O momento consercador da tv aberta brasileira

Blog Daniel Miyagi

O momento conservador da tv aberta brasileira 

 

  

  A saída de mais de vinte milhões de brasileiros da linha de pobreza para a classe E, D e C, a chamada nova classe média e o avanço da internet está trazendo desafios para os programadores de aberta.    
     Caso 1: : no decorrer da novela Insensato Coração, os autores Gilberto Braga e Ricardo Linhares foram chamados pela direção da Globo para uma conversa com o diretor-geral de entretenimento  Manoel Martins.O diretor teria determinado que a história que envolve o casal gay Eduardo e Hugo fosse esfriada. Muitas cenas já gravadas serão cortadas da história. Além da trama que envolve o casal, as cenas que denunciam a homofobia no Brasil, como a dos ataques homofóbicos, também serão eliminadas.As únicas cenas liberadas foram do personagem Roni, papel de Leonardo Miggiorin, já que fazem parte do núcleo de humor da novela. A Globo pediu aos autores que não polemizem o assunto, para que entidades não considerem os cortes como preconceito. Em resposta, a Globo disse que a televisão é um veículo de massa que precisa contemplar todos os seus públicos e faz parte do papel da direção zelar para que isso aconteça. Na mesma época, o SBT decidiu não exibir um beijo entre duas lésbicas na novela Amor & Revolução.
     Caso 2: recentemente, o humorista Rafinha Bastos soltou a frase ¨Eu comeria ela e o bebê¨no programa CQC, da Rede Bandeirantes, sobre a cantora Wanessa Camargo, que está grávida. Frase que teve grande repercussão, a artista se sentiu ofendida, acionou a emissora, entrou em processo contra Rafinha e o humorista foi suspenso por tempo indeterminado. Chegou a pedir demissão, mas a questão ainda está em aberto.
     Esses dois fatos não tem nada haver um com o outro, mas tem vários pontos em comum.
     A mídia oficial, seja na tv aberta, seja na imprensa com os quatro grandes (O Globo, Abril, Folha, Estadão), questionam o governo federal na lei de regulamentação da mídia, pois isso implica no cerceamento da liberdade de imprensa, numa volta a censura. Os veículos de tv  frequentemente falam contra a chamada Classificação indicativa do Ministério da Justiça, sob o mesmo argumento da censura.
     A questão é mais profunda e mais complexa do que se apresenta.
    Hoje, vemos um círculo vicioso em o meio termo, a busca pela convergência de opiniões está cada vez mais distante, crescendo um radicalismo perigoso.
     Não indo muito longe,  indo para a seara política, com a campanha da última eleição presidencial, com os candidatos José Serra do PSDB, Dilma Rousseff do PT.. No início, Serra era favorito, se mostrava um conciliador, evitando criticar o presidente Lula, e Dilma era uma desacreditada, com menos de 5%  de votos, segundo pesquisas da época. Na reta final do primeiro turno tudo mudou Dilma passou a ser favorita, com chances reais de vencer, e Serra mudou de postura, passou a usar táticas que mancharam totalmente sua biografia. Com o apoio de parte da mídia, espalhou-se boatos que a candidata Dilma iria legalizar o aborto, o casamento gay e a descriminalização das drogas. O movimento evangélico entrou em ação, o jornalismo, mesmo não admitindo, tomou partido em favor do candidato Serra.
      O jornalismo na tv aberta hoje vive um paradoxo: os chamados jornal mundo cão de anos atrás com programas extremamente populares e policialescos, como o Povo na TV, Programa do Ratinho  não dão mais o ibope de antigamente. O próprio apresentador Ratinho sabe disso e hoje seu programa está mais pro humor, mas continua no popularesco. Talvez o único programa desse tipo remanescente seja o Brasil Urgente da Bandeirantes. Mas isso não quer dizer que o policialesco e o mundo cão esteja em evidência, isso é mais pelo carisma do apresentador Datena.
Cena do filme Os3

     Por outro lado, o jornalismo dito ¨sério¨ se popularizou, com temas e reportagens que retratam a nova classe média. Não é raro vermos em muitas reportagens, um certo abuso de sentimentalismos e emoções, em matérias mostrando alguma tragédia, dando closes nos choros das vítimas, ou quando ocorre algum sequestro, uma overdose de quase 24 horas de cobertura, com muitas críticas de apuramento dos fatos, muitas vezes nesse momento a imprensa parece querer tomar o lugar da polícia, já acusando ou denunciando antes mesmo do surgimento da prova concreta.

     Isso também é resultado da cultura do reality show, onde todos veem o comportamento humano numa tela, tanto faze se é numa tv, ou se é na internet. Graças ao sucesso de Big Brother Brasil e seu irmão na Record, A Fazenda, hoje é ¨normal¨  sermos astros de nós mesmos, e nos exibirmos diante de uma cãmera nossa privacidade com todo tipo de constrangimento que isso implica. Na Mostra de SP há um filme interessante que aborda exatamente isso, o Os 3.  O filme se utiliza da metalinguagem , utilizando redes sociais como twitter, e o YouTube. 
O humorista Rafinha Bastos

     Se por um lado o crescimento das redes sociais ocorrem também com o avanço dos vários segmentos e minorias sociais, como as mulheres, negros, LGBT, o lado conservador, como grupos de skinheads, grupos contra nordestinos, evangélicos conservadores (bom ressaltar que nem todo evangélico é conservador) também souberam se apropriar das redes sociais, propagando suas idéias preconceituosas.

    Então, o que ocorre na tv, é muito mais que a chamada ditadura do politicamente correto. Esse termo hoje foi desfigurado. Desaprovo a piada do Rafinha Bastos, eu, de início concordei com o afastamento dele no programa. Mas depois refleti e, sejamos sinceros: ele foi punido da emissora, mais pelo estrago comercial, já que o marido Marcus Buaiz ameaçou retirar anunciantes do programa CQC. Por que a direção da Bandeirantes não tomou providências quando o mesmo Rafinha fez a piada sobre estupro? Posso dizer que naquele momento não houve um nome conhecido em evidência. Que a piada do Rafinha é de mau gosto e desrespeitoso isso ninguém tem dúvida, mas me digam: nos outros programas humorísticos da tv não existe uma apelação também? Em A Praça é Nossa, Zorra Total e Pânico, a mulher não é tratada de forma vulgar e machista, muitas vezes exibindo seu corpo quase nu? Ou mesmo os gays, Costinha, Ary Toledo, tem muito em seu repertório piadas gays machistas pra muitos vulgares.  O humor mexe com o preconceito trata na ferida e sempre vai atingir determinados grupos.
      Semana passada terminou de forma gloriosa o remake de O Astro. A novela foi um sucesso incontestável. Os deuses conspiraram a favor e deu tudo certo, o texto, a produção, a interpretação (todos foram bem mas como não mencionar Regina Duarte?) , a crítica elogiou, houve o boca a boca a repercussão nas redes sociais. Mas O Astro , além de remake, é um modelo de novela já conhecido, o chamado dramalhão folhetinesco, com todos os seus chavões e clichês. Quando um autor tenta fugir da regra, tentando renovar o produto, a audiência não corresponde, o público não entende. Esse público talvez seja essa nova classe média. Mais recentemente tivemos a novela Tempos Modernos, que o autor Bosco Brasil (consagrado dramaturgo teatral) tentava uma nova linguagem, um pouco atrás, Mario Prata tentava o mesmo com Bang-Bang.. Em vão, fracasso de audiência.
Rodrigo Andrade e Marco Damigo, intérpretes de Eduardo e Hugo em “Insensato Coração”

     Mas quando um novelista resolve engajar um tema, o politicamente correto se torna inviável para a direção das emissoras. Prova disso foi Insensato Coração,  em que os autores Gilberto Braga e Ricardo Linhares tentaram abordar a homofobia e isso foi vetado, com medo da repercussão dos patrocinadores temerem rejeição do público. Mas na mesma novela o personagem gay estereotipado que não levanta nenhuma bandeira gay não levou nenhuma interferência da direção. Em Fina Estampa temos um personagem gay afetado, sem abordar o preconceito. Isso pode.

     Esse momento que a mídia vive, e seu principal veículo, a tv aberta, me preocupa. Esse misto de conservadorismo, misturando interesses econômicos, mais o acirramento de grupos radicais através de redes sociais é algo que a sociedade deve refletir urgentemente.
   
Daniel Miyagi
Redação

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