Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
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Burrice nacional, parte 2. Por Rui Daher

Apenas descobri-me um ser que lacra. Ou, talvez, como pretende esta série, esteja travado em meus pensamentos e faça parte da burrice nacional.

Burrice nacional, parte 2. Por Rui Daher

Semiótica, construção de significados através de formas de comunicação, sei que já os charlataneei por aqui.

Poderia pesquisar, encontrar o texto, e verificar a que ou a quem me dirigia. Não duvido que fosse a RIP, o Regente Insano Primeiro.

Preguiça? Também. Tampouco falta de tempo, em indolência há mais de cinco meses. Nada disso. Apenas descobri-me um ser que lacra. Ou, talvez, como pretende esta série, esteja travado em meus pensamentos e faça parte da burrice nacional.

Sim. Sou de esquerda. Pelo que me lembro, desde antes completar 16 anos de idade, aluno dos padres beneditinos e participante da União Brasileira de Estudantes Secundários (UBES). Vale dizer, lacro há 60 anos, embora não tenha compilado exatamente o quê.

Uma possibilidade: em 13 de março de 1964, estava eu grudado na Rádio Marconi, criada em 1962, São Paulo, para ouvir o “Comício da Central do Brasil”, quando o presidente João Goulart lançaria seu plano de reformas, para cerca de 200 mil trabalhadores ali reunidos.

Foi quando o Acordo Secular de Elites, definitivamente, reagiu e passei a travar na esquerda, com todas as consequências dolorosas que sofri (“ai, chega, não tenho nada a confessar”).

Chegou abril, veio o golpe civil-militar, e somente nesta semana, assistindo ao “Roda Viva” (TV Cultura), que entrevistava o ator e humorista Marcelo Adnet, pude saber desde quando estou travado ou sou travador, e estou lacrado ou sou lacrador.

Por certo, não tenho a semiótica usada por Marcelo Tas e Hélio de la Peña, quando o entrevistado se declarou “de esquerda”.

Por um lado, vi um Adnet bom de esquiva, dizendo-se “progressista”, mas ingênuo ao usar a Libéria para as pantufas de Tas, que infere China e Cuba “países sem humorismo ou humoristas”.

Mais babaca impossível. Esta não é uma posição “reativa de esquerda”, assimiladora dos “canhões semióticos da ultradireita”. Seria possível o Império do Meio, hoje em dia, com população de 1,4 milhão, apenas com sisudos vetores de vírus fatais e sem nenhum humorista? Existiria algum país no planeta sem humorismo ou humoristas?

Cuba? Suas chiques pantufas já pisaram lá, Tas? Nem mesmo assistiram aos eventos musicais caribenhos, suas gingas e maneiras? Nem mesmo o “Buena Vista Social Club”? Viu a alegria daquele povo? Seus escancarados risos, galhofas, gingas de corpo em rumba, salsas, românticos boleros, Cadillacs recuperados.

Bobões. Todos, inclusive, o estimado Adnet, que me pareceu tão desconcertado e usou a Libéria, que por um regime ditatorial, não foi contraposto à ausência de humor.

Já havia escrito, aqui no BRD, sobre a entrevista do “Roda Viva”. Cedin’ na Redação – discutindo transferi-la para Poços de Caldas – Nestor, Pestana e Everaldo, me fizeram ler o texto do colega e amigo Wilson Ferreira.

Ótimo, mas em visões dessemelhantes.

Neutralizou a crítica do humor pela canastrice política. Jeito nenhum. Apud décadas de José Simão, na Folha de São Paulo, com seu “país da piada pronta”. Quintupliquem o “Macaco Simão”, em décadas, para entenderem de onde vem o humor.

Segundo o estimado Wilson, “os travados de esquerda, sempre de forma reativa, dão legitimidade às buchas de canhão enlouquecidas da extrema-direita, como a tal da Sara Winter e o episódio dos atos em frente ao hospital contra o aborto da menina de 10 anos vítima de estupro do próprio tio”.

Uai, estimado Wilson, deixaríamos passar, para não acatar a semiótica de direita?

Quando não pretencioso, o País se tornou profundamente burro, sigo, então, Gustave Flaubert, em Madame Bovary, e me incluo: “L’âne, c’est moi!”

Inté!

Rui Daher

Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

2 Comentários

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  1. Comício da Central do Brasil antecipando o Golpe Civil Militar? Antecipou nada. Resultou. Resultou do Golpe Civil Militar Nepotista Canalha da Máfia que destrói uma Nação. Getúlio Vargas e seus Jagunços-Familiares Tancredo Neves, Bejo Vargas, Lutero Vargas, Leonel Brizola, Ivete Vargas, João ‘Jango’ Goulart… O Poder Ditatorial Caudilhista dentro de uma Família de Bandidos e Censuradores, doutrinando Adolescentes dos anos 60, aprisionados em Woodstock e na década que não terminou. Ainda esperam por uma tal Democracia resultante do Fascismo. Não é inacreditável?! Como Fracassados fizeram fracassar uma Nação, pergunta Nassif? Dialogar, entender e aprender. Nada mai que isto. A Censura atrapalha, mas revela. Por favor, argumentos ao invés de censura. Pobre país rico. Alguns dizem não enxergar como chegamos até aqui. Eu digo? mais óculos e mais oftalmologista e menos doutrinação. Mas de muito fácil explicação. Novamente Parabéns pelo 75. Abraços.

  2. Radio Marconi, rua Santa Tereza ,20, 19.o andar, Edifício Wilson Mendes Caldeira, onde a gentil e feminina voz do elevador dizia “queira registrar o pavimento desejado”(voz gravada, novidade absoluta em tempos de ascensoristas).
    Radio Marconi, a primeiríssima voz a ser calada.
    O comício do Jango, aquele, que encheu de esperança até mesmo o brasileiro recém nascido…
    Pois é, 1963 foi um ano “coisão”, prenúncio de tragédias e revoluções temporais. Encerrou uma era.
    Março de esperança com Jango, novembro de luto com a morte do Kennedy.
    Nada restou: nem Jango, nem Radio Marconi, nem Edifício Wilson Mendes Caldeira e nem a rua Santa Tereza. Tudo foi abaixo com a democracia.
    E Martin Scorcesese, quem diria, conquanto não pudesse calcular a intensidade da miséria exibida nos filmes exibidos pelo Glauber, foi capaz de senti-la e entende-la como verdade. Difícil um brasileiro ter melhor reconhecimento ou saber-se inspirador de um gênio como Scorsese.

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