Foto: Lydia Marano, |
Os modernos manequins nas vitrines dos shoppings são herdeiros de uma longa tradição do fascínio humano por bonecos, fantoches, autômatos e demais simulacros humanos. Esse fascínio teria suas origens mágicas e herméticas na Teurgia e Alquimia. Se isso for verdadeiro, a história dos manequins revelaria uma nova narrativa sobre a Moda que vai além dos tradicionais discursos antropológico e semiótico/linguístico. Uma narrativa que descreveria a história de como o corpo humano foi ao poucos transformado em um “golem” (o “não formado”): um corpo inanimado à espera de um Espírito (o “Estilo”) que lhe traga a vida.
“A moda é alquimia. Ritual e magia. Fé e religião. Sacrifício e devoção. A moda tem grande similaridade com a religião e pode ser vista como a religião atual (…) É um sistema místico de poder visual. (…) O sistema de moda é um sistema metafísico muito bem guardado por seitas e escolas herméticas. É governado por uma pequena elite de místicos e intérpretes profissionais – um grupo líder formado por cardeais e padres, seguindo as orientações e regras de um ideal mais elevado.
(…) Através de uma longa história e tradição, os sacerdotes se reúnem para uma cerimônia, convocando o próprio espírito da mística força da Estética para materializá-lo. Nesse momento místico de materialização do elevado ideal é produzido um ícone para adoração – a fotografia de moda. Uma guarda inteira de sacerdotes, geralmente da mesma rede de seita, é recolhida em um estúdio, os bastidores escondidos do templo da moda. Lá eles invocam o espírito da Beleza para se materializar em um modelo virgem.
Tratada pelo mais sagrado óleo e poções de lugares exóticos e com ingredientes secretos transforma-se em algo divino, para além da condenada carne humana. Na frente das lentes ela é transformada em uma representação fantasmagórica e na modelo mais bonita de uma raça humana imperfeita. Sem pelos indesejáveis, sem cheiro, sem pele irregular, sem características indesejáveis. São os elementos necessários para adorarmos um ícone.”
O texto acima é constituído de trechos do prefácio de um catálogo de roupas 2004/2005 (clique aqui para ler todo o texto) de Otto Von Busch, estilista, teórico Phd e designer sueco. São frases provocativas e de forte poder retórico. Podemos afirmar que o texto é uma típica estratégia ideológica do campo da moda em se legitimar como uma força criativa especial, porque fundamentado em algo tão antigo quanto a história da humanidade. Afinal, segundo ele, as raízes da Moda estariam na religião, magia e hermetismo.