A graça do messias
Por Sr. Semana
O inciso XII do artigo 84 da Constituição Federal e o artigo 734 do Código de Processo Penal que facultam ao presidente da república a concessão de graça a condenados pela justiça são reminiscências do estado teocrático no estado laico brasileiro. Na concepção de Agostinho, desenvolvida principalmente nos seus escritos antipelagianos, a graça é uma concessão sobrenatural inteiramente gratuita (daí a denominação de “graça”) de Deus a pecadores. A concessão por Deus da graça não é motivada por nenhum mérito (boa ação) do beneficiado, que pode ser o mais monstruoso dos criminosos. Pela graça Deus manifesta sua infinita misericórdia e onipotência. O fato da graça presidencial ser normalmente concedida no Natal assinala esta dimensão cristã, sendo Jesus o messias salvador.
Desde o advento do cristianismo esta teologia de origem Paulínia tem sido distorcida para servir de justificativa para ações imorais e criminosas. Jair Messias não poderia assinar nenhum decreto mais revelador do papel que quer representar na política brasileira: o de enviado por Deus, acima do bem e do mal, com poderes absolutos, portador de uma “justiça” própria contrária à justiça instituída. Policiais condenados por práticas criminosas, incitadores de ódio e violência contra ministros do STF, estes são os que têm sido beneficiados pela graça presidencial.
Assim que foi eleito, Bolsonaro compareceu a culto do pastor Silas Malafaia que, inspirado na pregação de Paulo (“Deus escolheu o que é louco aos olhos do mundo, para confundir os sábios” — I. Cor. 1.27), atribuiu a eleição à providência divina: “Deus escolheu as coisas loucas para confundir as sábias. Deus escolheu as coisas fracas para confundir as fortes. Agora a coisa vai ser mais profunda: Deus escolheu as coisas vis, de pouco valor. As desprezíveis … para que nenhuma carne se glorie diante Dele. É por isso que Deus te escolheu”.
A maioria dos eleitores brasileiros escolheu (alguns conscientemente, muitos iludidos) o louco, vil e desprezível para confundir e destruir a justiça e tudo mais que tem valor. Esta é a revolução cultural em curso no Brasil.
O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].
Leia também:
Paradoxo do mentiroso, por Sr. Semana
A Extrema Direita na Câmara, por Sr. Semana
Flatos de fala, por Sr. Semana
Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.
Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.