Anistia Internacional critica segurança pública no Brasil

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Enviado por Paulo F.

Da série “Teje preso”

Já houve um presidente que disse: “Eu prendo e arrebento”. Continuamos na mesma?

do Deutsche Welle

Anistia Internacional vê crise na segurança pública brasileira

Curva ascendente de homicídios, violência policial, tortura e falência do sistema carcerário são sinais da crise, afirma ONG, que vê avanços na punição de crimes da ditadura militar.

A Anistia Internacional afirmou nesta quarta-feira (25/02) que o governo brasileiro não prioriza a segurança pública, uma situação que dá margem a violações generalizadas dos direitos humanos no país e causa a morte de cidadãos, principalmente de pessoas jovens, negras, pobres e radicadas nas periferias, bem como de agentes de segurança.

O relatório O Estado dos Direitos Humanos no Mundo 2014/2015 destaca o grande número e a curva ascendente dos homicídios no país; a violência policial – como as violações de direitos humanos observadas nos protestos realizados no ano passado; e a tortura e falência do sistema prisional – como a superlotação – como evidências da crise.

“O Brasil é um dos países onde mais se mata no mundo”, diz Atila Roque, diretor-executivo da Anistia Internacional no Brasil. “É inadmissível que haja cerca de 56 mil vítimas de homicídios por ano, a maior parte composta de jovens e, mesmo assim, esse não seja o principal tema de debate na agenda pública nacional.”

Ele diz, ainda, que cultiva-se a ideia de que o Brasil é um país pacífico. “Mas convivemos com números de homicídios que superam até mesmo locais onde existem conflitos armados e guerras”, afirma Roque.

O relatório afirma que, segundo estatísticas oficiais, 424 pessoas foram mortas pela polícia durante operações de segurança no Estado do Rio de Janeiro em 2013. “No primeiro semestre de 2014 houve um aumento do número de mortes nessas circunstâncias, quando a polícia matou 285 pessoas, 37% a mais que no mesmo período de 2013”, afirma o documento.

O relatório traz exemplos como Cláudia Silva Ferreira, que foi baleada por policiais durante troca de tiros na favela do Morro da Congonha, em março, e do dançarino Douglas Rafael da Silva Pereira, encontrado morto em abril após a polícia realizar uma operação na favela Pavão-Pavãozinho. A morte de Pereira desencadeou protestos, durante os quais uma pessoa, Edilson Silva dos Santos, foi morta pela polícia.

“Enquanto prevalecer o discurso da violência e uma espécie de Estado de exceção, que corrobore a percepção de que a vida de uns vale mais do que a de outros, viveremos a barbárie”, afirma Roque.

Os protestos que antecederam a Copa do Mundo também são citados. Segundo o relatório, milhares de manifestantes foram às ruas para protestar e, muitos deles, além de jornalistas, foram cercados e detidos de forma arbitrária. A ONG afirma que as polícias não estão preparadas para assegurar direitos fundamentais da democracia: a liberdade de expressão e de manifestação pacífica.

AI cita a violência policial como um dos motivos para a crise na área de segurança pública

Sistema carcerário tem problemas “endêmicos”

O relatório destaca as condições das prisões no Brasil. Para a ONG, superlotação extrema, condições degradantes, tortura e violência continuam sendo problemas endêmicos. Vários casos foram levados à Comissão e à Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Em 2013, 60 detentos foram assassinados na penitenciária de Pedrinhas, no Maranhão. Entre janeiro e outubro de 2014, mais de 18 internos foram mortos na mesma prisão. Houve o registro de um grande número de denúncias de tortura e outros maus-tratos, tanto no momento da prisão quanto durante os interrogatórios e a detenção nas delegacias de polícia.

O relatório cita o exemplo do pedreiro Amarildo de Souza, que foi detido e torturado até a morte pela polícia, em julho de 2013, quando voltava para sua casa na Rocinha, no Rio de Janeiro. No fim de 2014, seis dos 25 policiais envolvidos estavam detidos provisoriamente, enquanto aguardavam o julgamento.

O relatório recomenda que seja elaborado um plano nacional de metas para a redução imediata dos homicídios, em articulação entre o governo federal e os governos estaduais; e a desmilitarização e a reforma da polícia e o estabelecimento de mecanismos efetivos de controle externo da atividade policial.

Avanços contra impunidade de crimes da ditadura

Por outro lado, a ONG diz que houve avanços no Brasil em questões como privacidade e internet – com a aprovação pelo Congresso do Marco Civil da Internet – e discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero, além do enfrentamento da impunidade das violações de direitos humanos durante a ditadura militar, após a divulgação em dezembro, do relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV).

O relatório cita também que os povos indígenas e as comunidades quilombolas continuam enfrentando graves ameaças de direitos humanos. Entre janeiro e outubro de 2014, cinco pessoas foram mortas em disputas por terras no Maranhão. Em 2013, foram 34 no Brasil, três delas no Maranhão. A impunidade desses crimes alimenta o ciclo de violência, afirma a ONG de direitos humanos.

De acordo com a AI, o país teve avanços ao enfrentar a impunidade das graves violações de direitos humanos cometidas na época da ditadura (1964-1985). Em dezembro, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) pediu a punição dos envolvidos em violações cometidas pelo Estado durante a ditadura e, ainda, a revisão da Lei de Anistia.

O relatório divulgado pela Anistia Internacional apresenta um resumo sobre a situação dos direitos humanos em 160 países. O principal destaque é a espiral de violência criada pelos conflitos entre grupos armados não estatais, como o “Estado Islâmico” e o Boko Haram, e respostas brutais dos governos.

Para a ONG, esse cenário desencadeou grandes crises humanitárias, que estão na origem de escândalos sobre tortura, o crescimento do extremismo religioso, as migrações e o aumento do número de refugiados.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

4 Comentários

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  1. A violência que parte do

    A violência que parte do próprio aparato repressivo do Estado, não do governo, efetivamente é uma das inúmeras facetas dos nossos graves problema nessa área. Não podemos incidir em reducionismos por ânimos ideológicos, sob pena de incidirmos em desonestidade intelectual, se debitarmos só na conta dessa estrutura os indicadores vergonhosos, portanto inadmissíveis, da violência no país. 

    Mas se o cerne do texto é centrado nessa variável, então vamos a ela. A indagação, ou perplexidade inicial é: por que feito o diagnóstico; atestado que o Estado falha miseravelmente nas suas atribuições, não tomamos nenhuma providência concreta?

    Ora, um dos vetores para a violência advém, paradoxalmente, de uma fonte que(pelo menos teoricamente) deveria amenizá-la, no caso um sistema prisional sucateado e longe, bem longe, de cumprir sua missão básica que é a regeneração do detento e sua reinserção no meio social. Na realidade, fazem exatamente o contrário: os apenados retornam ainda mais violentos dado a agregação da revolta pela indignidade e desumanidade que sofreram nas nossas masmorras apelidas de presídios. 

    Sublinhei no início do texto ser essa questão afeta ao Estado, e não a governos, este a materialização apenas de um dos Poderes, o Executivo, para fixar com pertinência as responsabilidades a cargo do Judiciário e do Legislativo. O primeiro pelo abuso nas sentenças de restrição de liberdades ou a menor ênfase nas ditas penas alternativas de encarceramento, bem como no papel de fiscal da Execução Penal aceitar ou ser menos incisivo acerca da absoluta inadequação dos nossos presídios, verdadeiros depósitos de gente somente a espera da liberdade para reincidir na deliquência. 

    Já ao Legislativo, o Poder que efetivamente tem o condão de tratar o problema no seu aspecto estrutural, o da legislação. 

    No âmbito dos governos(estaduais e federal), especificamente pela abordagem da violência policial, mescla-se a incúria com a omissão. Faz-se necessário uma melhor preparação dos agentes da Lei no aspecto proativo e maior rigor para os excessos. Quando um policial por qualquer motivo maltrata um suspeito ou indivíduo sob  sua custódia, comete qualquer violência física ou psíquica, no fundo o executor é o próprio Estado, entidade que deve também ser alvo de censura e indignação por parte de todos nós, cidadãos e cidadãs.  

     

  2. No Brasil não existe

    No Brasil não existe segurança pública.

    O que existe é exterminio de jovens negros e brancos pobres.

    O resto é conversa fiada para boi dormir.

  3. Fugindo do assunto

    “É inadmissível que haja cerca de 56 mil vítimas de homicídios por ano, a maior parte composta de jovens e, mesmo assim, esse não seja o principal tema de debate na agenda pública nacional”

    É um assunto do qual todos estão fugindo, mesmo. Construir cadeia não dá voto, e soltar presos é mais barato do que construir prisão. No Brasil, um dos mais altos índices de criminalidade do mundo convive com uma das legislações criminais mais brandas do planeta, que oferece mil maneiras de relaxar a prisão e mil regalias com que os presos do primeiro mundo nem sonham, como visitas íntimas. No Brasil, é possível sair da prisão cumprindo apenas 1/6 da pena. E ninguém fica preso mais de 30 anos, mesmo se for condenado a 300 anos. Contrapondo essas disposições ultra-benevolentes com a realidade de descaso e brutalidade de nossas prisões superlotadas, não há nenhuma dificuldade em concluir que não se trata de humanismo coisa nenhuma, mas de subterfúgio para minimizar os gastos com segurança. Assim sobra mais para objetivos populistas que resultem em um retorno mais rápido em votos, e justificando tudo isso, temos um coro de bobalhões repetindo injunções imaginosas a respeito do fenômeno da criminalidade, ao qual é dado uma leitura de luta de classes e/ou racismo – como se não fossem também pretos e pobres a maioria dos assassinos de pretos e pobres!

    Há nessa postura um claro sintoma depressivo. O brasileiro acha-se sem autoridade moral para condenar os criminosos, uma vez que nossa socidade é muito injusta, então é ela, em última análise, a culpada pelos crimes. Como não se pode colocar a sociedade na cadeia, então não se faz nada.

     

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