Sobre a guerra e a chamada nova ordem mundial, por Roberto Bitencourt da Silva

A Europa Ocidental também sofrerá prejuízos com a tentativa de isolamento russo, de imediato com a suspensão da oferta do gás fornecido pela Rússia, que compreende cerca de 40% do consumo de gás natural europeu.

Sobre a guerra e a chamada nova ordem mundial

por Roberto Bitencourt da Silva

Faço abaixo alguns comentários rápidos a respeito daquilo que tem sido chamado de uma possível e emergente nova ordem mundial, potencialmente oriunda da estreita articulação militar, comercial e diplomática, entre Rússia e China, bem como devido ao atual conflito envolvendo EUA/OTAN/Ucrânia/Rússia.

1. Realmente, dão náuseas alguns perfis de observações apresentadas por setores do jornalismo ocidental, entenda-se, veículos dos EUA e da Europa Ocidental. Sensibilizam-se com eventuais mortes e demais danos causados aos ucranianos por serem “brancos, loiros, como a gente”, não sendo “sírios, iraquianos, bombardeados”… Não surpreende. É uma típica verbalização imperialista e racista, mimetizada pela grande mídia daqui. É a “sociologia das nações salteadores”, diria o velho e grande pensador brasileiro Manoel Bomfim. 

2. As sanções econômicas impostas à Rússia pelos Estados Unidos e por países europeus são ilegítimas, pois são adotadas na esteira de inadmissíveis provocações feitas aos russos, pretendendo expandir a atuação da Otan até a fronteira russa. É grande o número de bases militares americanas em solo europeu, com tropas e armamentos mirando a Rússia.  

3. A resposta do governo da Rússia é compreensível e as classes dirigentes da Ucrânia, submetendo-se a esse jogo maior das potências imperialistas ocidentais, promovem uma sangria bélica desnecessária e que causa apreensão mundial. Seguramente as referidas sanções econômicas irão provocar perdas materiais ao país e ponderável desconforto à população russa.

4. A Europa Ocidental também sofrerá prejuízos com a tentativa de isolamento russo, de imediato com a suspensão da oferta do gás fornecido pela Rússia, que compreende cerca de 40% do consumo de gás natural europeu. A médio prazo, a Europa só terá salvação civilizada com uma ampla mobilização e politização das suas classes trabalhadoras, clamando contra a Otan, pela expulsão de tropas e o fechamento das bases militares americanas, também contra os rigores neoliberais da União Europeia. Fora disso, os custos da vassalagem aos EUA serão cada vez mais maiores, crescentes e indignos.

5. A situação dos países da periferia capitalista demandará das suas classes trabalhadoras e intermediárias graus inauditos de organização política e pendores revolucionários, norteados por aspirações anti-imperialistas, nacionalistas e socializantes. Já não bastasse a conflagração de baixa intensidade EUA/China, nos últimos anos, almejando controle de fontes de energia e de matérias-primas em potencial escassez, ainda sob o quadro de uma mudança climática e de redefinição do sistema econômico internacional, a atual crise estalada na Europa vai implicar em maiores exigências do Ocidente à periferia do capitalismo, em termos de transferência de riquezas, dividendos e lucros, de modo a satisfazer as perdas europeias e o afã colonial estadunidense. Do jeito que a coisa vai, a interseção de crises vai bater muito forte no Brasil e na América Latina, em geral.

6. O anúncio recente de uma “aliança ilimitada” entre China e Rússia, como certos especialistas argumentaram, dentre eles o professor José Luiz Fiori, tende a representar o esboço de possibilidades de criação de uma nova ordem mundial. Os princípios preconizados, em torno da defesa de um mundo multipolar e que assegure o respeito à soberania das nações e à diversidade das culturas e das civilizações, preceitos igualmente críticos ao universalismo euroamericanocentrado e imperialista, consistem em um conjunto de postulados que visam alterar a configuração das relações mundiais de poder. Circunstanciais alterações muito mais afáveis aos reclamos e às necessidades dos países periféricos do que a ordem mundial preservada pelo Ocidente.

7. Na crise ora em curso na Europa, uma estreita aliança militar, diplomática e econômica envolvendo a China e a Rússia, pode engendrar condições menos desfavoráveis à Rússia, na resposta às vicissitudes a serem gestadas pelas sanções ocidentais. E projetar a China como liderança global em prol da paz global, incrementando a sua posição e legitimidade aos olhos do mundo, na disputa com os EUA pela capacidade de definir as regras que moldam as relações internacionais. A ver.

Roberto Bitencourt da Silva – historiador e cientista político.   

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

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