Por que Bolsonaro se auto-incriminaria com a divulgação de trechos de vídeo?

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Medidas de Bolsonaro para evitar que a íntegra do vídeo seja de acesso público atingiram ápice, entregando, espontaneamente, a transcrição de alguns trechos

Jornal GGN – Continua a saga da divulgação do vídeo da reunião em que Jair Bolsonaro afirmou que iria “interferir” na Polícia Federal (PF). As medidas, a todo custo, do mandatário para evitar que a íntegra do vídeo seja de acesso público, de todos os brasileiros, atingiu seu ápice nesta quinta (14), quando a defesa de Jair Bolsonaro se antecipou à determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) e entregou, espontaneamente, a transcrição do encontro. Com um porém: somente alguns trechos foram transcritos.

O caminho a seguir era previsível. Querendo abafar contradições de sua suposta inocência, de que não teria ameaçado a saída de Sérgio Moro para a troca do comando da Polícia Federal e que “em nenhum momento” teria pronunciado a PF na reunião, a defesa oficial do governo, Advocacia-Geral da União (AGU) entregou ao ministro Celso de Mello, relator da investigação no Supremo, os trechos.

Não foi um pedido do ministro do STF. A AGU antecipou-se a uma decisão sobre a liberação do vídeo para o acesso público. O objetivo era, de um lado, aparentar a transparência do governo e a falta de receio do conteúdo da reunião, e de outro, filtrar justamente o que a população teria conhecimento desta data.

Para isso, a transcrição fornecida pela AGU tratou de incluir os trechos que, apesar de algo polêmicos, restringiam-se ao mote da investigação – a interferência de Jair Bolsonaro na PF para atender a interesses pessoais.

Daí é que saíram as frases “Já tentei trocar gente de segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente e não consegui”, “Não vou esperar foder minha família toda de sacanagem, ou amigo meu”, “Pô, eu tenho a PF, que não me dá informações” e “Vou interferir. Ponto final”. O que faria o próprio presidente Jair Bolsonaro, por meio de sua defesa AGU, transcrever falas que auto-incriminam o mandatário?

A resposta está no próprio percurso tomado por Bolsonaro e sua defesa desde o início do processo, com relação ao fim deste vídeo. Conforme o GGN retratou (aqui), outros conteúdos desta gravação poderiam prejudicar em peso ainda maior o mandatário do que o trabalho que teria para se defender das suas próprias afirmações de que iria “interferir” na polícia federal.

O vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril segue sob sigilo e foi transmitido uma única vez, em sessão de investigadores e procuradores da República junto a testemunhas solicitadas por Sérgio Moro, o acusador, no início desta semana. Aos jornais, as fontes que acompanharam a exibição da íntegra da reunião afirmaram que Bolsonaro usou palavrões e fez ameaças.

Mas que também outros ministros do gabinete de governo de Jair Bolsonaro transmitiram insinuações e declarações polêmicas (leia aqui). Entre elas, a ministra da Família, Damares Alves, teria defendido a prisão de governadores e prefeitos, em meio às medidas tomadas por tais lideranças políticas para combater o coronavírus, contrárias às posições de “normalidade” defendidas por Bolsonaro. Nessa mesma linha, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, teria atacado ministros do Supremo, dizendo que alguns deles também deveriam ser presos.

O presidente Jair Bolsonaro teria insinuado, neste encontro, que a divulgação dos resultados de seu exame de Covid-19 poderiam motivar a abertura de um impeachment contra ele. Os exames -chamados por ele nessa reunião de “porcaria”- deram negativo e não se sabe se a razão por chegar a esta lógica foram o uso de codinomes pelo mandatário para testar sua saúde.

E, ainda, o ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, teria insultado a China, forte parceiro econômico do Brasil, que já mantém relações exteriores delicadas com o país desde o início do governo Bolsonaro, e que hoje os cidadãos brasileiros dependem para o envio de equipamentos de proteção individual contra o coronavírus e respiradores para os internados por Covid-19. Dizendo ser culpa da China, o representante das negociações internacionais do Brasil denominou a pandemia de “comunavírus”.

Estas são algumas das informações que foram repassadas por fontes que assistiram o vídeo da reunião do presidente Jair Bolsonaro com seus ministros, no dia 22 de março, que não somente carregariam as provas de que o mandatário transmitiu com suas próprias palavras a intenção de interferir na Polícia Federal, mas também impactariam, ainda mais, na governabilidade de Bolsonaro e da imagem do Brasil no exterior em meio à maior crise desde a Grande Depressão de 1929.

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

2 Comentários

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  1. O sujeito está muito seguro de si. Isso já vem de longe. Sabe que está bancado e bem bancado.
    O motivo de não querer mostrar o vídeo na íntegra é o mesmo de não mostrar os exames: deixar a mídia nesta eterna cortina de fumaça onde nós, o povo,ficamos a mercê de todo tipo de enganação.
    O que o sujeito diz ou não diz não tem a menor importância diante do caos em que se encontra o país, sanitário, econômico e,sobretudo, politicamente e tudo isso porque o sujeito está sendo bancado pela mão invisível. Sempre ela.

  2. Moro, em seu combinado com sua parceira globo, deve estar ciente de que falas durante a reunião complicam para muitos outros do governo. Se for liberado ou vazado, a globo vai se divertir por 15 dias para faturar em audiência e começar a campanha de seus preferidos

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