produtos
Sugerido por Gilberto
Da Folha
Edifício Martinelli guarda mistérios e assombrações
CLAUDIA CRESCENTE
DO BANCO DE DADOS FOLHA
Um dos pontos turísticos mais interessantes de São Paulo, o Edifício Martinelli é também um arquivo de histórias misteriosas envolvendo personagens de uma metrópole que cresceu aos atropelos. De “point” da elite a cortiço, o prédio foi palco de prostituição, suicídios, tráfico de drogas e assassinatos jamais solucionados.
Entre os que encontraram seu fim nos corredores e apartamentos do edifício está Neide, uma jovem com um passado obscuro encontrada morta em 30 de junho de 1965 no terreno de um prédio vizinho ao Martinelli. Sua morte e a investigação policial foram seguidas de perto pelo “Notícias Populares”, que também relembrou outros crimes ocorridos ali.
As mortes que o gigante de concreto testemunhou são hoje histórias de fantasma, com direito a portas que se fecham sozinhas e vultos sombrios nos corredores. Mas, inaugurado em 1929, o primeiro arranha-céu da cidade (tem 30 andares) reunia a nata da sociedade paulistana nos aposentos e bar do hotel São Bento e nas matinês do cine Rosário. Localizado entre as ruas São Bento, São João e Líbero Badaró, no centro, era o orgulho da cidade.
Folhapress
Manchete do ‘Notícias Populares’ apresenta outra versão para morte de Neide, que teria caído do edifício Martinelli
A ousadia da obra do imigrante italiano Giuseppe Martinelli não salvou o edifício de uma lenta decadência: endividado, o conde precisou vendê-lo para um instituto italiano, que administrou o gigante até meados da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Quando o Brasil declarou guerra ao Eixo, o governo confiscou os bens de italianos no país e, assim, o Martinelli passou ao domínio público. Com o fim do conflito, o prédio foi progressivamente ocupado por moradores menos ilustres, que buscavam ali uma opção de moradia barata perto do trabalho.
O cinema fechou, o hotel deixou de ser chique e o Martinelli, rebatizado de edifício América, passou a ser um dos maiores cortiços da cidade já nos anos 1950. Das colunas sociais migrou para as páginas policiais do “NP” em reportagens horripilantes. No caso de Neide, a matéria de 1º de julho (“Mundana jogada do alto do Martinelli”) contava que os operários que trabalhavam na construção do prédio vizinho encontraram o corpo “em estado deplorável, o rosto deformado, numerosas fraturas expostas e o antebraço direito desligado do tronco”.
A moça parecia ter caído de uma altura considerável. A Delegacia de Homicídios descartou logo de cara a hipótese de assassinato e ficou com a de suicídio. Mas análises preliminares do Instituto Médico Legal constataram que o corpo de Neide apresentava sinais de esganadura e marcas de choques nas mãos. O caso precisava ser analisado de novo.
As investigações elucidaram aos poucos a vida de Neide: trabalhava na chapelaria da boate Oasis, tinha 17 passagens pela polícia e era viciada em jogo. Sua irmã Neuza contou à polícia que a moça, antes de morrer, andava às voltas com uma dívida de Cr$ 100 mil no carteado. Não morava no Martinelli, e ninguém sabia dizer o que a levara até lá. Nenhum dos moradores ou frequentadores a viu entrar, e a polícia penava para descobrir o andar ou apartamento do qual Neide caiu.
Folhapress
Em julho de 1965, agenda de endereços de Neide vira esperança de novas pistas, mas não levou a nada
Quando morreu, portava apenas um porta-moedas e a chave de seu apartamento na alameda Barão de Limeira. Em sua casa, a polícia encontrou um recado para a irmã: “Voltarei logo”. Apesar da dívida e da vida desregrada, a equipe do “NP” não acreditava que Neide cometera suicídio e apostava na hipótese de tortura (as marcas de choques eram uma pista) seguida de morte.
Em 13 de julho de 1965, o jornal anunciava: “Neide jogada do prédio depois de assassinada!”. Ela podia ter sido atirada de uma das janelas depois de morta, de acordo com a opinião de alguns policiais. Mas a falta de pistas desnorteava as investigações; era mais um mistério que o Martinelli guardava e que levaria a polícia a arquivar o caso.
Em 1974 o jornalista Ary Morais resgatou algumas dessas histórias escabrosas na coluna “Grandes crimes no prédio Martinelli”. A série foi publicada no “NP” de 3 a 9 de janeiro e trazia, além do caso de Neide, os do garoto Davilson e da adolescente Rosa. Sobre Neide, quase dez anos depois de sua morte o jornal revelava que cálculos da polícia demonstraram que ela caíra (ou fora jogada) do 17º andar, e que seu amante, um estelionatário argentino, nunca foi encontrado para ajudar a esclarecer a morte.
O prédio, pelo visto, já assombrava delegados há muitos anos. Em 9 de março de 1947, os jornais da época noticiaram discretamente que um cadáver fora encontrado no Martinelli. O corpo era de um adolescente e, além de coberto de ferimentos, estava sem paletó e com as calças descidas até o joelho. Como nos conta Ary Morais, o morto era Davilson Gelisek, de 14 anos, que morava com a família no centro e trabalhava em uma alfaiataria na rua Senador Feijó.
Quatro dias antes de ser encontrado naquela situação, o garoto foi trabalhar normalmente. Saiu para entregar algumas encomendas e não voltou mais. A autópsia revelou que a causa do óbito foi a queda de grande altura, mas, mesmo com o registro de várias escoriações no cadáver, o delegado que cuidava do caso concluiu que fora acidente. Na boca do povo prevaleceu a tese de que Davilson participava de uma das orgias que aconteciam nos apartamentos do Martinelli quando foi morto.
Ao que parece, a Justiça sempre deu com a cara nas portas do prédio: na noite de 9 de agosto de 1972, mais um assassinato ocorria ali e seria também arquivado por falta de provas. Desta vez era Rosa dos Santos, uma loirinha de 17 anos que, segundo testemunhas, estivera com um homem no hotel São Bento. Seu corpo foi encontrado pelo funcionário de um banco vizinho ao Martinelli que fazia hora extra quando ouviu um grande barulho: da janela do 2º andar, viu a moça estatelada no térreo do prédio.
Mistério no Martinelli Ver em tamanho maior »
1965/FolhapressAnteriorPróxima
A morte de Neide fez parte de especial do “Notícias Populares”, em 74, sobre crimes no Martinelli
Um sapato de Rosa foi encontrado no 17º andar e sabe-se que ela passou por um baile antes de encerrar o dia no Martinelli. O tal senhor que a acompanhava naquela noite não foi reconhecido por ninguém e nunca foi encontrado. Sem mais evidências, a polícia seguiu o padrão e arquivou o caso.
Poucos anos depois da morte de Rosa, em 1975, assumiu a Prefeitura de São Paulo o engenheiro e banqueiro Olavo Setúbal, que decidiu ressuscitar o edifício América. Os apartamentos de propriedade privada foram comprados e todos os moradores foram desalojados. A restauração preservou alguns traços originais do edifício e passou por cima de outros, tudo com financiamento da própria prefeitura e de alguns bancos.
O edifício Martinelli recuperou seu nome e foi reinaugurado por Setúbal em 1979. Desde então, abriga algumas secretarias municipais, lojas, cafés e escritórios, e recebe centenas de visitantes diariamente. Embora pareça baixinho perto de outros prédios mais modernos, sua arquitetura e o terraço restaurado mantêm o local como um dos preferidos dos paulistanos. Quanto aos assassinatos, são agora apenas uma boa história para turistas.
Faça login para comentar Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.
Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.
Mais um mistério: o fim do filho desapegado
Vindo da Itália, Martinelli começou como açougueiro, virou construtor e armador, como dono do Lóide Nacional e algumas dezenas de navios.
Algum tempo depois de construir seu famoso edifício, Giuseppe Martinelli mudou-se para o Rio de Janeiro, onde seu herdeiro (acho que era adotivo), dizem que com uma síndrome psicológica estranha que o levava a desfazer-se de tudo.
Perdeu em dívidas o belo palacete mourisco que ficava no Flamengo (na ponta do morro da Viúva) e viu-se sem nada . Alguém talvez possa resgatar melhor a história.
O Loide Nacional me lembra de mais uma sucateação neoliberal: A do Loide Brasileiro, que fazia o transporte marítimo de cabotagem pelo Brasil.
Histórias para lembrar, de um Brasil que desde as asas da Panair, conseguiram até fazer andar pra traz
A história comprova
Parece que a polícia paulista não é lá muito competente de longa data…
Junto ao Ministério Publico,
Junto ao Ministério Publico, né…
Curiosidades sobre Martinelli
1) Algum tempo depois da construção do famoso prédio, Martinelli voltou para o Rio, construindo seu “palacete Martinelli” (> 16 mil m2 espalhados pelo Morro da Viúva, no Flamengo). Além de armador, com 22 navios no Lóide Nacional, tinha o Estaleiro Guanabara e construiu muitos prédios, sempre com 20+ andares.,
2) O palacete ou “Villa” Martinelli” serviu de cenário a vários filmes, dentre os quais “Terra em Transe” (cena com Paulo Autran). Lá havia obras de Boticelli, Michelangelo, Raphael, DaVinci, Bellini, Giotto e outros, adquiridos da Itália quebrada ao final da 1a. guerra.
3) Do seu primeiro casamento, nasceu a artista Marina Bonomi. Casou-se pela segunda vez com Rina, filha da sua lavadeira.
4) A esposa acabou enrabichando-se com um deputado que (dizem) foi o primeiro a ser cassado no Congresso. O motivo da cassação foi uma foto de cuecas com a parte de cima do fraque, que foi tirada por uma pegadinha dos fotógrafos. A famosa foto saiu até na Time.
5) Dizem que o caso com o deputado o fez morrer de desgosto e sua fortuna era tão grande que só o inventário pesava mais de 30 kg em papel.
6) Seu filho do segundo casamento dizimou a fortuna, ficando famoso por assinar qualquer documento que lhe rendesse o dindin da próxima noitada nas boates do Rio. Foi interditado pela família, mas já era tarde.
7) O palacete foi vendido por ele em condições obscuras para um famoso empreendedor imobiliário que o demoliu e lá construiu um espigão de uns 30 andares. O garoto propaganda foi o ator Rubens de Falco.
Predio Novo 
Em decadência
Na Veja 
Villa Martinelli
Mais em http://www.signoredelbosco.com/#!palacete/c786
Um prédio perigoso para crianças
Meu avô, Constantino Lopes, foi por muitos anos sócio de uma loja de artigos fotográficos no térreo do prédio Martinelli, na Av São João n. 45: a Ótica Foto Central. Meu pai, que nasceu em 1935, contava que – ainda adolescente – ajudava meu avô com as tarefas da loja. Por falta de espaço no térreo, o laboratório de revelação fotográfica funcionava num apartamento alugado no próprio prédio.
Por conta dessa onda de crimes e da degradação do ambiente, minha avó proibiu o meu pai de subir ao laboratório sem a companhia de um adulto.
Meu avô morreu ainda novo, em 1963, um ano antes de eu nascer. Tocada pelo sócio remanescente, a loja resistiu com dificuldades até meados dos anos 1970 – quando a confusão das obras do Metrô e a decadência da vizinhança espantaram definitivamente a freguesia. A chamada “revitalização” do Centrão só foi começar bem depois.
O curioso é que, embora fosse uma loja ligada à fotografia, eu nunca encontrei uma única imagem (seja nos guardados da família, nos livros históricos ou nos arquivos de fotos) onde apareça essa loja de meu avô.