Conversando sobre economia com a minha filha, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Conversando sobre economia com a minha filha

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Esse livro de Yanis Varoufakis publicado pela editora Planeta em 2015 foi a primeira obra interessante que li em 2019. Nele, o ex-ministro de finanças da Grécia utiliza a literatura e o cinema para explicar de maneira leve conceitos sofisticados de economia à sua filha adolescente.

Na conversa que mantém com sua filha (e, por via de consequência, com o leitor), Varoufakis procura estabelecer uma certa cumplicidade. Isso lhe permite expor insights contra intuitivos como “…pode acontecer de o preço do trabalho (o salário) baixar e isso por sua vez reduzir, em vez de aumentar, a demanda de trabalho. (Conversando sobre economia com a minha filha, Yanis Varoufakis, editora Planeta São Paulo 2015, p. 133). A explicação que ele dá para esse fenômeno é teoricamente impecável. A economia lida com expectativas humanas e não com leis imutáveis. 

“O fato de os trabalhadores estarem dispostos a trabalhar por uma miséria significa que, mesmo que arranjarem emprego, não terão dinheiro para gastar e, portanto, não poderei vender-lhes meus produtos.” (Conversando sobre economia com a minha filha, Yanis Varoufakis, editora Planeta São Paulo 2015, p. 136).  Esse tipo de raciocínio, perfeitamente lógico, pode levar os empresários a reagir com pessimismo quando os salários estão em queda livre. É exatamente isso o que está ocorrendo no Brasil. A Reforma Trabalhista rebaixou os salários, mas a prometida retomada dos investimentos não ocorreu. Ninguém quer correr o risco de produzir bens e serviços que não poderão ser vendidos por falta de consumidores.

“Ao contrário da natureza, para a qual não importam a nossa visão nem as nossas expectativas a respeito dela (por exemplo, o tempo e o restante dos fenômenos naturais se sucedem independentemente do que pensamos sobre eles), na economia as nossas expectativas têm um papel determinante.” (Conversando sobre economia com a minha filha, Yanis Varoufakis, editora Planeta São Paulo 2015, p. 180)

“É óbvio que uma economia monetária não pode funcionar nem sequer de maneira elementar, em condições de miséria e de insegurança profundas. Só a previsão de um colapso é capaz de gerar o… colapso.” (Conversando sobre economia com a minha filha, Yanis Varoufakis, editora Planeta São Paulo 2015, p. 181)

Os acontecimentos recentes no Brasil não desmentem Varoufakis. Em 2015 a imprensa começou a fazer campanha declarada contra o governo Dilma Rousseff. Naquela época, as expectativas criadas pela imprensa, pelos empresários e até pelo dono de um restaurante que eu frequento eram as melhores possíveis. Elas podem ser resumidas da seguinte maneira: é só tirar a Dilma que as coisas melhoram. Elas não melhoraram. De fato, as medidas neoliberalizantes adotadas por Michel Temer (Reforma Trabalhista incluída) apenas pioraram o desempenho do comércio, deprimiram a atividade industrial e fizeram a arrecadação de impostos cair.

Nesse sentido, o livro de Varoufakis nos ajuda a compreender como e porque “…o dinheiro tem que ser controlado pelo Estado, uma vez que só este pode garantir que, se alguém levar nosso dinheiro: (a) o dinheiro roubado nos será devolvido e (b) o ladrão será perseguido e castigado. Podemos detestá-lo, mas, afinal, o Estado constitui nossa única esperança de viver de forma civilizada e em segurança. Falta apenas encontrar uma maneira de controla-lo coletivamente para não deixarmos que se torne um agente a serviço de interesses particulares.” (Conversando sobre economia com a minha filha, Yanis Varoufakis, editora Planeta São Paulo 2015, p. 187)

As eleições de 2018 consolidaram o golpe de 2016. As expectativas criadas pelo governo Jair Bolsonaro não são nada boas. Em alguns meses seremos soterrados por uma avalanche de privatizações, desregulamentações e reduções de despesas com educação, saúde e previdência social, combinadas com aumentos permanentes dos preços de energia elétrica, gás de cozinha, gasolina, óleo diesel e dos juros bancários. O tombo da classe média não será menor que o da classe trabalhadora. Ao invés de controlar o dinheiro, o estado brasileiro deixará que ele (e tudo o mais) seja controlado exclusivamente pelos banqueiros.

Em pouco tempo estaremos na mesma situação deprimente da Argentina. Algumas empresas, porém, apresentarão lucros imediatos fantásticos que serão comemorados pela imprensa. E assim, teremos a impressão de que estamos melhorando enquanto afundamos. Nenhuma novidade. Em breve o Brasil experimentará os efeitos de um paradoxo mencionado por Varoufakis.

“… de maneira geral, quanto pior estiverem as coisas e quanto mais empresas estiverem mal, mais depressa… aumenta a rentabilidade daquelas que sobreviveram. O ditado ‘a sua morte é a minha vida’ transforma-se em ‘a sua falência é a minha rentabilidade’. Em linhas muito gerais, esse grande paradoxo da rentabilidade consiste no fato de que, nos períodos de desenvolvimento e euforia, a rentabilidade tende a baixar, uma vez que as sociedades de mercado convergem para a economia da Matrix. Em contrapartida, durante uma crise há um momento (não imediatamente, claro) em que a rentabilidade das empresas que sobreviveram começa a aumentar.” (Conversando sobre economia com a minha filha, Yanis Varoufakis, editora Planeta São Paulo 2015, p. 187)

Mas essa melhora de algumas empresas não irá se refletir na economia como um todo. E certamente não irá se refletir numa melhora da participação dos salários no PIB, que é o que realmente interessa à classe trabalhadora e alguns setores da classe média.

Além disso, há um outro problema. À medida que os banqueiros passarem a controlar o direito (e tudo o mais) eles se sentirão tentados a aumentar a dívida do presente para com o futuro. E o resultado será uma crise ainda maior do que aquela em que nos encontrávamos em 2015, pois:

“…no ventre dessa economia em desenvolvimento esconde-se a semente do mal, o embrião do monstro e a desculpa de que a magia negra (quer dizer, o sistema bancário) precisa para produzir caos, terror e infelicidade: o equilíbrio gera o desequilíbrio, a estabilidade gera a instabilidade e o desenvolvimento gera o colapso financeiro, a falência e a bancarrota. Ora, por trás dessa geração contraditória do mal, esconde-se a mão do banqueiro.

Você se lembra de quando eu disse que a dívida é necessária para as sociedades de mercado? Que sem dívida não há lucro? E que sem lucro não existe superávit? Agora acrescento o seguinte: o mesmo processo que gera o lucro e a riqueza também gera o colapso financeiro, a falência e as crises. Quanto mais estável for o processo de desenvolvimento, mais motivos os banqueiros terão para utilizar os seus poderes mágicos. No entanto, sem que percebam, a sua magia ultrapassa os limites, transforma-se em magia negra e imediatamente vem a crise, a quebra, o colapso. Ora, o colapso nada mais é do que a desestabilização repentina do equilíbrio diacrônico (o equilíbrio dos fatos em sua evolução no tempo), uma vez que o presente tem que confessar ao futuro que não pode devolver o que lhe deve.” (Conversando sobre economia com a minha filha, Yanis Varoufakis, editora Planeta São Paulo 2015, p. 79/80)

Para entender o que Varoufakis quis dizer com “magia” do banqueiro sugiro ao interessado que adquira o livro. Quem não poder fazer isso poderá ler um resumo deste conceito em https://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/como-explicar-o-fenomeno-bolsonaro-para-yanis-varoufakis-por-fabio-de-oliveira-ribeiro.

A obra é agradável, mas contém pelo menos dois problemas. O primeiro se encontra na página 118/119. Varoufakis se refere a um diálogo entre Neo e o agente Smith no filme Matrix. Na verdade, esse diálogo ocorre entre o agente Smith e Morpheus https://www.youtube.com/watch?v=WxbeL6Ao-Lw.

O segundo problema é mais delicado. Ele ocorre quando o autor utiliza a obra Fausto para explicar o funcionamento do mercado de trabalho (páginas 123 e seguintes). Varoufakis parece ter se esquecido que na versão de Goethe existem dois contratos: um deles é celebrado no prologo entre Deus e Mefistófeles; o outro é feito entre Fausto e Mefistófeles no curso da obra. O primeiro contrato é ignorado por Fausto, mas não por Mefistófeles. Ele sabe muito bem que pode atormentar Fausto apenas durante a vida e que, mesmo assim, a alma dele ainda poderia ser coletada por Deus (como de fato ocorre ao final da obra). Seria interessante ver como Varoufakis conseguia inserir esse duplo contrato no contexto de suas análises econômicas.

A economia não tem segredos. A democracia também não deveria ter. O problema é que:

“…na maior parte das vezes os políticos que governam o Estado salvam os banqueiros usando o dinheiro dos cidadãos mais pobres. Em contrapartida, os banqueiros financiam as campanhas eleitorais dos políticos que os tratam bem. O resultado é uma relação ‘íntima’ demais entre políticos e banqueiros, o que é prejudicial para o resto da sociedade.

Como você vê, a ideia de que o Estado é amigo dos banqueiros e acaba sempre por salvá-los faz com que estes se tornem insolentes e negligentes.” (Conversando sobre economia com a minha filha, Yanis Varoufakis, editora Planeta São Paulo 2015, p. 83/84)

Essa advertência de Varougakis merece especial atenção no Brasil atual. O golpe de 2016 e a eleição de Bolsonaro em 2018 foram financiadas pelos banqueiros. À medida que os Bancos assumirem o controle do dinheiro (e de tudo o mais) o resultado será um aumento da insolência e da negligência financeira. O Brasil sobreviveu à crise de 2008 porque nosso sistema bancário era regulado e não participava da farra norte-americana (emissão de títulos podres lastrados em dívidas que não poderiam ser cobradas). Impossível dizer qual será o tamanho do estrago se Bolsonaro transformar o Brasil nos EUA.

O dono do restaurante que mencionei acima continua lutando para sobreviver. Os lucros dele decresceram à medida que o povão deixou de frequentar o estabelecimento e o preço do gás de cozinha subiu. Mas ele continua otimista. A julgar pelo que aprendi no livro de Varoufakis já não sei se o otimismo dele irá salvá-lo.  

Fábio de Oliveira Ribeiro

1 Comentário

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  1. o milagre economico de 70 foi

    o milagre economico de 70 foi assim.

    milagre economico para poucos e inferno pára a maioria sda população…

    o bolo do delfim crescia e o bolo da população murchava….

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