TCU na contramão do desenvolvimento nacional

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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do Brasil no Mundo

TCU na contramão do desenvolvimento nacional

Entrevista com Gilberto Bercovici

Por Giovani del Prete

No final do mês de junho, o Tribunal de Contas da União (TCU) fez uma auditoria e concluiu que a política de conteúdo local é danosa à Petrobras. Segundo o Tribunal, esta política é ideológica e faz da empresa vítima dos custos mais elevados e da demora na entrega dos equipamentos nacionais. A conjuntura nacional e, especialmente, o envolvimento de grandes empreiteiras na Operação Lava-Jato pressionam ainda mais para que argumentos como estes do TCU sejam mais evidenciados, pois as obras ficam ainda mais instáveis e têm os prazos comprometidos. Contudo, o professor titular de Direito Econômico da Universidade de São Paulo (USP), Gilberto Bercovici, rebateu as conclusões do TCU em entrevista à AMERI.

De acordo com o professor, até podem ocorrer certas situações em que o preço é mais alto e as entregas atrasam, pois o setor se encontra em fase de maturação e consolidação. Para Bercovici, a discussão central reside na pergunta: para que o Brasil está disposto a explorar o petróleo? Para criar empregos e gerar impostos no Brasil ou no exterior?

TCU

Depois de figurar entre as maiores do mundo no início dos anos 1980, graças aos investimentos decorrentes do 2º PND, a indústria naval nacional foi sucateada nos períodos da Crise da Dívida e das Privatizações. A partir do Pré-Sal o setor voltou a ser estimulado por conta da política de conteúdo local. Foto: Agência Petrobras.

A Petrobras é responsável pela dinâmica de cerca de 15% de toda a atividade econômica do país a partir do setor de óleo e gás. Isto ocorre, entre outras coisas, por conta da política de conteúdo local. O que o senhor tem a dizer sobre a recente conclusão do TCU de que a política de conteúdo local é danosa tanto para o país quanto para a Petrobras?
O TCU é um órgão incompetente que não tem a mínima noção do que é uma política industrial, não sabe o que é uma política de desenvolvimento. O que o TCU sabe fazer é planilha (e nem isso eu sei se eles sabem fazer direito, haja vista a lambança que eles estão fazendo com esta história do impeachment).

Este argumento é absolutamente pueril. Primeiro porque é lógico que a política de conteúdo local é mais cara, pois se não custasse mais, não seria necessária esta política. Se você quer estimular a indústria brasileira, sendo ela mais cara que a indústria internacional, obviamente você vai ter que criar mais condicionantes de compra, de conteúdo obrigatoriamente nacional para estimular e desenvolver o setor.

Segundo, demora mais? Depende da capacidade instalada, da capacidade de fornecimento. Quando não se tem esta indústria totalmente instalada no país, como é o caso, que ela está se instalando, é óbvio que vai demorar mais, que vai ter mais dificuldades, mais atraso. No entanto isso não quer dizer que seja irrelevante, eles (o TCU) simplesmente olharam para as planilhas e fizeram uma conclusão errada.

Mas então porque defender a política de conteúdo local?
O que está em jogo com a política de conteúdo local é a capacidade do Brasil ser industrialmente forte e autossuficiente. Do contrário, a demanda brasileira criará emprego e gerará impostos na Itália ou Coreia do Sul, por exemplo, que vão lucrar exportando serviços e máquinas para a exploração e produção de energia no Brasil. Dizer que a política de conteúdo local é danosa ao país é um grande erro. Com ela o Brasil estimula e desenvolve as suas próprias capacidades de sustentar as demandas do setor sem ter que importar máquinas e equipamentos, produzindo-os nacionalmente, gerando emprego e impostos no Brasil, isto é, aumentando a geração de riquezas internamente e não em outros países.

Por que o projeto de lei do senador Serra (PLS 131/2015), costurado com o governo federal, que estabelece que a Petrobras tem preferência para dizer se quer ou não ser operadora única nos campos do Pré-Sal acaba sendo o mesmo que aceitar o projeto original, o qual somente retirava a obrigatoriedade da Petrobras, sem prever a preferência da empresa? Este projeto não aliviaria a empresa de tantos compromissos financeiros que ela não está em condições de sustentar?
Porque com a atual presidência da Petrobras, a empresa nunca vai se posicionar pela preferência da operação, o que vai ocorrer é que a Petrobras vai começar a abrir mão disto e deixar com que as empresas internacionais tomem conta do nosso petróleo.

É sempre bom lembrar que a Petrobras foi construída com o dinheiro do Tesouro, este é o limite dela, este é o lastro da empresa, o próprio Tesouro Nacional, daí a confiança que vários fundos de pensão e acionistas têm com as ações da Petrobrás. A empresa estatal tem a retaguarda dos recursos do Estado para cumprir seus acordos e compromissos financeiros.

O que ocorre é que povo está assistindo “bestializado” a entrega da Petrobras para poucas pessoas, que nada têm de defensores dos interesses nacionais, são compromissadas consigo mesmas, fazendo da Petrobras um grande balcão de negócios para irrigar suas contas pessoais e sustentar o capital eleitoral de seus padrinhos políticos.

Petrobras

Celso Furtado, o primeiro petroleiro fabricado inteiramente com tecnologia nacional, batizado em homenagem a um dos grandes economistas do país. Foto: reprodução.

Mas a empresa não passa por sérios problemas de corrupção? Lembrando que em abril de 2015 a Petrobras chegou a considerar mais de R$ 6 bilhões em perdas contábeis por conta dos desvios ocorridos.
Em toda empresa tem corrupção, seja ela pública ou privada. O que ocorreu com a Petrobras foi que estabeleceram um método muito bem organizado para desviar os recursos. Os contratos eram superfaturados dentro de um limite que era aceitável pelo próprio negócio, a quantia desviada estava dentro da margem que cada contrato aceitava de sobrepreço. Por exemplo, a contratação de um determinado serviço que fosse orçado entre R$ 100 milhões e R$ 105 milhões, era fechado por R$ 102 milhões. Sendo R$ 100 milhões para a execução do serviço e os outros R$ 2 milhões eram desviados, ou seja, 2% de todo o contrato. Por isso que a própria PriceWater não conseguia detectar as fraudes, porque em termos percentuais o roubo era pequeno e passava batido pela auditoria por estar dentro da margem de negociação do próprio contrato. Em cada contrato era estabelecida uma margem diferente para ser desviada e isto fez com que não fosse possível determinar a real quantia que a empresa perdeu com corrupção.

A partir disso a PriceWater se recusou a assinar a auditoria das contas da empresa. Aí veio a então presidenta Graça Foster fazendo um verdadeiro estelionato contábil, considerando que todos os contratos que a empresa celebrou no período foram superfaturados em 3%, dando então em R$ 6 bilhões de perdas para a Petrobras. Isto é um absurdo! É uma arbitrariedade! Como eu disse, não se sabe quais são os percentuais de corrupção dos contratos e também não se sabe se todos os contratos foram superfaturados. E mesmo assim, por mais que R$ 6 bilhões seja muito dinheiro, para uma empresa do porte da Petrobras esta quantia está longe de ser alvo de grandes preocupações, muito menos ser argumento para alguns dizerem que a corrupção faliu a empresa.

Outro argumento recorrente é que o petróleo está se tornando um recurso obsoleto e em breve será ultrapassado pelas novas fontes de energia, portanto seria inteligente abrir o setor para o capital internacional explorar o petróleo o quanto antes.
Ouvi de um parlamentar, agora no dia 26 de abril que estive numa audiência pública em Brasília, que o petróleo está se esgotando e é uma espécie de “mico” para o Brasil. Aí eu digo: ainda bem que temos muitos amigos, como a Shell, a Chevron, que vão nos ajudar e pegar pra si este “mico”. Como são bondosas estas empresas, não?

No fundo, a discussão que está em pauta é a seguinte: Para que petróleo? É para estimular e desenvolver a economia nacional, gerando emprego e renda no Brasil? Ou todo este petróleo é para ser exportado pelas multinacionais, que remetem seus lucros para as matrizes sem nenhum compromisso com o desenvolvimento brasileiro?

Giovani del Prete é bacharel em Ciências e Humanidades e graduando em Relações Internacionais pela Universidade Federal do ABC (UFABC). Faz parte do grupo de estudos “Geopolítica da Energia” (UFABC) e é coordenador-geral do Centro Acadêmico de Relações Internacionais (UFABC).

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

12 Comentários

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  1. Sempre o petróleo

    Leitura indispensável sobre o tema é o livro de Daniel Yergin: Petróleo – uma história de riqueza poder e conquistas, da editora Paz e Terra.

    Ali se vê que a Inglaterra, antes da 1ª Guerra, percebeu que essa então nova tecnologia de propulsão para os navios de combate seria crucial para a Marinha. Fizeram o que? Apostaram tudo em uma empresa nacional (origem da British Petroleum- BP), para garantir seu abastecimento, inclusive com autorização do Parlamento, com envolvimento direto do então Gabinete de Guerra, cujo titular era Churchill.

    Visão estratégica que permitiu inclusive abrir a exploração das primeiras reservas no Oriente Médio, na Pérsia (atual Irã, na fronteira com o hoje Iraque), com forte apoio estatal para a empresa obter as concesões perante os governantes locais.

    Ou seja, pensavam no país e com visão de longo prazo. Não à toa, apesar das limitações de recursos naturais, a Grã Bretanha manteve-se sempre no topo da riqueza das nações.

    Aqui, ao contrário, existe essa visão estratégica às avessas de entrega de todo um patrimônio, e pior, o desenvolvimento de tecnologias e domínio de cadeias produtivas estratégicas inteiras, de mão beijada, para combater a “corrupção”.

    Tristes trópicos.

  2. Matemáticas sem fronteira

    Petrobrás olha uma situação que custa 5 e, no mercado internacional, esta custaria 4.

    TCU: Brasil perde 1 se investe aqui

    PETROBRÁS: Brasil investe 4 muito bem aqui no Brasil, e subsidia mais 1, também dntro do nosso país, gerando ainda emprego e desenvolvimento.

    Esse TCU que significa: Tribunal de Contas do Universo?

  3. TCU…

    TCU?!…. Temos um país de socialismo tupiniquim, contra a meritocracia, contra o capital, contra a livre iniciativa. Estas profissões altamente especializadas , que demandam anos de estudo aprimorado em centros de tecnologia de vanguarda e que proporcionam rendimentos e salários vultosos poderiam dar oportunidades infinitas em empresas brasileiras como Sabesp, Cetesb. Vale do Rio Doce, Embraer,  empresas de energia eletrica, de telefonia, de telecomunicações, de infarestrutura, de aviação, ferroviárias, maritimas e outra infinidade. Mas no mundinho pequeno de uma elite estatal esquerdopata, que não se enxerga de direita, sendo ela pópria a única, não consegue nem reconhecer que TCU é só um braço do próprio governo que comanda o país. O TCU é o Brasil. E O Brasil é o TCU.    

  4. O tribunal de contas da união

    O tribunal de contas da união é contra o Brasil, joga contra o desenvolvimento. São pessoas que representam as corporações e os seus salarios são pagos com o dinheiro recolhido dos impostos pagos do povo trabalhador.

    1. TCU…

      TCU não é um local feito para abrigar velhas, espertas e suspeitas raposas?  Serve para que? Temos lido algumas coisas muito feias de alguns de seus integrantes… Que se acabe com esse TCU!  Ou que se mude o nome: TAVR Tribunal de acolhimento de velhas raposas.  

  5. Parece que estamos vivendo de volta ao passado.

    Parece que estamos vivendo com o desgoverno golpista uma viagem de volta ao passado. Sem industria nacional, sem direitos trabalhistas, sem saúde publica, sem pesquisa e inovação, Só falta encontrar Cabral (não o Sérgio) pedindo desculpas aos índios pelo atraso que trouxeram a estas terras

  6. Sinceramente, se extinguise

    Sinceramente, se extinguise esse cabide de emprego de ex-deputados sem votos seria útil para o país.

    Os caras estão cegos. Daqui para frente qq politica do governo anterior, seja boa ou ruim para país, o tcu será contra, por pura ideologia. 

    O tcu não passa de um bando de congressitas aposentados que não sabe sequer o que é  debito e credito.

  7. Visão, típica da burocracia

    Visão, típica da burocracia brasileira, o TCU não tem votos, logo, nenhum compromisso com os brasileiros, preocupam-se, assim como as empresas, tão somente com os números, finanças, só que um país, uma nação, é muito mais que números, o conteúdo nacional emprega brasileiros, se fosse apenas isso já era motivo mais que suficiente para se manter tal estratégia, segundo, desenvolve tecnologias nacionais, outro ponto de suma importância, por último, se considerarmos todas essas variantes, será mesmo que é antieconômica essa metodologia? Creio que não, se analisarmos a relação custo/benefício, veremos que o modelo de conteúdo nacional é extremamente favorável ao Brasil e aos brasileiros, cria milhares, talvez até milhões de empregos no Brasil, gera-se renda dos seus salários aqui no Brasil, com o consumo movimentando toda a economia, gera-se o imposto localmente, cria-se patentes brasileiras, que no futuro serão fundamentais para novos empreendimentos ou mesmo para exportar essas tecnologias, e não apenas importá-las ao custo de milhões de dólares, como estávamos acostumados a fazer.

    Em resumo, o modelo de Brasil que esses burocratas sem voto querem, é aquele que cabe em sua visão de mundo, visão de sociedade, visão de nação, ou seja, completamente limitado.

  8. Esse país acabou como nação

    Esse país acabou como nação !!! Só espero pilhagem e miséria para as próximas décadas !!!!!

    Com as bençãos da classe média que ocupavam esses empregos !!! Vai todo mundo para o olho da Rua !!! E eu só espero continuar empregado em uma atividade que nada tem a ver com isso e rir dos paneleiros !!

    Minah esposa trabalha nessa àrea e é impressionante que ele era voz solo contra o impeachment !!! Agora, muito paneleiro vai perder a comida da panela !!!

     

  9. Conteudo local

         Algum dia um dos santos que elaboraram esta “politica de conteudo local “, irão vir a publico explicar o do porque itens de maior valor agregado, de tecnologia, TODOS adquiridos no exterior , não tiveram exigencia de contrapartidas para o parque nacional.

          Adquirimos da MAN – DOOSAN ( germano coreana ), praticamente todos os motores principais e alguns secundarios, que foram totalmente produzidos na Coréia do Sul, por que a Petrobrás/Governo não exigiu a continua nacionalização deles, limitou-se a possivel montagem da bancadas de manutenção – que não ocorreram ainda.

          Creio que temos pelo menos a capcidade de fabricar poltronas ergométricas, mas nos navios da Classe João Candido, as adquirimos na Noruega, aliás o unico item brasileiro na ponte de comando desta classe, são os “desembaçadores das vigias ” , e só, até os softwares de comando (ECDIS ) vieram de fora ( Samsung ).

           Conheçam como funciona este navio, o manual esta no texto : Transpetro – Gerenciamento de Recursos do Passadiço : Sistema de Passadiço Integrado e Plano de Viagem com ECDIS, escrito pelo seu 1o comandante, CLC Carlos Augusto Muller , reparem nas paginas de 18 a 24.

            Que o TCU e seus “técnicos” são um bando de burocratas que de nada entendem, já até enviaram um contador para verificar uma camara de vacuo, é um fato da vida, mas que esta “politica de conteudo local” deve ser melhor explicada, ninguem tem duvida.

    1. CC: Qual foi a principal falha do programa para óleo e gás?

      MB*: As executantes foram as empreiteiras, que não têm engenharia ou indústria mecânica, e depois de ganhar a concorrência tinham interesse em comprar o mais barato possível em vez de desenvolver a produção no País. Além disso, a fórmula de medição do conteúdo local lembra aquela utilizada nos anos 1950 para a criação da indústria automobilística, é anacrônica e permite atender à exigência quase sem comprar nada no Brasil.

      O valor agregado é, por definição, nacional e inclui salários, encargos sociais, impostos, juros, energia elétrica, custos de venda, lucro. Isso perfaz 50% de conteúdo nacional e se o limite é 60%, basta comprar no País o equivalente a 10 pontos porcentuais para cumprir a exigência. Em geral, completa-se o total com a compra local do mais barato, parafusos e chapas.

      Portanto, a exigência de conteúdo local atualmente pode ser cumprida com pouquíssimo produto nacional sem burlar a lei. Isso explica por que a Petrobras diz ter nas plataformas de 60% a 65% de conteúdo local e nós afirmamos não existir quase nada de bens de capital nacionais, que é o que interessa para o desenvolvimento. Outro erro é a medição do conteúdo local quando as instalações para a exploração estão prontas e não há mais como corrigir os efeitos das violações da exigência.

      *Mario Bernardini, diretor da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos.

      Fonte: http://www.cartacapital.com.br/revista/862/conteudo-quase-nacional-2126.html

       

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