ENTREVISTA com Fabrício Ramos e Camele Lyra Queiroz
Fabrício Ramos – Meus pais sempre estimularam a leitura em casa, desde pequeno, eu passeava muito pela estante de livros de meu pai. Durante a faculdade de comunicação, sob o estímulo de alguns amigos, acabei realizando um documentário sobre diversidade religiosa em Ilhéus, registrando a repercussão das mortes, em dias consecutivos, de um pai de santo e do bispo emérito de Ilhéus, ambos muito populares e queridos na cidade. O processo de fazer o doc, que pra mim era novo e totalmente experimental, me fez querer entender as coisas expressando-as através dos sujeitos dos quais eu me aproximava com a câmera e com a minha visão de mundo. O doc “hera” também reflete essa vontade de descoberta, aproximação e entendimento do outro, para fazer gerar em mim uma visão autoral.
Camele Lyra Queiroz – Minha infância literária foi bem divertida. Teve muita leitura dos Irmãos Grimm, Monteiro Lobato, a poesia era muito presente, era uma coisa bem comum no dia a dia. A descoberta do audiovisual aconteceu na faculdade de comunicação. Foi como perceber uma brecha no academicismo que me possibilitou utilizar alguns conhecimentos que acessei durante a faculdade, porém não para reafirmar a tese de um ou de outro teórico, mas apenas para tratar de coisas que tenho interesse e que julgo terem alguma importância ou valor cultural. Outro dado importante foi o contato com a história do cinema de Retomada, que me fez enxergar que temos um estilo próprio de contar nossas histórias, de representar as nossas realidades. Isso nos deixa mais a vontade para criarmos com aquilo que temos, sem precisar seguir modelos ou padrões ditados pelo que é mais difundido.
Antonio Nelson – E o contato com a poesia! Tem algum poeta na família?
Fabrício Ramos – Não tenho familiares próximos que são poetas, mas sempre quis escrever poesia: nunca consegui! Escrevia versos íntimos na adolescência para jogá-los fora e durante a faculdade formávamos um grupo que se reunia eventualmente para ler e compor poemas. Decidi que lido muito melhor com a poesia lendo-a e apreciando-a do que criando, mas estou sempre próximo dela.
Fabrício Ramos – Desde que eu e Camele criamos o Bahiadoc – arte documento, há menos de um ano, é certo, decidimos ficar mais atentos e buscar dar alguma ressonância aos contextos culturais baianos, muitas vezes substanciais mas pouco mencionados e mesmo pouco conhecidos, sobretudo das novas gerações. Trata-se de um tema de relevância histórica a julgar pela reverberação que os poetas alcançaram na Bahia e mesmo no Brasil, e o doc alia uma oportunidade inestimável de resgatar um importante capítulo da cultura literária baiana com o nosso escopo de exercitar o que chamamos de arte documento, conceito que orienta o Bahiadoc, isto é, captar o aspecto documental da arte, através da própria arte, valorizando os cenários baianos e a produção audiovisual independente.
Antonio Nelson – Quais foram os maiores desafios na produção do documentário?
Fabrício ramos – Um dos grandes desafios do documentário, conceitualmente, era o enfrentamento, no bom sentido, com os poetas. Lemos muito de suas produções na edição especial fac-similar da revista Hera, volume que reúne todos os números da revista publicados ao longo de 33 anos. Percebemos, do nosso lugar de leitores, uma rica substância poética na obra, e que também foi apontada por críticos importantes. Assim, o desafio maior foi, nessa aproximação com os poetas, conseguir extrair dos nossos encontros toda a dimensão poética que as suas criações e vivências revelam. Em termos práticos, o desafio foi viabilizar o doc sem patrocínios. Sempre salientamos a importância e a imprescindibilidade das políticas públicas de estímulo à produção audiovisual de relevância cultural, ao mesmo tempo que sempre ousaremos experimentar modelos alternativos de viabilização das produções. Se fizemos o doc “hera” sem patrocínio, sabíamos das limitações estruturais que poderiam refletir no resultado final (por ex, com maior estrutura, poderíamos ter mais tempo com os poetas, maior tranquilidade para pesquisa e filmagens etc). Mas também sabíamos que, considerando o propósito maior de cada produção audiovisual, seria possível realizar um registro simbólico coerente, embora não realizado em toda sua plenitude, em todo o seu potencial em vários aspectos. Decidimos fazer a exibição especial para os poetas e aberta ao público interessado porque julgamos, de nossa ótica de realizadores, que os próprios poetas (suas falas e presenças), como sujeitos do doc, constituem a qualidade de seu conteúdo. A nós, autores, couberam apenas a grata missão de construir uma mensagem, da forma que nos foi possível, a partir dos encontros com os poetas e que fosse o mais possível fiel à dimensão da experiência.
Direção: Fabrício Ramos e Camele Lyra Queiroz
Produção: Fabricio Ramos e Camele Lyra Queiroz
Câmera: Ivanildo Santos Silva e Danilo Umbelino
Assistente de câmera: Danilo Umbelino
Edição, montagem e finalização: Fabricio Ramos e Camele Lyra Queiroz
Realização: Bahiadoc – arte documento
documentário – cor – 1h23min – 2012 – HD
*Antonio Nelson é jornalista, ciberativista da liberdade na rede e do software livre.
http://www.youtube.com/watch?v=TijjphTYW84
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