Para sobreviver, empresas brasileiras tornam-se importadoras e rentistas

Entenda o processo de desindustrialização precoce no Brasil
 
 
Jornal GGN – Na competição dos mercados a valorização do câmbio reduz as exportações de um país em todos os setores mas, nos últimos anos, o agronegócio brasileiro conseguiu se sair bem, mesmo em meio a um ambiente com um câmbio longe do ideal. No período que vai de 2003 a 2010, em especial, os empreendedores agrícolas viram suas exportações aumentarem graças a uma valorização das commodities em dólar, da ordem de 100%, fazendo esse nicho reinvestir no aumento de produtividade, inovação e automação. 
 
“Todos esses fatores melhoraram a competitividade do agronegócio, compensando os efeitos negativos do câmbio”, explicou o economista Antonio Correa de Lacerda, convidado do 60º Fórum Brasilianas.org sobre a estagnação da indústria, realizado hoje (30), em São Paulo.
 
Em contrapartida, para o setor industrial não houve um cenário econômico bom, no período recente, obrigando as empresas brasileiras a competirem no mercado interno com os produtos importados da feroz indústria chinesa. Por isso grande parte do consumo doméstico – que praticamente dobrou em dez anos – não se transformou em valor agregado, ou seja, não fez a indústria nacional crescer como poderia ter crescido. 
 
“A valorização do câmbio é uma das causas da estagnação econômica recente formada, em seguida, pela queda da demanda, dos preços internacionais das commodities e o esgotamento do modelo doméstico baseado no aumento do consumo da população” observou Lacerda. Do ponto de vista estrutural, o economista apontou que a indústria já vinha apresentando queda desde 2007. 

A chamada “doença holandesa”, produzida pelo excesso de dólares que entra no mercado interno, devido a elevada venda de commodities, ajudou a elevar apreciação da taxa de câmbio. Outro fator apontado pelo economista como prejudicial para a indústria brasileira é a manutenção de uma taxa de juros alta. 
 
Dessa forma o Brasil reprimarizou sua pauta de exportações. Entre 2005 e 2014 os produtos manufaturados exportados pelo Brasil passaram de 56% para 34%. 
 
“Ao longo desse período o câmbio se transforma não num preço da economia, mas sim em um preço de arbitragem. Seus ciclos de valorização provocam meras especulações. Uma evidência disso é a ociosidade da indústria. O que denota que não é que a indústria não tenha capacidade física, o que ela não tem são condições de competitividade, seja microeconômica, seja sistêmica, para fazer frente aos avanços dos produtos importados que tomam lugar da produção doméstica”, argumentou Lacerda.
 
Ele apontou, ainda, que não são as novas empresas que perdem espaço para os produtos importados, mas sim empresas brasileiras já estabelecidas que desativam linhas de produção para sobreviverem. “Elas se tornam duplamente importadoras e rentistas, diante de um quadro de juros elevado para gerar receita como estratégia de mercado defensiva de curto prazo, porque com isso ela deixa de responder às demandas de competitividade e inovação”, explicou.
 
Esse quadro leva a uma atrofia da indústria de transformação na composição do Produto Interno Bruto (PIB), situação considerada preocupante por especialistas porque o setor produtivo tem maior potencial de geração de riquezas do que o agronegócio. 
 
Porque se preocupar
 
Lacerda criticou grupos de economistas que não consideram problemático o processo de desindustrialização precoce da economia brasileira. “Não temos que comparar o Brasil com Estados Unidos ou Alemanha, temos que comparar com outros países de economia semelhante, como Coréia do Sul, China, Rússia e Índia, todos eles com um parque industrial que tem maior participação no PIB do que nós”, arrematou. 
 
O economista também não concorda com outra linha defendida por outros especialistas de que o Brasil tem setores econômicos que podem sustentar o PIB, como os serviços e agronegócio. “Ao ver a estrutura econômica no mundo, quantos países tem as condições que o Brasil tem, de ser bom no agronegócio, na indústria e ainda ser dinâmico no setor terciário? São poucos, e um deles é os Estados Unidos, logo vejo como um erro abrirmos mão da capacidade de desenvolver esses três setores complementares dentro dessa questão da cadeia de valor”, refletiu.
 
Outro ponto considerado relevante pelo professor é o fato do Brasil receber mais investimentos externos no setor produtivo do que o México, por exemplo. “O Brasil recebe um grande fluxo de investimentos estrangeiros de forma contínua e muito forte. Segundo relatório recente [preparado pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento/Unctad] o Brasil é o quarto maior destino de investimentos. O que os executivos estrangeiros estão vendo que nós não vemos?”, ironizou Lacerda. 
 
“Coloco essa contradição para caminhar para uma saída positiva. Cometemos sérios erros que aumentaram nossa vulnerabilidade externa, nos fazendo perder espaço na indústria de transformação, mas continuamos com o maior parque industrial da América Latina, fazendo parte de conexões importantes de empresas do mundo, que tem operações no Brasil, com executivos altamente capacitados”, finalizou. 
Redação

13 Comentários

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  1. Muito bem.

    Por que então esses empresários da industria não apoiaram Dilma no seu primeiro mandato, quando ela abaixou os juros e impostos? Por que não investiram no Brasil? Por que não fazem uma frente contra a mídia que são claramente contra a indústria? 

    1. Texto e comentário acima

      Porque parte dos empresários acreditaram na mídia com relação à perpectiva de apagão energético no Brasil; e outra parte porque não quer expor seu capital diante de uma mínima perpectiva de perda – são os empresários preocupados com lucro imediato.

    2. Brasileiro no geral

      não costuma arriscar, mas, querem ganho imediato, tanto que não são mtos que investem ou poupam dinheiro; óbvio que reduzindo impostos sem uma contrapartida resultaria em empresários embolsando o dinheiro…

       

      o Imposto Sobre Grandes Fortunas seria interessante para estimular o investimento, uma isenção/redução caso o dinheiro fosse usado em pagamento de salários e investimentos não seria uma boa idéia??

  2. Nossos representantes andaram bem calados

    É interessante verificar a desindustrialização, principalmente em São Paulo. Do setor têxtil, brinquedos, autopeças e estourando nas indústrias de base como siderugia e alumínio. 

    De certa maneira, a culpa disso tudo é da sociedade como um todo que prefere comprar baratinho ao invés de valorizar o importado. 

    Seja de um copo plástico a um carro, as pessoas deveriam se orgulhar em comprar produto nacional. Isto não ocorre, principalmente pela nossa síndrome de vira latas. 

    O comerciante ( rentista ) sabendo do complexo de vira latas, vê oportunidade de reduzir custos com o produto importado, importa peças acabadas ou semi, como se fosse matéria prima, aproveita brechas da lei, aumenta sua lucratividade e com isso deixa de comprar no mercado interno. Conclusão : bola de neve, balança negativa e desindustrialização.

    Tomara que voltemos a ser industrializados, ainda que tenhamos que nos contentar com as carroças, mas, pelo menos o emprego fica garantido.

    Nossos representantes eleitos ( Vereadores, Deputados Estaduais e Federais, Senadores ) nada fizeram para ajudar, desde o Sarney. Estes sendo mais esclarecidos que a média da população deveriam frear qualquer navegação fora de rumo e defender o país que os trouxe ao mundo e que os sustenta e as suas famílias.  

  3. A indústria

    além de todos os problemas apontados, enfrenta um outros, igualmente sério: a insensatez do sistema tributário nacional. A existência de um imposto sobre produtos industrializados é de um contra-senso a toda prova, é desestímulo!

    Hoje comprei uma cafeteira e do preço total, 58,67% eram referentes a impostos. Sem um mercado  interno robusto, a indústria não ganha escala pra enfrentar a concorrência dos importados. Quem dirá pra conseguir exportar.

  4. Quando a DILMA reduziu os

    Quando a DILMA reduziu os juros e o câmbio em 2012 nenhum desses canalhas a defendeu, agora vêm chorar as pitangas. Os industriais Brasileiaros são uns belos de uns cornos rentistas, isso sim  !! O negócio é dar uma bica nesses cafajestes e convidar industriais chineses para abrir fábricas no BRASIL. Esta faltando um PROGRAMA MAIS EMPRESÀRIOS, no Brasil.

     

     “O BRASIL PARA TODOS não passa na REDE GLOBO DE SONEGAÇÂO & GOLPES – O que passa na REDE GLOBO DE SONEGAÇÃO & GOLPES é um braZil-Zil-Zil para TOLOS”

    1. Sobre empresários chineses…

      Sobre empresários chineses… nenhum país cresceu sem renovar sua população com novas inclusões. O que tornaram os Estados Unidos grande é que desde meados do século XVII, nunca parou de chegar gente por lá. Quem já está, portanto, tem que ser competente; se não… dança!

      Aliás… aqui, debaixo de nossos narizes: São Paulo reduz o vigor do crescimento justo quando reduz a imigração.

  5. Tributação é a pedra no sapato

    Nos EUA a tributação da laranja é feita pela área plantada e aplicada sobre  uma média nacional de produtividade p.ex. 3 cx; assim sendo se o empresário produzir 4 cx na mesma área dilui o mesmo imposto em quase 30%. Ou seja a tributação premia quem melhora a produtividade e por isso acelera o progresso da agricultura. Aqui acontece o oposto: tributa-se por cx produzida e aumenta-se a tarifa a medida que cresce a produção: um desestímulo à melhora.

    Assim também acontece na indústria. a medida que a empresa cresce, as responsabilidades patronais crescem muito ,a fiscalização se acirra e os tributos aumentam percentualmente.  E, dependendo do segmento, seu sucesso comercial será mera consequência da política de financiamentos. Uma simples mudança de taxa de juros pode desabar com seu mercado.

    Entendo que o governo do PT apostou e certo no crescimento do mercado interno, colhendo uma marolinha do tisunami internacional de 2008/2011. Mas fez errada a lição de casa de enxugar o estado, aumentando os custeios públicos exageradamente. Acertou na necessidade da medicação social mas errou na dosagem do remédio, aplicando legislação demais antes do fortalecimento do mercado. A facilidade e abundância de crédito favoreceu o enriquecimento financeiro do empresariado mas não fortificou o mercado porque tornou desnecessária a concorrência. Assim hoje é muito mais cômodo o empresário migrar para o rentismo e protelar pagamentos aos financiamentos estatais e enxugar a empresa, do que “brigar” na concorrência do mercado.

    A solução é única e dolorosa e o Levy está aplicando-a bem: enxugar a máquina pública, reduzir a oferta de crédito, executar as dívidas obrigando o empresariado a pagá-las mesmo ao custo de mais desemprego. Mas é fundamental desonerar a produção tanto em tributos quanto em encargos trabalhistas para torna-la novamente atraente.

  6. Sadia x Perdigão e o mercado de ações

    Um caso que ficou famoso no Brasil, mas pelo lado negativo foi o caso da Sadia. Que preferiu entrar no mercado especulativo em vez de ampliar sua produção. Enquanto a bolsa estava em alta ela embolsou muito dinheiro e fez uma oferta hostial para adquirir 100% das ações da Perdigão. Depois de muita baixaria e troca de acusações o negócio foi inviabilizado. Poucos anos depois com a quebradeira geral da bolsa a Sadia perdeu muito dinheiro, pois havia priorizado o ganho fácil no mercado. Em dificuldades foi socorrida pela própria Perdigão que assumiu o comando da fusão das empresas na BRF.

    1. A Sadia lucrava com o dólar

      A Sadia lucrava com o dólar apreciado e perdeu muito, quase quebrou, quando o dólar se depreciou muito.

      Hoje parece que a BRF se recuperou toalmente é excelente empresa.

  7. O Brasil sempre foi o país do

    O Brasil sempre foi o país do ganho fácil. Até 1640, empréstimos reais e escravidão, subutilizados no fabrico do açúcar. A partir mdaí, a banca judaico-holandesa em Pernambuco, durante a estadia dos holandeses trouxe uma novidade: a agiotagem. Não demorou, e, depois de expulsos os holandeses e os judeus migrados pra Nova Iorque e entorno, com predominância dos jesuítas, todo mundo que tinha dinheiro emprestava a juros a quem só tinha pose. Por diversas vezes a Corte portuguesa teve que intervir, baixando decretos proibindo a liquidação da base produtiva – engenhos e escravaria – para pagar empréstimos a juros escorchantes. Por volta de 1830, muitos senhores de engenho ricos de meu estado já mais viviam de emprestar dinheiro ao governo do que de seus negócios de açúcar.

    Sobre empresários brasileiros… os há, claro! Mas, em geral, somos um país de agiotas e sinecuras.

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