Noveleta, por fim

O terceiro dia se aproxima, e o que vivo é uma saga. Tenho olhos tamanhamente viscosos. Considero-me um ser heroico. Por certo, deveria também dizer-lhes meu nome, apresentação é o que consta para este agora: apresento-me aos. Mas estou cansada e em processo, a fala é custosa e o dia claro demais. E se digo um nome, serei assim um conto normal, ou uma história de vida como tantas outras, que veemente as nego. Tendo-me ao diferente não por gosto, mas porque não posso esforçar-me para estar aqui, devo fluir, e se estou é porque não pude fugir. A palavra foi acontecendo antes de o meu pensar. E até este instante sou apenas desajeitada, sou o passar de uma noite custosa e de uma manhã passarada. Este é meu terceiro momento, ou seria o terceiro ato(?), surgido da necessidade de dar visibilidade ao viver de uma noite e de uma manhã, porque os dias são evidentemente mais ousados que qualquer pessoa. Então, mesmo que por detrás desses dias exista este que vos fala, que é um eu-qualquer querendo existir, o mais imponente aqui seriam mesmo os cenários de sol ou de lua, eles trazem o que se sente, e é com o que sinto que tenho passado esses poucos dias, arrastados. Nascer demora. Mas sou astuta o suficiente para viver estes dias tais como são: os primeiros raios nascentes desta minha vida passarada, que certamente será também longa e avoada. Mas existem condições para que isto seja assim: devo criar-me em repetidas e algozes sagas, pois se não o faço resvalo sonsa e caio, como se tivesse isso um gosto de vida. Mas, sim, cair também é vida! Mas não a vida de quem vive uma saga. Porque neste pedaço falso devo fingir que cada dia foi tremendamente difícil, e mereço algo enorme em troca de cada passo levantado entre noite e dia. Por isso dou-me a esta história com o direito de considerar-me em flamas. Esse é o pico. O estado de pico das coisas em seu despertar. Então, devo estar de pé(!), esta é a posição de quem abraça alguns dias. Mas faltam-me agora forças, cambaleio e ainda não estou erguida. Não posso ainda apresentar-me, pois se digo que meu nome é Ângela, amanhã posso alterar-me a tal ponto e não saber mais pronunciá-lo a mim mesma, saindo por outro lado. Esse outro lado seria estar presente em outra mulher, aquela que fui e que não é Ângela, a que vem acontecendo nestes dois últimos dias morosos.

E me pergunto o que agora faço, se sei onde irei chegar apresentando-me de cara dura e lavada: meu nome é Ângela. Sou muito nova(!). Posso estar a enganar a mim e a todos os outros que jamais escutarão qualquer notícia de Ângela, se fui ao teatro porque a obra era russa, ou se fui ao cinema apenas para estar na sala grande e não por causa do longa-metragem em si. Dou passos dúbios, não aprendi a premeditar-me. O que se sabe sobre Ângela, afinal? Que vivi até este momento, a escuridão de uma noite, a claridade de um dia, sendo este o terceiro momento ainda inconcluso, quando carrego a crucial pergunta de não saber aonde se chegará, se alcançarei estrela ou céu avermelhado. Porque pode chover amanhã, ou fazer sol. Mas diante do questionamento de como será o dia, começo a ter certeza do meu nome, apenas porque tenho memória, e há tempos o escutei e o ignorei como sendo isso a normal negação de um nascimento; negação que é a dúvida correta, dúvida que é o crescimento em andamento, formando-me entre nascer ou não nascer: Ângela. Sim, fatalmente me chamo Ângela e recrio dias: este é o meu papel(!).  E faço esta recriação porque perdi muitos dias e preciso de outros novos. Já tenho um punhado de dois dias nascidos. Começo tudo novamente, e se até este agora não havia me apresentado é porque antes tive outro nome, sendo aquela. Numa vida anterior fui chamada de outra coisa, e naqueles dias fui engolida por uma espécie de pessoa que não conseguiu ir à frente com. Com aquilo que eu era. Uma mulher que se confundiu tanto que terminou sem eira, estando à beira de uma estrada e daí ao deslizo. Aquela outra caiu, enquanto eu permaneço, estou aqui agora apalpando para conhecer como estar de pé.

Ainda não posso reerguer-me por completo, estou começando a deixar de ser curvada. Tenho adiante flores e uma cadeira simples demais, tenho muito e as admiro, olho meus objetos claros e os acaricio, e ainda uma manta colorida que sorri. A cadeira de balanço faz seu trabalho sozinha. É comum vê-la bajular-se mesmo quando parada, e isso vira uma doce canção de ninar. E com este instante guardado poderia terminar este dia, reservando-me num momento bonito e algoz. Deixo-me então estar neste instante, como sendo aquele dia em que me apropriei de um novo nome, e de uma cadeira com manta e flores para apreciar. E talvez isso seja nascer para uma história.

Redação

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