O golpe e a encenação da grande comédia penal

Após o golpe de 2016, as autoridades brasileiras ficaram birutas. Elas já não sabem mais que Leis devem aplicar e quais não podem ser consideradas eficazes. Isto fica muito evidente quando observamos os processos criminais sacados contra líderes petistas e aqueles que são engavetados quando os suspeitos ou criminosos pertencem à quadrilha que sustenta o usurpador Michel Temer.

Algumas vezes o Código Penal está em vigor, outras vezes ele ignorado ou completado pelo acusador/julgador para possibilitar a condenação de Lula ou a absolvição de um amigo de Michel Temer. Há situações em que os princípios de Direito Penal prescritos na CF/88 estão em vigor, mas há aquelas em que eles são atenuados ou expressamente revogados durante o processo.

Submeter alguém à condição análoga ao do escravo é crime. Mas se o criminoso for um deputado ou senador da base governista o crime não pode ser investigado. Se a investigação for iniciada por um fiscal do Ministério do Trabalho o servidor responsável por ela será punido caso não acoberte o crime que foi cometido.

O Estado de Direito foi destruído. Os direitos sociais e trabalhistas foram revogados e o espaço público está sendo colonizado pelo moralismo evangélico obscurantista e insuportavelmente repressivo. A hierarquização da sociedade se tornou uma obsessão daqueles que se alçaram ao poder violentando o princípio da igualdade perante a urna. O usurpador e seus acólito desejam permanecer onde estão à qualquer custo, nem que isto custe a renúncia à soberania do país e o comprometimento do futuro econômico da nação. A Base de Alcântara será doada aos gringos, o petróleo, os aquíferos e os recursos minerais brasileiros estão sendo entregues a preço de banana aos estrangeiros.

Aos arquitetos do golpe não falta apenas racionalidade, humanidade, humildade e patriotismo. Falta-lhes também um programa consistente. Eles estão procurando formas de consolidar seu poder, mas ainda não foram capazes de elaborar um novo Código Penal que seja capaz de sustentar o passado no presente. Por isso resolvi ajudá-los.

Tudo que é preciso já está a disposição deles. A única coisa que eles precisam fazer é estudar o Código Penal de 1830 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM-16-12-1830.htm e repristinar algumas das suas disposições. Outras, porém, não poderão em hipótese alguma voltar a ter validade e eficácia.

Artigos que podem ser repristinados:

Art. 7º Nos delictos de abuso da liberdade de communicar os pensamentos, são criminosos, e por isso responsaveis:

1º O impressor, gravador, ou lithographo, os quaes ficarão isentos de responsabilidade, mostrando por escripto obrigação de responsabilidade do editor, sendo este pessoa conhecida, residente no Brazil, que esteja no gozo dos Direitos Politicos; salvo quando escrever em causa propria, caso em que se não exige esta ultima qualidade.

2º O editor, que se obrigou, o qual ficará isento de responsabilidade, mostrando obrigação, pela qual o autor se responsabilise, tendo este as mesmas qualidades exigidas no editor, para escusar o impressor.

3º O autor, que se obrigou.

4º O vendedor, e o que fizer distribuir os impressos, ou gravuras, quando não constar quem é o impressor, ou este fôr residente em paiz estrangeiro, ou quando os impressos, e gravuras já tiverem sido condemnados por abuso, e mandados supprimir.

5º Os que communicarem por mais de quinze pessoas os escriptos não impressos, senão provarem, quem é o autor, e que circularam com o seu consentimento: provando estes requesitos, será responsavel sómente o autor.

Art. 19. Influirá tambem na aggravação, ou attenuação do crime a sensibilidade do offendido.

Art. 98. Levantar motim, ou excitar desordem, durante a sessão de um Tribunal de Justiça, ou audiencia de qualquer Juiz, de maneira que se impeça, ou perturbe o acto.

Penas – de prisão por dous a seis mezes, além das mais, em que incorrer.

Art. 113. Julgar-se-ha commettido este crime, retinindo-se vinte ou mais escravos para haverem a liberdade por meio da força.

Penas – Aos cabeças – de morte no gráo maximo; de galés perpetuas no médio; e por quinze annos no minimo; – aos mais – açoutes.

Art. 114. Se os cabeças da insurreição forem pessoas livres, incorrerão nas mesmas penas impostas, no artigo antecedente, aos cabeças, quando são escravos.

Art. 115. Ajudar, excitar, ou aconselhar escravos á insurgir-se, fornecendo-lhes armas, munições, ou outros meios para o mesmo fim.

Penas – de prisão com trabalho por vinte annos no gráo maximo; por doze no médio; e por oito no minimo.

Art. 200. Fornecer com conhecimento de causa drogas, ou quaesquer meios para produzir o aborto, ainda que este se não verifique.

Penas – de prisão com trabalho por dous a seis annos.

Se este crime fôr commettido por medico, boticario, cirurgião, ou praticante de taes artes.

Penas – dobradas.

Art. 241. O Juiz que encontrar calumnias, ou injurias, escriptas em allegações, ou cotas de autos publicos, as mandará riscar a requerimento da parte offendida, e poderá condemnar o seu autor, sendo advogado, ou procurador, em suspensão do officio por oito a trinta dias, e em multa de quatro a quarenta mil réis.

Art. 250. A mulher casada, que commetter adulterio, será punida com a pena de prisão com trabalho por um a tres annos.

A mesma pena se imporá neste caso ao adultero.

Art. 251. O homem casado, que tiver concubina, teúda, e manteúda, será punido com as penas do artigo antecedente.

Art. 276. Celebrar em casa, ou edificio, que tenha alguma fórma exterior de Templo, ou publicamente em qualquer lugar, o culto de outra Religião, que não seja a do Estado.

Penas – de serem dispersos pelo Juiz de Paz os que estiverem reunidos para o culto; da demolição da fórma exterior; e de multa de dous a doze mil réis, que pagará cada um.

Art. 277. Abusar ou zombar de qualquer culto estabelecido no Imperio, por meio de papeis impressos, lithographados, ou gravados, que se distribuirem por mais de quinze pessoas, ou por meio de discursos proferidos em publicas reuniões, ou na occasião, e lugar, em que o culto se prestar.

Penas – de prisão por um a seis mezes, e de multa correspondente á metade do tempo.

Art. 278. Propagar por meio de papeis impressos, lithographados, ou gravados, que se distribuirem por mais de quinze pessoas; ou por discursos proferidos em publicas reuniões, doutrinas que directamente destruam as verdades fundamentaes da existencia de Deus, e da immortalidade da alma.

Penas – de prisão por quatro mezes a um anno, e de multa correspondente á metade do tempo.

Art. 279. Offender evidentemente a moral publica, em papeis impressos, lithographados, ou gravados, ou em estampas, e pinturas, que se distribuirem por mais de quinze pessoas, e bem assim a respeito destas, que estejam expostas publicamente á venda.

Penas – de prisão por dous a seis mezes, de multa correspondente á metade do tempo, e de perda das estampas, e pinturas, ou na falta dellas, do seu valor.

Art. 280. Praticar qualquer acção, que na opinião publica seja considerada como evidentemente offensiva da moral, e bons costumes; sendo em lugar publico.

Penas – de prisão por dez a quarenta dias; e de multa correspondente á metade do tempo.

Art. 282. A reunião de mais de dez pessoas em uma casa em certos, e determinados dias, sómente se julgará criminosa, quando fôr para fim, de que se exija segredo dos associados, e quando neste ultimo caso não se communicar em fórma legal ao Juiz de Paz do districto, em que se fizer a reunião.

Penas – de prisão por cinco a quinze dias ao chefe, dono, morador, ou administrador da casa; e pelo dobro, em caso de reincidencia.

Art. 283. A communicação ao Juiz de Paz, deverá ser feita com declaração do fim geral da reunião, com o protesto de que se não oppõe á ordem social, dos lugares, e tempo da reunião, e dos nomes dos que dirigirem o governo da sociedade.

Será assignada pelos declarantes, e apresentada no espaço de quinze dias, depois da primeira reunião.

Art. 287. Se o ajuntamento illicito tiver por fim impedir a percepção de alguma taxa, direito, contribuição, ou tributo legitimamente imposto; ou a execução de alguma Lei, ou sentença; ou se fôr destinado a soltar algum réo legalmente preso.

Penas – de quarenta a quatrocentos mil réis, além das mais, em que o réo tiver incorrido.

Art. 288. Os que se tiverem retirado do ajuntamento illicito, antes de se haver commettido algum acto de violencia, não incorrerão em pena alguma.

Art. 295. Não tomar qualquer pessoa uma occupação honesta, e util, de que passa subsistir, depois de advertido pelo Juiz de Paz, não tendo renda sufficiente.

Pena – de prisão com trabalho por oito a vinte e quatro dias.

Art. 296. Andar mendigando:

1º Nos lugares, em que existem estabelecimentos publicos para os mendigos, ou havendo pessoa, que se offereça a sustental-os.

2º Quando os que mendigarem estiverem em termos de trabalhar, ainda que nos lugares não hajam os ditos estabelecimentos.

3º Quando fingirem chagas, ou outras enfermidades.

4º Quando mesmo invalidos mendigarem em reunião de quatro, ou mais, não sendo pai, e filhos, e não se incluindo tambem no numero dos quatro as mulheres, que acompanharem seus maridos, e os moços, que guiarem os cégos.

Penas – de prisão simples, ou com trabalho, segundo o estado das forças do mendigo, por oito dias a um mez.

Art. 307. Deixar de remetter ao Promotor um exemplar do escripto, ou obra impressa, no dia da sua publicação, e distribuição.

Pena – de multa de dez a trinta mil réis.

Artigos que não podem ser repristinados:

Art. 9º Não se julgarão criminosos:

1º Os que imprimirem, e de qualquer modo fizerem circular as opiniões, e os discursos, enunciados pelos Senadores, ou Deputados no exercicio de suas funcções, com tanto que não sejam alterados essensialmente na substancia.

2º Os que fizerem analyses razoaveis dos principios, e usos religiosos.

3º Os que fizerem analyses rasoaveis da Constituição, não se atacando as suas bases fundamentaes; e das Leis existentes, não se provocando a desobediencia á ellas.

4º Os que censurarem os actos do Governo, e da Publica Administração, em termos, posto que vigorosos, decentes, e comedidos.

Art. 76. Entregar de facto qualquer porção de territorio do Imperio, ou que elle tenha occupado, ou quaesquer objectos, que lhe pertençam, ou de que esteja na posse, ao inimigo interno ou a qualquer nação estrangeira, tendo meios de defeza.

Penas – de prisão com trabalho por dous a dezoito annos.

Art. 77. Comprometter em qualquer Tratado, ou Convenção, a honra, dignidade, fé, ou interesses nacionaes.

Penas – de prisão por dous a doze annos.

Art. 72. Entreter com uma nação inimiga, ou com os seus agentes, intelligencias, porque se lhes communique o estado de forças do Imperio, seus recursos, ou planos; ou dar entrada, e auxilio a espiões, ou a soldados inimigos mandados a pesquizar as operações do Imperio, conhecendo-os por taes.

Penas – de prisão com trabalho por vinte annos no gráo maximo; por doze no médio; e por seis no minimo.

Art. 112. Não se julgará sedição o ajuntamento do povo desarmado, em ordem, para o fim de representar as injustiças, e vexações, e o máo procedimento dos empregados publicos.

Art. 130. Receber dinheiro, ou outro algum donativo; ou aceitar promessa directa, e indirectamente para praticar, ou deixar de praticar algum acto de officio contra, ou segundo a lei.

Penas – de perda do emprego com inhabilidade para outro qualquer; de multa igual ao tresdobro da peita; e de prisão por tres a nove mezes.

A pena de prisão não terá lugar, quando o acto, em vista do qual se recebeu, ou aceitou a peita, se não tiver effectuado.

Art. 131. Nas mesmas penas incorrerá o Juiz de Direito, de Facto, ou Arbitro, que por peita der sentença, posto que justa seja.

Se a sentença fôr injusta, a prisão será de seis mezes a dous annos; e se fôr criminal condemnatoria, soffrerá o peitado a mesma pena, que tiver imposto, ao que condemnára, menos a de morte, quando o condemnado a não tiver soffrido; caso, em que se imporá ao réo a de prisão perpetua.

Em todos estes casos a sentença, dada por peita, será nulla.

Art. 132. O que der, ou prometter peita, será punido com as mesmas penas impostas ao peitado na conformidade dos artigos antecedentes, menos a de perda do emprego, quando o tiver; e todo o acto, em que intervir a peita, será nullo.

Art. 159. Negar, ou demorar a administração da Justiça, que couber em suas attribuições, ou qualquer auxilio, que legalmente se lhe peça, ou a causa publica exija.

Penas – de suspensão do emprego por quinze dias a tres mezes, e de multa correspondente á terça parte do tempo.

Art. 160. Julgar, ou proceder contra lei expressa.

Penas – de suspensão do emprego por um a tres annos.

Art. 161. Se pelo julgamento em processo criminal impozer ao réo maior pena, do que a expressa na lei.

Penas – de perda do emprego, e de prisão por um a seis annos.

Art. 162. Infringir as leis, que regulam a ordem do processo, dando causa á que seja reformado.

Penas – de fazer a reforma á sua custa, e de multa igual á despeza que nella se fizer.

Art. 163. Julgarem os Juizes de Direito, ou os de Facto, causas, em que a lei os tenha declarado suspeitos, ou em que as partes os hajam legitimamente recusado, ou dado por suspeitos.

Penas – de suspensão por um a tres annos, e de multa correspondente á sexta parte do tempo.

Art. 164. Revelar algum segredo, de que esteja instruido em razão de officio.

Penas – de suspensão do emprego por dous a dezoito mezes, e de muita correspondente á metade do tempo.

Art. 165. Se a revelação fôr de segredo, que interesse á Independencia, e Integridade da Nação, em algum dos casos especificados no Titulo primeiro, Capitulo primeiro.

Penas – dobradas.

Art. 169. Jurar falso em juizo.

Se a causa, em que se prestar o juramento fôr civil.

Penas – de prisão com trabalho por um mez a um anno, e de multa de cinco a vinte por cento do valor da causa.

Se a causa fôr criminal, e o juramento para absolvição do réo.

Penas – de prisão com trabalho por dous mezes a dous annos, e de multa correspondente á metade do tempo.

Se fôr para a condemnação do réo em causa capital.

Penas – de gales perpetuas no gráo maximo prisão com trabalho por quinze annos no médio; e por oito no minimo.

Se fôr para a condemnação em causa não capital.

Penas – de prisão com trabalho por tres a nove annos, e de multa correspondente á metade do tempo.

Art. 170. Apropriar-se o empregado publico, consumir, extraviar, ou consentir que outrem se aproprie, consuma, ou extravie, em todo ou em parte, dinheiros, ou effeitos publicos, que tiver a seu cargo.

Penas – de perda do emprego, prisão com trabalho por dous mezes a quatro annos, e multa de cinco a vinte por cento da quantia, ou valor dos effeitos apropriados, consumidos, ou extraviados.

Art. 179. Reluzir á escravidão a pessoa livre, que se achar em posse da sua liberdade.

Penas – de prisão por tres a nove annos, e de multa correspondente á terça parte do tempo; nunca porém o tempo de prisão será menor, que o do captiveiro injusto, e mais uma terça parte.

Quando um golpe de estado projeta o passado no futuro para consolidar seu poder o resultado nem sempre é o desejado. A realidade não pode ser construída artificialmente por um moralismo que foi historicamente ultrapassado. Isso porque o artifício pode ser e será notado pela maioria das pessoas. Não é possível reconstruir no presente relações sociais escravocratas substituídas há quase um século por relações de trabalho baseadas no reconhecimento da dignidade do trabalho e na valorização do trabalhador.

Uma tirania como a que foi imposta ao país em 2016 é capaz de sobrepujar a violência com meios violentos. Mas ela não resiste ao riso. E a melhor coisa que podemos fazer neste momento é rir dos juristas, juízes e procuradores que procuram inutilmente dar vida nova ao que não pode ser.    

 
Fábio de Oliveira Ribeiro

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