How do you do, Dutra?, por Jota A. Botelho


O Presidente Truman cumprimenta o Presidente Dutra no Brasil, agosto de 1947 (©Cpdoc)

How do you do, Dutra?, por Jota A. Botelho

Os ianques têm provocado tanta lambança pelos países afora que já está ficando quase insuportável de viver neste mundo. E depois querem bombardeá-los quando fica sem saber como sair da cilada que entrou. O histórico é tão grande que nem vale a pena citar. Francamente Tio Sam, assim não dá! É cada mancada… Para combater o comunismo, desmontou a antiga União Soviética e hoje fica pasmo com as novas armas do camarada Putin, um espiãozinho que saiu do frio no mar báltico e agora está fora de controle. E como se não bastasse, também em nome do fim do comunismo, acabou ajudando a China a se tornar uma das maiores potências comerciais do mundo. É cada uma. Ficou pretensioso, coronel Custer? Lembre-se que Touro Sentado se levantou. 

A ERA DUTRA


Nova York, Times Square, agosto de 1945, foto Alfred Eisenstaedt (©Revista Life).

Em 1945, titio voltava para a casa triunfante com o fim da 2ª. Guerra Mundial. Festa em todo o país, na Times Square com direito a beijinhos-mamãe-me-dá e tudo mais. Havia chegado a hora de disputar à hegemonia com os soviéticos. Passaram-se mais de um século, desde sua guerra de independência, ganhando musculatura para esse momento glorioso: SER UM IMPÉRIO. E ÚNICO! Ah, quanta ganância e estupidez! E pior, a minha ingenuidade em exclamar tudo isso.

Surgido num dos territórios mais estratégicos do mundo – que quase ninguém tem – com cara para o Atlântico e bunda para o Pacífico, ou vice-versa, isso deve ter inflado suas aspirações tão logo terminada a tarefa de explorar cada palmo de seu imenso e riquíssimo território – e sem vizinhanças para incomodá-los – o Canadá, uma tripinha, e o México, ah, o México, tão longe de Deus… despovoado e miserável – depois partiram para o cacete.

O primeiro alvo foi o velho e decadente império espanhol. O Brasil de então ainda não vinha ao caso. Eles conheciam aquele tipo de sociedade escravocrata do come-e-dorme de uma monarquia transplantada, quando já tiveram algo parecido no sul do país e botaram abaixo. Sem ameaça. Quiet.

Pois não é que a partir de 1945, ao olhar para o pátio traseiro, resolveram limpar o quintal. Agora sim, vinha ao caso, e começaram pelo Brasil e Argentina, os mais ricos: Getúlio e Perón. Ainda não tinham a CIA, organizada somente em 1947, mas já tinham espiões e embaixadas. Vamos largar Perón pra lá e falemos apenas de Getúlio. Renunciaram-no!

Quando o embaixador Berle Jr. chegou por aqui, coisa de alguns meses, reuniu-se então com a galera golpista, deu alguns pitacos, mandou uns telegramas para Washington D.C. e foi-se embora. Decepcionado com as ofensas de conspirador, saiu sob protestos. Assim, sem mais nem menos; também quase não tinha mais nada para ser feito.

https://www.youtube.com/watch?v=SjkT408QVzU align:center

É que Getúlio Vargas, antes de sair de cena, já tinha negociado o futuro cenário político do país – apesar dos conspiradores locais – e preparado seu bota-fora para curtir sua estância em São Borja, deixando inclusive seus partidários gritando nas ruas, no Movimento Queremista: Queremos Getúlio! Queremos Getúlio! Não vai ter Golpe! Eleição (e Constituinte) sem Getúlio é Fraude! E assim foi. Entretanto, o velho Gegê sabia que não dava para enfrentar aquele discurso emergente do MUNDO LIVRE, ou melhor, do MERCADO LIVRE com uma ditadura nas costas, embora tenha sido um aliado da guerra e não se opunha muito ao livre comércio, desde que fôssemos realmente livres para fazer negócios.

Mas os tempos eram outros. Saiam os Estadistas e entravam os Mascates. A sua sucessão foi relativamente tranquila. Normal. Saiu Roosevelt lá, e entrou Truman, um ex-balconista de Armarinho de Secos & Molhados do Kansas. Aqui, saiu Getúlio e entrou Dutra, um leva-tompo da rua da Alfândega no Rio de Janeiro. Como general era um péssimo comerciante.

Aliás, as eleições de 1945, de certa forma, acabaram sendo militarizadas por um Brigadeiro e um General. E Getúlio lá, nas coxilhas, preso igual boi no pasto, e os candidatos abutres indo e voltando, enchendo o saco do “Velhinho” pedindo amparo e assuntando para quem seria o seu apoio. E a mídia se atentava mais com o que se passava por lá que quase esqueceu do Brigadeiro, que não parava de falar bobagens, chamando os trabalhadores de Getúlio de marmiteiros, subentendendo que ia passar o rodo na CLT. Com isso, Vargas acabou virando o centro das eleições e lançou um manifesto, a poucos dias das eleições, apoiando Dutra, um sem-votos, sem nenhum apelo popular, gerando inúmeros protestos no recém-criado e dividido PTB que acusava o General de traíra, golpista, um vendido para o imperialismo ianque. Diga-se de passagem, com uma certa razão. Mas acabaram apoiando o General que ganhou com mais 55% dos votos. E Gegê, sem ser candidato sem nada, também foi eleito senador e deputado por vários estados do país, tamanha a sua popularidade.

Tinha um Gomes nessa eleição, o tal Brigadeiro de nome Eduardo Gomes, candidato pela UDN, o partido dos juristas, os chamados bacharéis em direito, que acabou criando um nome de doce, o preferido por onze de cada dez crianças ricas brasileiras em dias de aniversários. E de alguns adultos também. É que para arrecadar fundos para a campanha, as “brigadeiras” vendiam os brigadeiros, o doce de chocolate, pelas ruas da cidade.

Se o Brigadeiro-candidato de doce não tinha nada, Dutra tão pouco se distinguia; era um neoliberal da época, que embora não tenha acabado com a CLT, passou todo o seu mandato sem dar qualquer reajuste ao salário mínimo, intervindo nos sindicatos e combatendo sem tréguas os trabalhadores que pipocavam greves pelo país afora, sobretudo depois de torrar todas as nossas reservas cambiais, comprando bugigangas dos gringos, e lançando o país numa espiral inflacionária.

Mandou o PCB para a PQP, cassando o registro do partido e o mandato do senador eleito Luis Carlos Prestes, que acabava de sair das masmorras do Estado Novo e com isso foi direto para a clandestinidade. Prestes foi um dos maiores líderes populares do Brasil entre os anos 20 e 40, talvez maior que Getúlio Vargas. Sua famosa Coluna Prestes correu mundo. Virou uma lenda, que até Mao Tse-Tung estudou suas estratégias de guerrilha em movimento. A Grande Marcha de Mao foi fichinha perto das marchas da Coluna. Não perdeu nenhuma batalha de inúmeras. Tive inclusive um parente que depois de umas quatro ou sete dizia que foi o único “militar” brasileiro que combateu a Coluna Prestes com RELATIVO êxito. Por aí vocês tiram uma ideia. Alguns membros do Partidão diziam que Prestes só não ganhou a revolução porque no Brasil não havia grandes ferrovias, algo como UM TREM RUMO À ESTAÇÃO CATETE. E Dutra que nunca combateu, fez essa arbitrariedade para agradar os gringos da Guerra Fria, sem ganhar nada em troca, exceto um pedaço de bolo quando de sua visita em Washington, em 1949 (vide no vídeo).

Dutra também tinha ataques moralistas, mandando fechar os cassinos, sobretudo o Cassino da Urca que, segundo fontes informais, considerava tudo aquilo um antro, principalmente pelo nome de seu proprietário Rolla, Joaquim Rolla, que ficou amigo de JK na década seguinte, quando este foi eleito governador de Minas e o pessoal do Jornal Binômio, o precursor d’O Pasquim, tirava o maior sarro, dizendo que Juscelino levava Rolla por toda Minas Gerais: “JK leva Rolla em Araxá!” E por aí vai.

Além de ser um pé-frio horroroso, Dutra acabou fazendo o Brasil perder a Copa do Mundo, em pleno Maracanã, contra o Uruguai, em 1950. Não provocou nenhuma “Primavera”, antes pelo contrário, um “Inverno de Lágrimas”, pelo berreiro que tomou conta do país todo. Foi ele quem inspirou o Complexo de Vira-Latas de Nelson Rodrigues.

Em resumo. Terminada essa lambança toda Getúlio Vargas acabou voltando ao poder nos braços do povo. Aí teve que começar tudo de novo, mais lambança. E de novo Vargas teve que dar outro nó e adiava a coisa por mais 10 anos. Passado esse tempo, conseguiram construir um mata-burro por 21 anos. De novo, terminada a matança, digo a lambança, veio uma Nova República que teve duas décadas perdidas nas mãos da neo-UDN, levando o país para o buraco. Mais outra lambança. Até que finalmente, para o azar do LIVRE MERCADO, surgiu um metalúrgico que virou um dos maiores líderes populares do Brasil, e hoje na eminência de se tornar um dos grandes civilizadores da humanidade, depois de tirar mais de 40 milhões de brasileiros da fome e da miséria, SEM DAR UM TIRO. E agora se encontra preso no gélido cimento de uma delegacia de polícia, para se tornar (de novo!) o centro das eleições diante de tamanha lambança sem fim.

Ô Tio Sam, essa coisa já está ficando manjada e cansativa. Ainda não percebeu que seus aliados internos são de uma incompetência MONUMENTAL. Basta olhar os prontuários, brother. Cadê os arquivos da CIA? Está na hora de escolher melhor os seus parceiros, ao invés de escolher sempre os herdeiros come-e-dorme da monarquia transplantada, seus colaboradores bastardos e os paneleiros contumazes. Eles são caríssimos e geram enormes crises. Tiveram quase 75 anos para implantar o neoliberalismo, o mercado livre e o capitalismo puro e a coisa sempre volta para o ponto de partida. Essa turma não gosta de capitalismo não, neoliberalismo, mercado livre e coisa nenhuma. Isso dá trabalho, e o trabalho para essa gente é mortal. Democracia dá trabalho, Direitos Sociais dá trabalho, Constituição então, nem pensar. Isso são coisas sofisticadíssimas para esse pessoal. O Povo para eles, pior ainda.

Negociar com quem entende das coisas fica mais barato, vai por mim. O Nine Fingers é bom nisso, caro Sam. Aproveite enquanto é tempo. O cara queria substituir o pessoal da bolsa família pelos paneleiros, sem catequese ou doutrinação alguma que, com o tempo, iria transformar este pais num grande exército de meritocratas e empreendedores capitalistas, cujos paneleiros voltariam às ruas pedindo à implantação do comunismo.

Olha para geração de 45, titio. Quem era os estatistas? Getúlio e Delano, dois aristocratas e das elites, embora fossem filhos da crise de 29, não é mesmo, temos que dá o desconto. E criaram as bases para os seus sucessores. Veio então o balconista do Kansas, e se tivesse ali o metalúrgico a coisa podia ser mais dura, pois, afinal, a negociação entre dois mascates nunca foi fácil, mas eles estariam falando a mesma língua, são filhos do trabalho duro, embora o primeiro entendia mais o que queria a burguesia do que o segundo, porém, este sempre entendeu mais o que podia oferecer aos trabalhadores.

Perdeu a noção de como funciona o sistema enquanto o camarada Marx não vem, tio Sam? Esqueceu? Agora só pensa em especulação financeira? Presta atenção, titio. Isso aqui é um quintal que nunca se inflamou, mas um dia pode incendiar toda a América Latina. Cuidado com uma nova Little Bighorn. Pode dar merda e, de novo, a coisa voltar para o ponto de partida. Nunca se sabe qual a velocidade da roda da história quando ela retornar a girar. 

O ENCONTRO DAS ÁGUAS


O encontro das águas: a crise neoliberal, a crise do nacionalismo getulista/trabalhista
e o calvário petista. 

O Nine Fingers também sabe de outras coisas. Ele deu uma banana para o Brigadeiro Ciro Gomes, que andou com os neoliberais, os getulistas e depois os petistas querendo ser presidente, mas, no entanto, todos eles desconfiavam, que sendo candidato, possivelmente não entendesse nada do que queria a burguesia nacional e nem tão pouco dos pobres trabalhadores, apesar da sua grande fome de saber. No fundo, no fundo o metalúrgico sempre desejou fazer como sucessor um operário como ele. Isso seria um dos seus maiores legados. Como ele mesmo diz, não podia errar, do contrário um trabalhador jamais chegaria de novo à presidência do Brasil. Todavia, acabou escolhendo a companheira Dilma, mais uma de suas inovações trazendo as mulheres para a cena política. Esta é mais uma face de sua generosidade. Entretanto, talvez pressentisse que se desse errado ele poderia voltar, tal como fez Getúlio com Dutra. Mas a política não é uma ciência exata, são como nuvens no céu, e deu no que deu para ambos. Se continuar na cadeia ele pode mudar de opinião, nesse encontro das águas que estamos vivendo, e por onde o Brigadeiro Ciro já transitou e se encontra agora sobrevoando. Figurinha difícil essa para uma conversa política íntima, ele entrega tudo, denunciando dessa forma uma necessidade incontida de ser maior que os líderes. Ou do discípulo ansioso em mostrar mais ousadia que os mestres. 

– How tru you tru, Truman? Teria respondido o General Dutra ao seu colega americano, depois de levar uma pernada dos gringos por falta de grana. Voltou dos States com uma mão na frente e outra atrás.

Atualmente também temos que responder em inglês para essas novas lambanças dos ianques e perguntá-los:
– How tru you tru, Trump? O que vocês querem, afinal? O domínio do fato ou o domínio de fato?

Com a palavra, a justiça brasileira. Outra lambança! 
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Algumas dicas da inspiração e nada mais:
CPDOC/FGV – Biografia Gaspar Dutra     
Folha/Uol – Dutra & Truman                                  
CPDOC/FGV – Verbete Adolf Berle Jr.                                   
Folha/Uol – A Diplomacia do dólar                                          
Carta Maior – Vamos aprender com o Velho… 
Livro – Anos 40: Quando o mundo, enfim, descobriu o Brasil
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Jota Botelho

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