No respeito à Constituição não há espaço para o extremismo, por Luiz Felipe Panelli

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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No respeito à Constituição não há espaço para o extremismo

por Luiz Felipe Panelli 

O ano de 2016 está trazendo alguns desafios ao constitucionalismo mundial. Aqueles que acreditam que o poder deve ser exercido de forma temporária, limitada e sujeita a mecanismos de controle e responsabilidade não estão conseguindo vencer a batalha da retórica – que, no mais das vezes, é tão importante do que a batalha política. Nos Estados Unidos, país que deu imensa contribuição ao constitucionalismo, a candidatura de Trump demonstra que parte do eleitorado se deixa seduzir por uma retórica tola; na Europa, o perigo do terrorismo faz com que seja entoado o mantra da suspensão de direitos; no Brasil, a crise política tomou grandes proporções.

É fácil falar da preservação da ordem constitucional em tempos de prosperidade e paz, mas é em tempos de extremismo ideológico que nossa adesão à doutrina constitucional é testada. E, em uma época de acontecimentos políticos imprevisíveis, a doutrina constitucionalista, que é naturalmente moderada, não tem a mesma sedução de demagogos que prometem soluções simples e rápidas para várias questões. Propor uma sandice (como construir uma enorme muralha na fronteira entre EUA e México) gera manchetes; o apelo midiático de soluções simplistas e radicais é imensamente maior do que o debate sincero – e demorado – sobre questões complexas.

Vivemos a era da mídia, da imagem, da transmissão em tempo real. Nesta era, o Direito, com suas lentas deliberações, não tem espaço. Ninguém quer saber de um governante amarrado por uma incômoda legalidade. O zeitgeist atual é de ação, não de razão. Nesta catarse coletiva, pensar é um ato incômodo. Colocar-se como um observador neutro é um pecado, pois tempos extremos exigem atitude; é preciso posicionar-se. Há um código de “amigo-inimigo” em qualquer discurso.

Arrisco-me, porém, a ir contra a onda do extremismo e tentar analisar a atual crise política brasileira de forma fria. Primeiramente, creio que o instituto do impeachment, em si, nada tem de “golpista”, desde que observados os parâmetros constitucionais: caracterização de um crime de responsabilidade e observância do procedimento. Impopularidade de um governo não é motivo idôneo para sua remoção (e esta é, talvez, uma fraqueza do regime presidencialista ante o parlamentarismo) e os defensores do impeachment têm que ter isto claro. Da mesma forma, os que se opõem à remoção da atual presidente têm que lembrar que, caracterizado o crime de responsabilidade, a Constituição determina que seja feito o impeachment. Goste-se ou não do Congresso, é ele quem detém poder de decisão. Se o Congresso é tão ruim, por que não fizemos uma reforma política substancial quando tivemos a chance?

Qualquer solução contrária à Constituição deve ser rechaçada. Isto vale tanto para os oposicionistas que pedem uma intervenção militar (atitude extremamente infeliz, considerando as péssimas memórias da ditadura) quanto para os governistas que prometem “incendiar o país” ou pedir à presidente que declare Estado de Defesa, medida totalmente inadequada e autoritária.

Há uma analogia conhecida em direito constitucional, de que o extremismo é uma espécie de canto das sereias: parece bonito e é sedutor, mas, se nos deixarmos levar por ele, afundaremos. A solução para os problemas – sejam do Brasil, dos EUA ou da Europa – passa necessariamente pelo repúdio ao extremismo, pela adesão ao constitucionalismo e pela quebra do binômio retórico “amigo-inimigo”. Requer compromisso, reflexão, tolerância e moderação, qualidades difíceis nos tristes tempos atuais.

Luiz Felipe Panelli é especialista em Direito Constitucional e pesquisador do Grupo de Estudos Direito, Estado e Sociedade da FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

2 Comentários

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  1. Constituição

    Boa análise, a não ser pelo fato de que Estado de Defesa e Estado de Sítio também são constitucionais, em caso de ameaça à democracia, que é o que vivemos (ou não?), com uma rede de televisão estimulando a violência e a desordem, convocando à derrubada do governo, que foi eleito pela maioria do povo, do qual, segundo o primeiro artigo da Constituição, vem todo o poder dos seus representantes. Se a presidenta provavelmente não usará tais dispositivos, não duvidemos de que o vice-presidente, uma vez empossado presidente, e sem a legitimidade conferida pelo povo (alguém acredita que Temer é mais popular do que Dilma?) não hesitará em acioná-los e convocar as Forças Armadas para reprimir a reação popular que se seguir ao golpe. Aí o Estado de Sítio será legítimo? Uma rede de televisão pode derrubar um governo e um governo não pode derrubar uma rede de televisão? Quem tem mais poder constitucional, a presidenta da República ou uma rede de televisão? Por acaso o vice-presidente está isento dos possíveis crimes que a presidente cometeu? O fato é que não se trata de um caso de crime de responsabilidade da presidenta que por isso é afastada pelo Congresso e no seu lugar assume o vice. Trata-se de uma articulação política para afastar a presidenta e colocar no seu lugar o vice-presidente e os que perderam a eleição. Isto é golpe contra a vontade da maioria do povo que elegeu a presidenta. Se o caso é que o governo perdeu a maioria ou não é bom, então temos de discutir a mudança do regime, de presidencialista para parlamentarista, ou outra forma de presidencialismo que não possibilite essa perda de maioria. Como disse o ministro do STF Marco Aurélio, é inconcebível que um vice-presidente e seu partido, eleitos juntamento com o governo, abandonem este no meio do caminho. O interesse em questão não é nem um pouco elevado, não é em nome do país, mas do oportunismo; não é contra a corrupção, mas talvez em sua defesa. 

  2. Malabarismos

    Sinceramente, acho puro malabarismo teórico o esforço de alguns em manter certa equidistância de análise em relação à atual crise política. O discurso da “isenção” passa a ideia de neutralidade e descompromisso com o Brasil. É possível ser isento quando o que está em jogo é a ordem democrática? Então, se 342 deputados resolvem “rasgar” a Constutuição, por aprovar o processo de impeachment sem motivação jurídica cabal, isso pode ser considerado legítimo e azar de quem não promoveu a reforma política? Não dá para aceitar esta perspectiva de “isenção”, ainda mais vindo do meio acadêmico.

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