As polêmicas sobre a história militar, comentário de Carlos Dias

Por Carlos Dias
comentário no post Os militares, do Iluminismo ao terraplanismo, por Luis Nassif

Além da ótima citação do Nassif que é o José Murilo de Carvalho, há um livro que contribui bastante com essa discussão, pois enfoca a mesma questão intelectual entre civis e militares:

Angela ALONSO. Ideias em movimento: a geração 1870 na crise do Brasil-Império. São Paulo, Paz e Terra, 2002.

O texto ajuda a compreender o que para mim está na raiz do problema que temos nas Forças Armadas brasileiras: o ressentimento dos militares para com os civis.

Nassif apontou isso muito bem: “Os bacharéis civis provinham de famílias abastadas e iam buscar colocação no serviço público. Os militares vinham de famílias de militares e de baixa renda, portanto com uma visão de país diferente do patrimonialismo histórico”.

Ainda hoje as Forças Armadas são oportunidade de ascensão social para as famílias de baixa renda, o que as tornam presas fáceis das doutrinas da época.

Há que se considerar também que antes da Independência em 1822, os militares obedeciam a comandos portugueses para manter a Colônia em pé. Depois do “grito do Ipiranga”, passamos a ter comandos (supostamente) brasileiros para lutar contra os próprios brasileiros, ou seja, forças armadas com funcionamento dúbio, que ninguém sabe a quem eles obedecem, a portugueses ou brasileiros naquela época, e hoje a brasileiros ou a norte-americanos.

Faltou falar na vergonhosa Guerra contra o Paraguai, uma covardia histórica do Exército brasileiro, que muitos deles preferem nem lembrar. Depois que Argentina e Uruguai abandonaram o confronto, assim como o nosso próprio Duque de Caxias, nossos soldados, quase todos pretos,

pardos e índios, ficaram em campo lutando contra crianças, mulheres e idosos, até o extermínio quase completo da população guarani-paraguaia.
Quando voltaram ao Brasil, esfarrapados, encontraram um Império em ruínas, sem comando e sem grana para recompensá-los pela “vitória”.
Oportunidade perfeita para o golpe da República.

Quando você for convidado pra subir no adro
Da fundação casa de Jorge Amado
Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos
Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos e outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)
E aos quase brancos pobres como pretos
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados…

Haiti – Caetano Veloso

Redação

6 Comentários

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  1. Esse cidadão precisa ler o livro Maldita Guerra, do Prof. Francisco Doratioto, para apagar da mente as bobajadas ao estilo “Genocídio Americano: a Guerra do Paraguai”. Solano Lopez agrediu o Brasil e, dali por diante, empreendeu uma campanha feroz, disposto a sacrificar até o último combatente, fosse ele homem ou criança, em uma guerra total. O Prof. Doratioto diz inclusive que Lopez foi um precursor de Hitler, nesse estilo de guerra total e sem rendição. D. Pedro II sabia que o Brasil não teria sossego enquanto Lopez vivesse, pois ele não se rendeu jamais e reunia fanáticos ao seu redor que obrigavam inclusive as crianças a combaterem. Como estadista o imperador tomou a amarga decisão de resolver a questão, inclusive enfrentando a resistência de maçons que não queriam a morte do “irmão”, o ditador paraguaio. A guerra teve um custo pessoal alto para o soberano, que envelheceu muito ao longo da guerra. Seu genro, marido da princesa Isabel, voltou mentalmente afetado pelos horrores que viu no teatro de operações. Enfim… muito a considerar.

  2. Sobre a “vergonhosa e covarde” participação das forças armadas brasileiras na guerra do Paraguay, recomendo a todos ler o livro “Maldita Guerra”, de Francisco Doratioto, uma obra definitiva sobre o assunto.

  3. Personalidades como Hitler, Mussolini e Stálin só podem ser compreendidas dentro do contexto em que viveram. O mesmo deve valer para Solano López. Alguém conhece algum autor paraguaio que nos fale sobre López? Não se deveria ouvir quem mais sofreu com a tragédia? Por outro lado, dizem que os documentos sobre a Guerra do Paraguai no Arquivo Nacional não são totalmente acessíveis. Se verdade, o que dizem que não pode ser revelado?
    Sobre os nossos militares, devemos recordar que já na Antiguidade, as elites civis de repúblicas como Roma e Cartago não viam com bons olhos que os militares adquirissem muito poder. Cá entre nós, dizem que existe mesmo um certo mal-estar entre as elites civis e os militares desde sempre. Quando da independência, o Império não dispunha de forças armadas profissionais que substituíssem o exército e a marinha portugueses. Cada província mantinha suas próprias forças para a manutenção da ordem interna sob o comando dos “coronéis” locais. O que aconteceu em 1804 na independência do Haiti, quando os escravos revoltosos massacraram a população branca, serviu de alerta a todas as elites coloniais. Quando foram criadas as forças armadas brasileiras profissionais já tinham como função precípua patrulhar o próprio povo.
    Quando, em 1919, o Brasil recebeu a missão militar francesa para reestruturar nosso exército, este teve como exemplo o exército colonial francês, estruturado para manter o domínio sobre o vasto império colonial que a França mantinha na época. Como o Brasil não tinha inimigos externos e nem um império colonial para controlar, nossas forças armadas passaram a agir nesse sentido em relação ao próprio povo. Nesse particular, as elites civis e os militares se entendem muito bem.

  4. Não consigo entender os choros e lamentações sobre a guerra do Paraguai. A questão é muito simples: Quem entra em guerra não pode chorar mortos. As pessoas se esquecem de que a guerra só começou por conta da invasão paraguaia às terras dos países que formaram a coalizão. Ora! Quem deveria ter pensado na sua população antes de entrar no conflito? O governo paraguaio ou o brasileiro? Ademais, não existe história militar. O que existe é história e, ao se analisar a história mundial, observar-se-á que os militares sempre estiveram ligados a todas as mudanças, ocorridas no mundo, independentemente de terem sido boas ou ruins.

  5. Curioso que não encontramos comentários à respeito das origens da “guerra do Paraguai”. Não se comenta a respeito da influência alemã sobre Solano Lopez; dos interesses britanicos para fornecer locomotivas para a ferrovia que o Paraguai estava construindo e que Solano Lopez havia adquirido na Alemanha – na época, era visivel a competição industrial entre o antigo “império britânico” e a Alemanha. Brasil, Argentina e Uruguai – a “triplice aliança” – foi preparada pelos ingleses, com a finalidade de impedir a implantação do projeto de desenvolvimento do Paraguai, à época a nação mais promissora da “américa latrina”, já nesta época dominada pelos interesses financeiros dos banqueiros da “city”. Financiaram a construção naval brasileira, à custa de vultosos investimentos, que colaboraram para o endividamento do império e que até hoje ainda sofremos as consequencias… Quanto ao Paraguai, teve sua população praticamente dizimada e até hoje ainda não conseguiu reerguer-se…

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