Olha, o nome disso é amor, por Mario Ramos

De repente, tolhidos pela quarentena preventiva, o resultante desconforto nos permite constatar que apreciamos também os relacionamentos sociais corriqueiros, inclusive os tênues e superficiais

Olha, o nome disso é amor

por Mario Ramos

A pandemia denominada COVID-19 torna recomendável um isolamento social que muitas vezes implica em encontros a sós com nós mesmos, e que pode constituir uma oportunidade para descobertas relevantes.

Claro que relevantes neste caso não significa necessariamente agradáveis, pois esta catástrofe que já ceifou a vida de mais de 200 milhões de pessoas traz uma sombria tristeza, agravada pelo travo de insegurança e incerteza.

Todavia, é alentador pressentir que nossos sentimentos pesarosos não são motivados apenas pelo temor quanto à nossa própria sorte e sobrevivência.

Creio mesmo que nossa angústia maior é motivada pela falta que sentimos da trivial convivência cotidiana, no círculo ampliado de relações pessoais, que em geral escapa à nossa percepção condicionada.

De repente, tolhidos pela quarentena preventiva, prudente e indispensável, o resultante desconforto, difuso ou intenso, nos permite constatar que, além do convívio familiar e domiciliar por nós estimado, apreciamos também os relacionamentos sociais corriqueiros, inclusive os tênues e superficiais.

A mera tentativa de imaginar a vida sem serviços essenciais, a exemplo de energia elétrica, fornecimento de água e saneamento básico, mostra o grau de dependência que temos em relação a uma legião de pessoas que fazem a nossa existência habitual possível. E, nessa perspectiva, é inevitável notar que, se nós não formos hipócritas, somos gratos às miríades de mulheres e homens que realizam, de maneira anônima, inúmeros serviços relativos ao regular fornecimento de produtos alimentícios e outros bens essenciais.

Outra realidade pouco percebida que salta à vista na trajetória desta tétrica e trágica epopéia viral é a acachapante incapacidade da sociedade moderna para defender a humanidade das ameaças de doenças e carências diversas.

Talvez tais inferências sejam induzidas por intuições pragmáticas, visto que o ponto de partida para esta sensibilidade básica é a prosaica certeza de ser impensável e deplorável a hipótese de cessar a sinergia social.

Em todo caso, as expectativas adversas trazidas pela pandemia sinalizam a urgência de refletirmos acerca das razões que impedem uma evolução da estrutura material e da cultura humana em bases mais favoráveis à vida.

E não é necessário ter conhecimentos específicos de economia e da ciência política para compreender que as prioridades ditadas pela maximização dos lucros privados implicam em riscos diversos e crescente instabilidade.

A panacéia enganosa defendida pelos arautos dos mecanismos excludentes, e da austeridade estatal debilitante, acarreta insatisfação e insegurança.

A criatividade do gênero humano tem potenciais poderes de inovação, e de superação dos desafios presentes e vindouros, porém, a lógica limitante dos insensíveis requisitos cruéis da lucratividade máxima e do estado mínimo torna inacessíveis tantas soluções necessárias, sensatas e salvadoras.

Por outro lado, a existência vivenciada neste planeta estarrecedor excede os limites previsíveis, marcados por problemas e preocupações, em especial nas variadas perspectivas das diversas opções e oportunidades de mudança.

Ao invés de nos encolhermos, premidos por temores e fraquezas, podemos, em face das trevas e trovões, pensar na preparação de novas formas de lidar de modo adequado com as questões derivadas da diversidade e da escassez.

E a energia que pode mover nossa resiliente imaginação, evolucionária e libertadora, é a ternura que sentimos pela vida ao aceitarmos as evidências de que a harmonia individual almeja o bem estar coletivo.

É preferível adotar alternativas que conduzam a resultados materiais menos vultosos e que viabilizem equilíbrio melhor na promoção do bem comum, pois, se olharmos para o âmago de nossas emoções, teremos a intuitiva convicção de que não queremos ver sofrimento, nem nosso nem alheio.

Quando vemos o mundo a sofrer as pungentes perdas causadas por esta pandemia impiedosa, sentimos em nós uma aflição indizível e implacável, ao tempo em que, ao vermos a felicidade de nossos semelhantes, surge em nosso espírito uma paz tranqüilizadora, reconfortante e amorosa.

Neste momento, quando entendemos que somos parte do todo, a natureza humana se mostra em nós na compreensão de que o nome disso é amor.

Redação

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