Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
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Meu filho foi à guerra, por Rui Daher

É infalível torcermos que continuem felizes ou, caso não, sejam, pelo menos, mais felizes daquilo que pudemos lhes proporcionar

Meu filho foi à guerra

por Rui Daher

Na minha mais recente coluna para este GGN, “Finitude e Solidão”, descrevo a dor de pais nos momentos em que os filhos abandonam os lares de origem para seguir novas trilhas. É infalível torcermos que continuem felizes ou, caso não, sejam, pelo menos, mais felizes daquilo que pudemos lhes proporcionar quando conosco conviventes, em muitos casos sobreviventes.

No texto, passava por duas filhas que, por motivos profissionais, reuniram maridos, cachorros, gatos, plantas, panelas, louças, amores presenciais e, aproveitavam para fugir de um país ordinário, governante insano, genocida pandêmico ou pestilento, e buscar a sorte alhures.  

Expunha o filho homem: “Tem mais um. Decidido ser o pai alcoólatra por acidente proveniente de queda caseira e, até hoje, prejudicado na mobilidade, vivendo de fisioterapia, há dois anos, cortou relações comigo.

Sempre o achei um excelente artista visual e me orgulhei dele se dedicar à arte-educação em projetos sociais. Hoje, não sei, mas espero que continue. Embora no Brasil, também mora longe dos velhinhos que habitam este casarão, em cada cômodo uma solidão”.

Eu, hoje em dia, menos ativo em minhas atividades estradeiras e sertanejas, pensando nele, é comum vir-me à mente, cenas daqueles filmes em que pais, famílias, veem o filho, engajado, partir para a guerra. Pensam: “será que ele volta”?

Nesta coluna, ajudou-me estar relendo trechos do pensador francês, Alexis de Tocqueville (1805-1859), autor de “Democracia na América” (Companhia Editora Nacional, 1969 – na minha edição USP), que decidiu passar quase um ano nos EUA (1831/32) para entender origens e funcionamento de uma democracia não europeia.

Por óbvio o estudo e o livro de Tocqueville são essenciais para estudiosos e estudantes das Ciências Sociais. Quem, hoje em dia, o lê poderá entender com clareza as intersecções da geopolítica no planeta e as razões daqueles que veem o mundo assim constituído, como nos séculos pré-19, em transe para transformações, até mesmo possíveis terminais.

É impossível, no entanto, não notar na visão do autor grossas lentes cor-de-rosa naquilo que viu na América do Norte, em frenéticos passos democráticos. Tampouco, constatar que o cor-de-rosa de hoje pode logo se mostrar plúmbeo.

Pouco mais de trinta anos depois de ter publicado seu livro, entretanto, estoura nos EUA uma sangrenta guerra civil (Guerra de Secessão – 1861 a 1865).

Motivo: escravidão, segregação racial, causa negra. Divididos Norte (Confederados) e Sul (Sulistas) foram à guerra. Não durou mais do que quatro anos, o suficiente, no entanto, para muitas famílias não verem seus filhos de volta, e a perseguição aos negros continuar mais um século.

 O etnocentrismo de Tocqueville, praticamente, deixa passar em branco essa ferida profunda da democracia, não na América, mas em todo o planeta Terra.

Não imaginou pais e mães chorando nas portas das grandes mansões das plantations, nem das choupanas escravas vendo seus filhos fardados para se unirem às facções de irmãos partindo para se matarem.

“Será que ele voltará”?

Assim estamos neste casarão, pai e mãe, sozinhos, esperando ele chegar para nos contar dos caminhos que passou.

Rui Daher – administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

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Rui Daher

Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

2 Comentários

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  1. Prezado Rui

    Estou a procurar em vidas paralelas o motivo para minhas quimeras com aquela a quem tanto tenho amor filial.
    Abusos ao pai se transformar na filosofia Homer Simpson: se a culpa é minha, eu a ponho em quem eu quiser…
    Como diria o poetinha: filhos, melhor não tê-los, mas se não tê-los como sabê-los.
    Tamo junto (TMJ)
    Abraços

  2. É duro, meu caro Antônio Carlos. A gente não entende muito bem o motivo ou se foi um acúmulo deles, sempre de nossa parte. Seja a idade que tiverem, continuamos a poupá-los. Obrigado pela solidariedade, que é recíproca. Me assusta quanto tempo de vida ainda tenho para continuar em dúvida de culpa. Abraços
    Rui

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