O comércio das armas, por Adriano Moreira

Enviado por Paulo F.

O comércio das armas

Por Adriano Moreira

Do Diário de Notícias de Lisboa

Julgo recordar que o general Eisenhower, libertador da Europa ocidental antes de ser presidente dos EUA, declarou no seu discurso de despedida que não conseguira dominar o complexo militar industrial. Entramos em 2015 com analistas a concluir que as teorias das relações internacionais, ao mesmo tempo que valorizam o que chamam modestamente “soft power”, descuidam o “hard power”, designadamente atómico.

Por muito que mesmo doutrinadores humanistas procurem insistir em definir a moralizada “potência estruturante” para hierarquizar os Estados, o complexo militar-industrial continua próspero, anima os cães de guerra e a privatização da guerra, tornando famosos os nomes de Basil Zaharoff (1849-1936) na Primeira Guerra Mundial, Viktor Bout, que mereceu o título de Lord of War, e C. Wilson, que morreu em 2010, e que se justificou em nome da contenção do comunismo mundial (Zapea, 2015, L”Etat du Monde).

No globalismo, cuja estrutura continua insuficientemente conhecida, e não obstante os constantes apelos à paz, temos guerras nos “quatro cantos do mundo”, destacando-se cancros permanentes como Israel, pontos de partida com destino obscuro como na Ucrânia, doenças lentas como em Caxemira, destruições inúteis com sequelas gravíssimas como no Iraque, desafios, como na Síria, elo de uma corrente inquietante em que se destacaria o autoproclamado Estado Islâmico, e um outono ocidental onde a Europa ostenta, ao mesmo tempo, uma situação financeira inquietante e uma autonomia de segurança e defesa sem previsão orçamental credível.

É neste ambiente, saturado de combates entre soberanias de dimensão variável, ou simplesmente guerras dos povos que não acertam na viabilização da unidade sob um regime regular, que surgiu, tantos anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, o primeiro tratado da ONU sobre o comércio das armas clássicas, um tema modesto em vista do avanço tecnológico na área, mas cabendo no comentário popular do “é melhor que nada”.

O tratado, segundo o que a imprensa noticia, negociado em 2013, conta com a assinatura de 130 países, dos quais recebeu 60 ratificações, isto é, menos de metade. Em todo o caso, em cerca de metade que anuncia a esperança sem quebra das organizações empenhadas na efetiva proteção dos direitos humanos prometida pela Carta e pela Declaração de Direitos, em vez da vida relativizada pela dimensão que mantém o direito de fazer a guerra, com uma colheita que atinge uma maioria de desprotegidos, e efeitos colaterais que atingem todos. Tendo sido aprovado na Assembleia Geral a 2 de abril de 2013, não foi breve o trajeto até à entrada em vigor legal, e mais demorará até conseguir a difícil proeza de entrar em efetiva aplicação.

A ONU, responsável pelo setor, inevitavelmente manifestou-se feliz pelo resultado, mas certamente não esquecendo que um longo caminho se começa com um primeiro passo, e trata-se de um pequeno passo no que respeita a melhorar a estatística das atrocidades que constam do balanço do complexo militar industrial. Não há que contestar que “é o início de uma nova era que se deve à persistência das dezenas de organizações não governamentais que se batem pelo controlo do comércio de armas”. Basta pensar no percurso da sociedade civil dos próprios EUA, sem esquecer os recentes conflitos étnicos causados pela intervenção da polícia contra cidadãos negros, para imaginar como o trajeto será difícil e longo, o que aumenta o prestígio e o reconhecimento para com os que não baixaram os braços e vão continuar.

Uma dificuldade que logo se torna evidente quando o que podemos chamar “mercado razoável” fica em risco pelo facto de que o normativo fundamental é o de avaliar se o objeto do comércio, a qualquer título, poderá ser utilizado para violar os direitos humanos, contornando a regulação internacional. Aconselha votos para sobretudo vigiar e diminuir a extensão da privatização da segurança e defesa, porque, apesar de tudo, a invenção chamada Estado oferece mais confiança.

 

Redação

1 Comentário

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  1. Panacéias

      Podem escrever, discutir, promulgar, quantas leis, resoluções, congressos, memorandos, o comércio e trafico de armas leves é impossivel de ser controlado, só pessoas muito ingenuas poderiam crer em tal solução, exemplos atuais, só alguns:

       1. Um AK-74/101 fabricado na Romenia/Bulgaria, aparece na Bélgica ?

       2. Nigéria/Boko-Haram: Granadas chinesas, de uma encomenda com certificado do Nepal, explodindo na Africa Ocidental ?

       3. Misseis SAM poloneses, MANPADS Grom, fornecidos para a Geórgia em 2008, sendo utilizados por separatistas ucranianos ?

       4. Sudão/Somalia/Eritréia: Tanques T-64, Iglas, artilharia de 23mm e 14,5mm, RPGs, de procedencia ucraniana, com certificados de usuario final emitidos pela Guiné ?

       E os estoques libios ? Só de Iglas, de acordo com os fornecedores russos, eram mais de 2.000, onde estão ? 

        Os famosos “certificados de usuario final “, para armas leves, não funcionam, nunca funcionaram.

        Os governos produtores/exportadores sabem ? Claro que sabem, mas interesses economicos e geopoliticos superam qualquer tratado.

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