Sonhos de um primeiro de maio, por Gustavo Gollo

Por Gustavo Gollo

Era no primeiro de maio, e desde muito cedo uma multidão colossal continuava a engrossar o acampamento em Curitiba, armado em solidariedade ao presidente Lula, encarcerado após ferrenha perseguição judiciária atiçada pelas redes de TV e jornais.

Apesar da tensão, especialmente após o atentado a tiros que havia ferido gravemente um dos participantes do acampamento, reinava em torno aquela sensação de força e revolta que assoma a torcida durante o intervalo do jogo, quando o juiz está roubando descaradamente, induzindo o ânimo e a união indignada de todos para reverter o placar adverso de 1 a 0 obtido com gol roubado.

Desse modo, aquela que poderia ter sido uma atmosfera desanimada ou fúnebre, dado o motivo da concentração, a prisão injusta do presidente, acabava se transformando em uma festa, incitando fortemente a sensação de expectativa de virada de jogo, como torcida consciente da necessidade de reverter o placar roubado.

Havia alguns dias, o acampamento fora deslocado, distanciando-se um pouco da sede da polícia federal, o local da detenção do presidente, que naquele dia se transformara em uma espécie de via crucis por onde os manifestantes se dirigiam, tornando-se a principal atração daquela hora da manhã. Como se smurfs vermelhos fossem, os peregrinos entoavam alegremente sucessivos lulalás, e outras canções evocadoras de liberdade.

Liberdade, aliás, era a palavra do dia, enquanto “Lula livre” já ecoava pelo no mundo inteiro, mote de libertação contra a injustiça e o fascismo ressurgente.

Naquela hora, ainda manhã cedo, a aglomeração crescente em torno da polícia federal acabava por constituir a própria festa. O mesmo motivo que alegrava o exterior, fermentava o nervosismo e a apreensão no interior do prédio. Os que ali se encontravam compunham um contingente reforçado, muito maior que o usual, já bastante inflado em decorrência do acampamento, mas especialmente fortalecido para o dia especial.

Quando os federais acordaram, já se viam cercados pela multidão imensa que comprimia o cerco fazendo as portas do prédio se assemelharem às dos ônibus que a maioria ali costumava pegar diariamente. Não se sabe como os que controlavam a entrada fraquejaram, permitindo a entrada da multidão no saguão do prédio. De qualquer forma, a pressão imensa da multidão a vociferar e cantar se impunha irresistível ante o bando disperso de policiais impossibilitados de manter comunicação entre si.

Pouco se sabe de lideranças ou acordos com respeito aos fatos, especialmente sobre o pedido entoado em altos brados pela libertação de Lula. Houve boatos de que a juíza encarregada de negar todos os pedidos sumariamente havia autorizado a libertação provisória de Lula, fato que ela própria, posteriormente, negou. A confusão imensa, no entanto, dava margem a todas as interpretações possíveis, dando vozes aos desejos da multidão e canalizando suas principais vontades.

A imagem que acabou dando fim ao impasse foi a do presidente Lula surgindo no alto, erguido pela multidão, quase a bater com a cabeça na soleira da porta; imagem inebriante, imagem de gol, de golaço contra a injustiça!

Em meio à algazarra festiva, o presidente Lula era levado para fora do prédio, nos ombros da multidão, levantando a torcida ao irromper pelos portais da sede da polícia federal de braços abertos e sorriso largo estampado.

Ratificava-se a liberdade provisória do líder amado pela multidão, que discursaria longamente durante o dia cansativo e alegre que transcorreria como que em um átimo, deixando a lembrança imensa de alegria, de satisfação, e as recordações de uma festa quase irreal a alimentar promessas e esperanças.

Enquanto discursava sobre os desmandos e a rapina que haviam assolado o país e que continuavam em curso, sobre os ataques aos direitos dos trabalhadores, conquistas tão suadas, o presidente Lula embalava a multidão em um sonho, restituindo-lhe novamente a esperança.

Mas também falou de um tema relativamente novo em nosso contexto, mas premente, importantíssimo.

Em meio à festa do primeiro de maio em companhia do presidente Lula, ao ouvir seu discurso, imergi em minhas próprias preocupações enquanto considerava toda a atmosfera funesta que tem envolvido o país.

Nem mais se tratava de esquerda; era a hora do bom senso, quando o que restava era alertar a todos os que tivessem mantido algum bom senso sobre a selvageria que se espraiava ao redor, derramada através de brados de ódio repetidos pela TV, a conclamar o povo ao fascismo e à selvageria.

Percebia-se com nitidez o encaminhamento da nação ao pior dos mundos, entregando-a à facção tenebrosa responsável pelo assassinato de Marielle. Fazia-se notável o contraste entre a deferência respeitosa com que os setores públicos tratavam os assassinos, impondo a completa lisura ao lidar com a canalha mais sórdida, e o abuso com que tratavam o presidente Lula, revelando uma face medonha. Concedia-se aos assassinos o tratamento mais suave, o sigilo mais complacente para acalmar os clamores da indignação que havia ecoado por todo o mundo, em contraposição à sordidez com que meios de comunicação e juízes mancomunados tornavam o presidente alvo de ódios e chacotas, “vazando-lhe” conversas telefônicas, e estimulando os mexericos mais reles. Homens togados tinham usado de tal vileza para desonrar o presidente, abrindo caminho para sua condenação. Enfatize-se que o petulante autor de mexericos repugnantes que ousou bisbilhotar e divulgar conversa entre presidentes continua usando a toga!

Mas nunca tais procedimentos para com os assassinos de Marielle! Estes são tidos no mais alto apreço por nosso poder público e por nossos meios de comunicação que permitem aos sanguinários se resguardarem de qualquer comentário indigno, tratando tais criaturas com a mais respeitável honradez, aquela conferida apenas a seus pares.

Não, não se trata de esquerda ou direita, trata-se de conter os comparsas e os mandantes dos assassinos de Marielle que se espraiam por tribunais e meios de comunicação, esses mesmos que fustigam incessantemente o presidente Lula já há anos! Trata-se de conter o fascismo que se alastra pelo país, lançado pelos meios de comunicação e referendado pelo judiciário que ao mesmo tempo encobre assassinos e se empenha em inviabilizar a candidatura do presidente Lula.

Lembremos que os fascistas têm as urnas em seu domínio, e não permitirão que outros, que não seus partidários, se elejam e assumam o poder; que planejam, naturalmente, fraudar as eleições e impor na presidência um de seus cúmplices a menos que todos os brasileiros com algum senso se unam para eleger e empossar o presidente escolhido por maioria avassaladora.

Não se trata de esquerda e direita, ódios monstruosos estão regendo o momento em que vivemos.

Despertei de minhas preocupações ao som dos lulalás entoados ao redor. Toda a festa, a confraternização, a proximidade com o presidente Lula, contribuíra para que o dia passasse muito rápido, se estendendo madrugada a dentro sem que o cansaço abatesse nem corpos nem sonhos. Sonhávamos embalados por uma esperança renovada enquanto no céu brilhavam estrelas, e o presidente retornava para a reclusão, onde estava forçado a dormir em face dos desmandos, ódios e injustiças que aquele primeiro de maio prometia superar e limpar.

E naquela noite o presidente transformou a cama de seu próprio cárcere no doce leito acalentador de sonhos tão grandiosos quanto as esperanças prometidas. Em poucos dias estaria liberto e lutando para se eleger e conter as repelentes hordas fascistas que ameaçavam ensombrecrer o país por completo.

 

Lula livre!

 

30 de abril, de 2018.

# Lula, # Lula Livre, #fascismo, # Marielle

Redação

1 Comentário

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  1. O final da história

    Escrevi e publiquei a história às pressas, ficou faltando o final:

    E naquela noite o presidente transformou a cama de seu próprio cárcere no doce leito acalentador de sonhos tão grandiosos quanto as esperanças prometidas. Em poucos dias estaria liberto e lutando para se eleger e conter as repelentes hordas fascistas que ameaçavam ensombrecer o país por completo.

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