Esquerda, Direita, Marcha e Contramarcha, por Jean Pierre Chauvin

Então, me pergunto: “Haverá algum gesto desses sujeitos que não seja extremado, violento, brutal, genocida, não preconceituoso, anti-intelectual, anticultural, contra-educativo?”.

Esquerda, Direita, Marcha e Contramarcha

por Jean Pierre Chauvin

A senhora, o senhor, façam-me o obséquio de perdoar a analogia; mas começarei por ela pois quero facilitar o teor do escrito: ando a supor que a esquerda está para o feminismo porreta e a direta, para o machismo escroto. É redutor? Talvez. Mas, em tempos de negacionismo, embrutecimento e cegueira neoliberal, de que adianta refinar os termos e salientar os matizes da luta?

Uma das contradições mais estúpidas (e intencionais) dos representantes macho-alfa é defender a modernização das relações de trabalho com práticas que remontam à escravidão. A outra imbecilidade destes seres é fingir confundir brutalidade com macheza; insensibilidade com fraqueza. Estamos cercadas(os) por escrotas e escrotos, pois embrutecer não poupa ninguém.

A questão central é que, enquanto discutimos como fazer, os estrupícios fazem. É bem verdade que fazem aos atropelos e, eventualmente, alguns de seus representantes mais emblemáticos passam uma temporada no xilindró, por excederem os modos em palavras ou gestos. Então, me pergunto: “Haverá algum gesto desses sujeitos que não seja extremado, violento, brutal, genocida, não preconceituoso, anti-intelectual, anticultural, contra-educativo?”.

Você e eu sabemos a resposta. Não há qualquer tolerância e aceitação do diferente no discurso e nas práticas desses ilustres dejetos, a trafegar em carros blindados, debaixo da mente vazia e (des)equilibrando-se sobre duas pernas. Decerto acreditam que a gravata italiana, o terno bem cortado e o sapato lustrado envernizam a extrema violência do que grunhem e espancam.

Numa das mãos, eles carregam canos de calibres variados; na outra, projetos de lei que detonam o pouco que restou do país – que dizem amar, defender, honrar e livrar da praga “comunista”. Nesse sentido, a metáfora pode ser parcialmente aceita: descontadas as divergências, que enovelam a discussão e retardam os modos de resistência, a turma da esquerda costuma ser mais acolhedora (repare, leitor, leitora, no verbo que empreguei: ele sugere relativização e não dogmatismo) que a turma que se diz “não-radical”.

Por falar em embrutecimento, só neste país, sem memória ou história, tomado por palhaços e cínicos, é possível esquecer o que significam as iniciais de cada partido. Recentemente, houve um desses representantes da dinastia tucana quatrocentona paulistana, a ostentar sua conduta como de um ser “não-radical”. É uma pena que ele e seus asseclas tenham se esquecido o que faz a expressão “social-democracia” na legenda do partido a que se afiliou.

Afinal, o que há de SD [Social-Democrata] no PSDB? A julgar pela quantidade crescente de pessoas em situação de rua a driblar jatos de água, incêndios e cacetetes na Pauliceia, em nome da “ordem”, nada restou. Um Executivo, cuja gestão, recordemos, finge não ser “política”. Um desgoverno conduzido por oportunistas que sorriem enquanto esnobam e socam as súplicas de seus professores; que elogiam o trabalho de profissionais da saúde, embora tenham precarizado suas condições de trabalho; que defendem o papel da ciência e da cultura, em meio ao corte de verbas com que inviabilizam o funcionamento adequado de bibliotecas, escolas, universidades, hospitais (o que restou do IAMSPE?), institutos e fundações de amparo à pesquisa.

O que há de S [Social] no PSL? Nem eles sabem. Devem supor que um partido político, que tanto custa ao bolso dos contribuintes, é uma aglomeração (sem máscara), que brinca de “fazer social”. O que houve de D [Democrático], no gesto de Michel Temer (MDB) contra Dilma Vana Roussef? O que há de virtusoso no “Grande Acordo Nacional”, proclamado por Romero Jucá – que é filiado ao mesmo Partido do vice-presidente que tomou o poder de assalto? Nada. Em nome da “ponte para o futuro”, o PMDB retrocedeu aos tempos de chumbo e capachismo norte-americano, em que Arena e MDB fingiam disputar a política do porrete, dita nacional e patriótica.

Que mais? Mais nada, ora.

Em nome da liberdade, um colega de ofício como Pedro Hallal, perde o direito (eu diria o dever) de criticar o que é condenável. Em nome da barganha infindável, o governo confunde farda com autoridade e toca o terror dentro e fora das esferas do poder Executivo.  Deve ser porque é só de execução que eles entendem.

O que faz o legislativo? Promove destruições, eufemisticamente chamadas de “reforma”. A responsabilidade da falência moral, política e financeira do Estado é transferida para quem menos pesa no orçamento. O peso pena recebe o duro punch que precisaria ser direcionado ao peso-pesado.  

O que faz o Judiciário? Barra um ato demencial e deixa passar dezenas de outros. Mas, tudo bem, não é mesmo? Na terra do doutor orgulhoso, que conta com camareiro-mor para vestir/despir a toga e aproximar/afastar a poltrona-cadeira, nada mais anacrônica e afetadamente nobre que discorrer prolixamente sobre brechas nas leis que remontam ao tempo do imperioso Pedro II, a depender de quem está nos bancos dos réus.

Conscientizar-se das lutas comuns que precisam ser feitas não é coisa de gente desocupada: desafio qualquer parlamentar, juiz ou executor a mostrar que trabalha mais e melhor do que os professores, médicos e cientistas, que eles primam por destratar. A solidariedade é o gesto que importa. O humanitarismo vem antes das brigas que contrapõem machistas e feministas (o que não impede reconhecer a existência de mulheres-alfa e homens-sensíveis).

Decerto estarei a soar idealista?

Tsc, tsc. Nada mais ingênuo, leitor, leitora, que confundir essas críticas concretas com pedaços de sonho infantil.  Sim, porque é de terra e de lama que somos feitos. É pela terra comum (que não deixa de ser uma espécie de útero) que precisamos lutar. Um solo fértil é acolhedor: permite que todas(os) a cultivem e tenham para onde regressar. E, se a expressão “luta pela terra” soar como discurso de gente baderneira, ferindo a sua suscetibilidade, que assim seja.

Baderna maior que aquela empreendida pelos desgovernos não há.


Jean Pierre Chauvin – Professor Livre-Docente da ECA, USP.

Redação

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