Estudo diz que Geisel deu papel conciliador à Embrafilme

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Embrafilme teve papel conciliador durante o governo Geisel
 
Por Ana Paula Souza
No governo do presidente Ernesto Geisel, de 1974 a 1979, a ditadura militar não usava a Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilme) contra setores da sociedade civil, mas sim tentava se conciliar com eles por meio da estatal. Esse é um dos principais resultados do estudo Projeto ideológico cultural no regime militar: o caso da Embrafilme e os filmes históricos e adaptações de obras literárias,elaborado pelo professor Bruno Hingst na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP.

Na gestão Roberto Farias houve grande produção de filmes

A Embrafilme foi uma companhia estatal atuante no âmbito da produção e da distribuição cinematográfica brasileira de 1969 a 1990. Por ter sido criada no período mais duro da ditadura militar, muito se especulou sobre a utilização dos filmes produzidos pela empresa para reforçar o ideário do regime. Para investigar o verdadeiro papel desempenhado pela Embrafilme, mais especificamente na gestão do cineasta Roberto Farias, coincidente com o governo Geisel, Hingst desenvolveu a pesquisa, que revela a grande produção cinematográfica da empresa. O estudo contou com depoimentos de Roberto Farias e também envolveu a análise de diversas leituras sobre a política brasileira, cinema e história.

Entre os filmes produzidos pela Embrafilme, havia um número significativo de películas com temáticas nacionalistas, como os prestigiados Xica da Silva, protagonizada por Zezé Mota; e Morte e Vida Severina, adaptação da obra literária de João Cabral de Melo Neto. Esse enfoque se dava em função das diretrizes do Plano Nacional de Cultura (PNC), criado pelo governo militar buscando uma maior interlocução com a sociedade brasileira e também com o setor cinematográfico, ainda que não houvesse uma política específica da empresa nesse sentido.

As intenções do regime
Por estar sob um governo que se caracterizava como uma ditadura militar, a qual tentava legitimar a sua tomada de poder por meio de um discurso nacionalista, a produção cinematográfica brasileira que visava à reflexão sobre a cultura e o passado histórico do País era fortemente apoiada com verbas públicas e apoio político.

No entanto, as intenções do regime não eram tão óbvias. “De início, pareciam-me muito ambíguas as relações entre o governo e a classe artística. Porém, depois de aprofundar meus estudos sobre a estrutura militar, entendi que o que houve foi uma aproximação do regime com diversos segmentos da sociedade civil, que entenderam que seria importante um novo diálogo com aquele governo, a despeito das divergências ideológicas”, afirma Bruno.

“Muitos cineastas queriam somente ter acesso às verbas para realizar seus filmes, produções estas mais envolvidas nas questões culturais, pouco se voltando para o contexto cultural e político do momento”. Naquele momento, o que se via era uma grande produção de adaptações de obras literárias e de filmes de temática histórica por parte da Embrafilme, o que acabou por se tornar um dos objetos de estudo do trabalho de Hingst, dada a relevância da quantidade de obras produzidas em um período tão curto.

E a esquerda?
“Mesmo passados diversos anos do período mais duro do regime, ainda havia cineastas que eram tidos nos círculos militares como comunistas e agitadores. Por essa impressão diante do governo, esses autores eram visados por suas ideias supostamente contrárias ao regime, e tinham seus filmes submetidos à forte censura.”

No entanto, as tensões do período direcionavam o governo a outras preocupações, de modo que o cinema e a censura às produções de esquerda não eram o foco central da atenção de Geisel. Havia questões que, se não fossem devidamente contornadas, poderiam conduzir o país a uma grave instabilidade política, entre as quais o pesquisador destaca o restabelecimento gradual do poder aos civis por meio do projeto de distensão política de Geisel e, ao mesmo tempo, a tentativa de controlar o possível endurecimento de certos setores militares mais radicais, além do descontentamento da sociedade civil com o desgaste da ditadura.

Embora o fomento ao cinema não fosse a principal meta do governo Geisel, Hingst destaca a importância da Embrafilme para o cinema brasileiro. “Até então, nenhum outro governo destinou, ao plano cultural, consideráveis verbas e estímulos para a viabilização de diversos projetos culturais. Tanto a Fundação Nacional das Artes (Funarte), como a Embrafilme conseguiram lançar suas plataformas no plano cultural, por meio do Plano Nacional de Cultura. É importante destacar, ainda, que os resultados obtidos com esse incentivo se mostraram ao longo do tempo – e dentro de uma perspectiva histórica – extremamente positivos, e foram reconhecidos pelo setor cultural.”

Foto: Marcos Santos / USP Imagens

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

6 Comentários

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  1. Acho que existe uma relação

    Acho que existe uma relação sólida de dependência entre consumo de cultura e nível educacional geral (principalmente básico) de uma população. 

    Nós reclamamos muito que tanto a dramaturgia quanto o cinema, de um modo geral, são produtos descartáveis padrão global, sem fazer algumas perguntas como: se o nosso cinema fosse mais “profundo”, tratasse de temas mais complexos, seria viável financeiramente? Há um grande público no Brasil para isso?

    Pois é difícil encontrar um filme que se viabilize fora do “Eaí, comeu?”, “Meu Passado me condena” e congêneres. A própria Globo produziu um  falando da Farroupilha e este nem de longe conseguiu atingir as metas de público e renda. 

    Até “O Som ao Redor”, que após a sua aclamação internacional conquistou ampla publicidade, não entrou em cartaz por muito tempo, nem alcançou muitas salas de cinema. Este filme, aliás, é interessante para incluir na discussão. 

    Ora, se Kléber Mendonça Filho pretendeu, com o filme, promover uma leitura atualizada de “Casa Grande e Senzala”, de Gilberto Freyre, qual o percentual da população brasileira que conseguirá não captar plenamente a mensagem, mas entender MINIMAMENTE o contexto da produção? 

    Aliás, quantos “brasileirinhos”, que passam por colégios públicos e privados, tiveram ensino de História do Brasil que fizessem compreender nossa realizadade “Casa Grande e Senzala”? Pelo visto poucos, já que mesmo a classe média formada na USP e UNICAMP vive por aí repetindo preconceitos e estereótipos reproduzidos pela grande mídia, pensando que uma viagem para a Orlando os faz adentrar na “Casa Grande”.

    Claro, estou fornecendo um exemplo extremo, que soa até um pouco elitista “massa cheirosa” nesse nosso contexto, mas, se estivessemos lidando com um cenário ideal, em que nosso ensino básico fosse de ótima qualidade, não precisava que todos fossem especialistas em Freyre e saíssem com phd em sociologia e antropologia; seria suficiente, suficiente não, sensacional, se a maioria não ficasse “boiando” ao ver um filme desses.

    Então, me referindo a Embrafilme, creio que a produção cinematográfica da estatal foi superior ao que vimos dos anos 90 para cá. Pois, no caso mais recente, a orientação foi e é puramente mercadológica. E é até uma questão lógica de mercado, já que empresas privadas não investirão em algo se for para perder dinheiro. Se nos EEUU, Europa, Japão e até Argentina conseguimos vislumbrar um cinema de maior qualidade, é porque lá existe público para consumir e para dar lucros a produtores e realizadores. 

    Não é a toa que, em países escandinavos de 4, 5, 10 milhões de habitantes surjam grandes diretores de cinema, escritores e produções riquíssimas. É um tanto ilusório cobrar que tenhamos um “nível europeu” de cultura em um país que grande parte dos universitários é analfabeto funcional. 

    Assim, o Haddad, em SP, captou bem o espírito da coisa. 

    O Estado entra no setor não para procurar lucro (já que não existe um público tão vasto assim), mas para fomentar uma maior produção de material de qualidade. Quando se cria uma SPCine, ou uma Embrafilme, já deve-se ter consciência que as produções muito provavelmente serão deficitárias, do ponto de vista financeiro, mas altamente lucrativas no sentido de promover e enriquecer nossa cultura.

    1. Então, me referindo a

      Então, me referindo a Embrafilme, creio que a produção cinematográfica da estatal foi superior ao que vimos dos anos 90 para cá. Pois, no caso mais recente, a orientação foi e é puramente mercadológica. 

      Mas não foi melhor que o cinema brasileiro dos anos 60 (melhor fase criativa), em que o cinema nacional era um dos melhores do mundo (devia ficar atrás apenas dos franceses e italianos). Vale lembrar que o AI-5 dos milicos é que freiou todo aquele movimento efervescente e que abordava temas muito mais ousados.

      O objetivo do Cinema Novo sempre foi ao mesmo tempo mostrar o povo brasileiro como ele é, isso é uma excelente oportunidade de mercado para conquistar nosso público, fazer o espectador se ver na tela (hoje com o aumento da renda média ficaria mais fácil).

      O cinema americano de 1960-69 estava em crise por causa da concorrência com a TV aberta (parecido hoje em dia com o avanço da TV paga e NETflix), para se reinventar passou a ser mais artístico-autoral e viveu seu melhor momento na década de 70, recuperando sua característica de mercado a partir dos anos 80 (para o bem e para o mal).

      Não acho errado que o cinema tenha uma vertente mercadológica, desde que também se busque ao mesmo tempo elevar o nível cultural, para chegar a isso a questão da democratização da mídia (distribuição) é essencial e o Haddad foi genial e com a criação da SPCine.

  2. Muitos vão acusar o governo

    Muitos vão acusar o governo militar de cooptar a classe artística, mas se esquecem que a Embrafilme era uma reinvidicação antiga do Glauber e da turma do Cinema Novo desde a derrocada das chanchadas nos anos 50.

    As chanchadas na maioria eram cópias mal feitas do American Way Of Life, mas muitos desses filme conquistaram público e com a falta de regulação e distribuição a Atlântida, Veracruz, etc foram engolidos pelos players americanos.

    A Embrafilme seria importante até hoje pois, resolveria o principal gargalo do cinema brasileiro, a distribuição. 

  3. …..   salvo melhor juizo,

    …..   salvo melhor juizo, em 1990 nosso presidente de alagoas extinguiu a embrafilme.

    lembro-me ver noticiarios mostrando quantidade enorme de peliculas jogadas no chao fora de sua embalagem de lata, com destino definido aa lixeira.

    isso mostra bem o desrespeito com o profissional da area, bem como a desfaçatez com q a coisa publica eh tratada no país, afora a questao da memoria cultural.

  4. O ex-comunista, ex-cineasta e

    O ex-comunista, ex-cineasta e atual Kamelista e pseudo-jornalista, Arnaldo Jabor, foi um dos que mais recebeu verba da EMBRAFILME. Vi alguns dos seus filmes financiados pelos milicos na época. O Arnaldinho sempre foi aberto às propostas “conciliadoras” da direita brasileira. Hoje ele é escancarado.

    PS: Consta que parte dessas verbas (públicas) não viraram celulóide, mas sim se materializaram em um belo ap, na Vieira Souto. Não tenho provas, mas pela teoria do domínio do fato, podem condenar e jogá-lo na Papuda imediatamente 

    1. Embrafilme atuava na distribuição em parceria com produtoras:

      Se a Embrafilme não tivesse sido extinta, um sujeito brilhante como Arnaldo Jabor jamais teria virado reaça.

      Você deve ter confundido com a lei Rouanet (essa sim, campeã de maracutaias) até a Globo pega financiamento das leis de incentivo (mas a mídia sempre cita os casos “Guilherme Fontes” e “Norma Bengell” como únicos).

      Claro que o Roberto Farias comprou apartamentos, ele dirigiu filmes do Roberto Carlos e os Trapalhões (sucessos de público na época), sempre foi um diretor que não ficava restrito aos filmes-arte e fazia cinema comercial muito bem.

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