Paulo Cunha, a morte de um grande brasileiro, por Luis Nassif

No auge do sucesso da Petrobras, indaguei dele as razões para não se envolver em negócios com a empresa, como a própria Odebrecht fazia. Ele dizia ser impossível enquanto ficasse por lá o fator Paulo Roberto Costa. E foi bem antes do início da Lava Jato.

Com a morte de Paulo Cunha, o país perde um de seus grandes defensores. Como presidente do grupo Ultra, fundador do IEDI (Instituto de Estudos e Desenfolfimento da Indústria), da Abiquim (Associação Brasileira da Indústria Química), Cunha, ao lado de Jorge Gerdau, Antonio Ermírio de Moraes, Paulo Villares, Cláudio Bardella, foi o último sopro de um projeto nacional saído do empresariado.

Seu entusiasmo pelo país era contagiante. E sempre era pautado pelo pragmatismo e bom senso. 

Não era herdeiro. Foi funcionário de carreira da Petrobras até ser convocado por Peri Iguel para o grupo Ultra. A companhia foi fundada por Ernesto Igel, empresário alemão que descobriu os negócios de gás no país. Foi sucedido por Peri Igel, seu filho. Nos anos 70 Peri passou a profissionalizar a empresa e, nos anos 80, criou uma holding – em que incluiu familiares e executivos – e passou a presidência para Paulo Cunha, um ex-funcionário da Petrobras. Cunha tornou-se acionista, ao lado de Hélio Beltrão.

Coube a Cunha transformar o grupo em um dos maiores do país. Sob sua inspiração, nos anos 80 criou-se o projeto tripartite – um terço de capital privado nacional, um terço de capital estatal e um terço de capital estrangeiro – que permitiu a criação de grandes centrais petroquímicas.

Nos anos 90, foi dos primeiros empresários a abraçar as novas formas de gestão, baseadas nos princípios da qualidade total e a conduzir a estratégia de crescimento da empresa sempre de forma segura, e jamais se envolvendo em escândalos.

Seu orgulho de ser brasileiro era contagiante.

Periodicamente, me convidava para almoçar  para narrar grandes e pequenos feitos.Lembro-me de uma coluna que escrevi sobre Mr. Linch, o geólogo americano que ajudou a montar o departamento de geologia da Petrobras. Cunha contou que havia contratado dois ex-executivos americanos, aposentados do setor químico, cujos conselhos permitiram ao grupo saltos excepcionais.

Certa vez, marquei um almoço com ele, para aconselhar minha filha que passara a fazer estágio em uma multinacional do setor de alimentos. Cunha pediu para ela descrever a estrutura da empresa e se vangloriou: 

  • Estão na idade da pedra da gestão. É por isso que as empresas brasileiras vão conquistar o mundo.

Era um amante do samba também, apaixonado por Paulinho da Viola. Frequentou alguns saraus em casa e aceitou o convite, algo inusitado, para conhecer o Ó do Borogodó, casa de samba em São Paulo. Não sei se chegou a conhecer o Bar do Alémão. Hélio Beltrão, sim. No Alemão tocamos juntos “Lamentos”, de Pixinguinha, mas eu ao estilo Jacob do Bandolim e ele, mais moderno, ao modo de Baden Powell.

Quando teve início a privatização da petroquímica, o Ultra disputou com a Brasken o controle da central da Bahia. A Brasken acabou fazendo uma aposta temerária e levou a empresa. Cunha foi criticado pelo excesso de conservadorismo, mas não arredou pé de seu propósito de conduzir o grupo Ultra por caminhos seguros.

No auge do sucesso da Petrobras, indaguei dele as razões para não se envolver em negócios com a empresa, como a própria Odebrecht fazia. Ele dizia ser impossível enquanto ficasse por lá o fator Paulo Roberto Costa. E foi bem antes do início da Lava Jato.

Nos últimos anos foi vítima de um AVC, que praticamente tirou sua voz. Certo dia me telefonou no meu escritório. Não consegui entender uma palavra do que dizia. Marcamos um almoço. Sentei na cadeira ao lado. Ele, com os olhos brilhando, de quem entendia toda a conversa, mas a voz não saía.

A última vez que o vi foi em uma visita ao seu apartamento, no Rio de Janeiro. Ali, já apoiado em um aparelho de som, conseguia se fazer entender melhor. Mencionou as mudanças que estava fazendo no grupo, sua vontade de voltar aa São Paulo.

Luis Nassif

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