Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
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Forte de Copacabana, parte 2 – A entrevista, por Rui Daher

Forte de Copacabana, parte 2 – A entrevista, por Rui Daher 

– Se o Nestor for, eu não vou. Fico fazendo companhia aos amigos. Bebo mais um estufadinho de camarão, como mais uma cerveja, e pesco um quindim.

– No estado em que está, melhor não ir mesmo.

Não foi difícil reconhecer a voz de quem me acompanha há 45 anos.

– Mas, Rui, você é o editor-chefe, principal articulista. Não comparecer parecerá desfeita, desrespeito, justo aqui na casa deles, aberta a nós.

– Faltou você citar escritor de livro independente que me deixou mais quebrado ainda. Pestana, dispenso o glamour. Aqui qualquer um que pagar entra. Como idoso paguei três reais. Temo o comportamento do Nestor.

O afrodescendente, que agora só uso termos socialmente corretos para evitar rebeliões lideradas por economistas pop-star, continuava sentado na mureta proibida, cigarrinho no canto da boca, disfarçando não escutar nossa conversa.

– A ideia foi dele, Rui. Eu apenas a instrumentalizei. Ele irá se comportar.

– Tanto que continua sentado na mureta.

– Não dá para não o levar. O Comandante me pareceu muito solícito.

– Piorou! Não é o nosso estilo. Perguntar o quê? Compramos o livro com a história do museu, do forte, da confeitaria, uma biografia do Colombo, montamos um baba-ovo na Redação e enviamos a ele. Pronto.

– A ideia do Nestor de vender a entrevista para alguma impressa não é ruim. Vai que na entrevista ele solte alguma coisa. Você sabe o quanto estamos precisando de grana.

– OK, mas nenhuma pergunta sobre política, combinado? Já estou sujo com as feministas, só faltava entrar em guerra com os militares.

Naquele momento passava ao meu lado um velho canhão empurrado por três soldados. Me contive. Já disse, não corro mais riscos, ainda mais com feministas. Estaria o canhão sendo levado para desfilar no “Bloco das Coisificadas”?

– Muito prazer, senhores. Comandante de Artilharia Luís Juvenal Arruda Carvalho Araújo e Silva. Fiquem à vontade. Usem apenas o Carvalho.

– Obrigado por ter aceitado nosso pedido através do repórter Pestana, Comandante Carvalho. Temos enorme interesse pela História das Forças Armadas, especialmente do Exército Brasileiro.

– Sim, nossa história é de muitas honras e lutas.

Nestor dá mostras de intervir:  “Quanto às honras é verdade …”

Chuto-lhe a perna:

– As lutas também.

– Os senhores são jornalistas. Já li algumas coisas escritas por vocês na internet. Deixemos os rococós. Se é para ficarmos nisso, vocês comprem o livro com a história do museu, do forte, da confeitaria, uma biografia do Colombo, escrevam um baba-ovo na Redação, e publiquem. Quero dar a minha opinião sobre a merdaiada que estão fazendo com o Brasil, esses pulhas, sem-vergonhas, que não deveriam ser perdoados por delação, mas sim fuzilados em praça pública, num Maracanã forrado de bandeiras vermelhas.

Olho para o Nestor. Está com um sorriso tipo “já raiou a liberdade no horizonte do Brasil.

– Comandante Carvalho, por sabermos das questões de hierarquia no Exército, decidimos não entrar assuntos da política.

– Ah, da política? Não é do povo, da soberania nacional a ser defendida pelo Exército, da entrega de nossas riquezas, da garantia dos direitos trabalhistas e previdenciários? Não é da perseguição a um só homem e a um só partido? De que tudo está mudando para defender o mordomo-cavernoso? Se não for para discutirmos isso a entrevista acaba aqui.

– É que algumas opiniões do Clube Militar divergem um pouco das do senhor.

– Quem aquelas múmias reacionárias? Que a única coisa a que têm acesso é a coleção do Zéfiro, que sobrevive na casa do Bolsonaro.

– Perguntem ou retirem-se e me deixem voltar ao Marimbás.

Nestor responde:

– Ficamos e se for necessário pegar as AK-47, estamos com o Comandante.

Pestana e eu aquiescemos.

– Ótimo! Cabo Josué Manuel, vá ao clube, traga dois litros de Red, quatro copos e três filés de marimbá para nós.

– Comandante, o senhor acha que foi impeachment ou golpe?

– Nenhum dos dois. Covardia, apenas.

– Se é para acabar com a democracia, precisa-se de tanques nas ruas, cabeças decepadas, tribos africanas se matando, tropas rastejando na neve ou no deserto, estupro das mulheres dos derrotados. Aqui não houve nada disso. Meia dúzia de jornais e revistas compradas com verbas publicitárias, um ministro de lábios grossos e um juiz paranaense de lábios finos, a subjugar quilos de congressistas macilentos e assexuados, votando em nome da pátria, de suas famílias e equivocadas amantes. Isto não é nada.

– É a propalada unicidade das Forças Armadas que não deixam opiniões assim prevaleceram?

– Não, não e não. São vocês! Se interviéssemos, aí sim diriam que foi golpe, que voltamos à ditadura, falta de liberdade de expressão e, pior, puta abacaxi arrumar a merda que vocês fizeram. Onde meu tempo para o Marimbás, a peteca, o dominó, a pesca, o uísque aos domingos, os companheiros de tômbola? Vocês foderam, vocês consertam.

– Mas o senhor acha isso possível? Seremos capazes?

– Sei lá. Entreguem mais alguns tesouros nacionais para o Tump. Peçam ajuda a ele.

Nestor deixa escorrer algumas lágrimas. “Comandante, seu nome justifica, o senhor é do carvalho”. O comandante gargalha:

– Já falei tudo o que precisava. Agora, vamos tombar essa garrafa de “Vermelho” e, depois se alguém for bom de peteca, convido-os.

– Seria ótimo, Carvalho, mas estamos com alguns amigos que têm outros compromissos. Agradecemos, fica para outra oportunidade.

– Voltem sempre!

Saímos sem trocar palavras. Os amigos ansiosos perguntam como foi.

– Bem, De certa forma, surpreendente. No jantar contamos mais.

– Pestana, Nestor, vamos comigo até a lojinha do museu. Vamos comprar todo o material impresso que existir sobre a história do Museu do Exército, do Forte, dos maiores generais brasileiros, fotos históricas de nossa participação na Segunda Grande Guerra, da Confeitaria Colombo, dos peixes marimbá e sua genealogia, a origem do Clube. A biografia do Cristóvão Colombo eu pesquiso no Wikipédia. Amanhã escrevemos a matéria na Redação.

– Mas e a entrevista?

– Do Carvalho. E só para ele.

Ouço Nestor sussurar: “covardão”.  

https://www.youtube.com/watch?v=jNFGWzc63Jc]

[video:https://www.youtube.com/watch?v=HsIEtILUo_U

 

Rui Daher

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