito a pergunta: onde diabos estão os grevistas? Onde?

Considero que não há uma única mísera explicação minimamente aceitável para que categorias de servidores públicos federais partam para movimentos grevistas neste momento, quando ficaram totalmente inertes em 2022, assistindo passivamente a democracia brasileira correr sérios riscos, bem como o Estado que os emprega ser destruído por dentro. Devem ter gostado do programa “minha granada, minha vida” promovido pelo governo anterior. Sinceramente, na minha opinião, o que nós, servidores públicos federais do poder executivo estamos mostrando com esse tipo de atitude não passa de covardia, falta de compromisso com a democracia e total ausência de espírito público! Somos patógenos oportunistas que estão se aproveitando de um governo que está fragilizado diante de inimigos dos mais perigosos (para todos nós, por sinal) para ver se conseguimos tirar uma lasquinha. Ao mesmo tempo, nunca nos mobilizamos para buscar direitos universais junto com a classe trabalhadora, como fizeram as categorias profissionais europeias. Já pensaram se tivéssemos nossos filhos e filhas em escolas públicas e não pagássemos esses escorchantes seguros de saúde? Teríamos um extraordinário ganho de renda! Mas nunca agimos dessa forma, pois nosso caráter fortemente estamental nos faz sempre buscar a distinção. Para homenagear a nós todos, proponho assistirmos um curtíssimo vídeo de uma fala do saudoso Prof. Mílton Santos, que pode ser visto aqui:

P.S.: Enquanto eu terminava de escrever este texto, fui informado de que a categoria docente da minha universidade decidiu entrar em greve. Não contem comigo!

Jorge Alexandre Barbosa Neves – Ph.D, University of Wisconsin – Madison, 1997.  Pesquisador PQ do CNPq. Pesquisador Visitante University of Texas – Austin. Professor Titular do Departamento de Sociologia – UFMG – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas

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Jorge Alexandre Neves

Jorge Alexandre Barbosa Neves professor Titular de Sociologia da UFMG, Ph.D. pela Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA. Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin, também nos EUA, e da Universidad del Norte, na Colômbia.

5 Comentários

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  1. Escrevo como estudante da UFMG, já tendo sido estudante do professor Jorge.

    É “estupefaciente” a memória seletiva do professor quanto as mobilizações ocorridas contra os ataques fascistas do gov. Bolsonaro a educação, que teve ampla participação da categoria que agora clama pela greve.
    Além de desconsiderar esse histórico, ignora os interventores postos nas reitorias de todo o país, as ameaças e cortes relâmpagos na faixa dos bilhões das pastas ministeriais.

    Além desse fator de impacto sentido. O campo “progressista” estava preso (ainda está) à atuação petista, que estava centrada em contornar as condições políticas do atual presidente. Com isso, grandes manifestações de rua que surgiram foram cooptadas à tática da disputa eleitoral, que
    minaram as mobilizações de rua de múltiplas organizações.

    Quando a promessa de retirar o facista do poder ocorre, todos recebem margem para um suspiro. Uma leve brecha do horror. Mas que não se expande ao longo do primeiro ano de Lula III, que se o professor não recorda,finaliza-se com a instauração de um Arcabouço Fiscal que restringe o crescimento do gasto público primário!

    Em clara continuidade da política neoliberal, e efetivando inegável estelionato eleitoral, o governo Lula inicia este ano, 2024, com um corte de 300 milhões na pasta da educação, e sem ao menos revogar os ostensivos cortes executados desde o governo Dilma e recrudescidos nos desgovernos Temer e Bolsonaro.

    Então porquê agora ? Por quê a universidade brasileira foi traída, por quê não dá pra continuar como tá seguindo.

    Todo apoio à greve. Que a universidade se fortaleça, por quê um dia pretendo tocar meus trabalhos nela, lutar por uma forma de produzir ciência, fora da austeridade neoliberal. E é preciso que se ela se fortaleça cada vez mais.

  2. Sou servidor técnico-administrativo da mesma universidade do autor do texto e há um cronograma de luta da greve sendo cumprido por mim e por meus pares. O autor é simplesmente um reacionário cujo único recurso é publicar inverdades sobre a greve.

  3. A questão é simples. Só não entende quem não quer.
    Os servidores estão com perdas acumuladas desde o início do governo/golpe do Temer.
    Alguns servidores que, embora sejam dedicação exclusiva, têm outras fontes de renda não entendem as greves. Provavelmente as outras fontes de renda têm sido reajustadas ou o somatório é tal que as perdas inflacionárias nem fazem diferença.
    Por fim, necessário dizer que existem muitos servidores desinformados (ou alienados?), a pauta dos docentes das universidades, por exemplo, não é apenas reposição de perdas salariais, mas quem disse que isto interessa aos deuses?

  4. As razões da greve: um professor da carreira de magistério superior, sendo apenas graduado e sob regime de 40 horas, tem a remuneração de R$3.600,00. O piso salarial nacional do magistério de Educação Básica é de R$4.600,00, para regime de 40 horas. O mesmo profissional, com a mesma formação e com a mesma carga horária, caso seja delegado da PF ou da PRF, tem salário de R$27.000,00. Caso seja auditor da Receita Federal, terá salário de R$23.000,00. Além disso, há um conjunto de normas e portarias editadas durante os governos golpistas de Temer/Bolsonaro que o governo Lula havia prometido anular. Há o orçamento das IFES e IFs que o governo Lula havia prometido recompor. Há o orçamento de CAPES e CNPq, que o governo Lula havia prometido recompor. Há a reforma do ensino médio promovida por Temer, que retira, por exemplo, Sociologia da formação de ensino médio, que o governo Lula havia prometido anular. Há, enfim, demandas e demandas dos trabalhadores do setor público na área da educação federal, bem como dos estudantes, que votaram maciçamente em Lula e por ele fizeram campanhas, que não estão sendo satisfeitas após 16 meses de governo. Chega de esperar! O MEC não pode ouvir simplesmente Lemman e seus prepostos diversos.

  5. Excelente síntese! Estavam todos acuados no último governo e agora querem greve a qualquer custo! Mesmo com propostas de negociação sendo feitas! Nem se importam se uma greve pode fragilizar o atual governo porque infelizmente o fascismo ainda não acabou!
    Muita covardia mesmo!
    Parabéns pela coragem de dizer tudo isso Professor!

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