A economia das favelas

Por rickmoon

Boa reportagem do Hoje em Dia, de Belo Horizonte, mostra o emprrendorismo em favelas por conta da melhoria da renda das classes mais baixas.

Do Hoje em Dia

Boom econômico transforma a vida nas favelas

Negócios decolam com aumento da renda das classes D e E 

Izabela Ventura e José Antônio Bicalho – Repórter e Coordenador de Economia – 16/01/2011 – 23:16

Uma grande onda econômica está mudando o perfil de vilas e favelas de Belo Horizonte. A abundância de empregos e a redução da pobreza estão levando dinheiro morro acima e irrigando pequenos negócios que, por sua vez, geram novos empregos e fazem girar a roda das economias locais. Nesse círculo virtuoso, o amadorismo e a improvisação estão dando lugar à gestão, à qualidade e ao planejamento.

Na comunidade Jardim Teresópolis, em Betim, a Del Armarinho chama a atenção pelas vitrines bonitas e organizadas. Por dentro, a loja é modesta, mas bem cuidada. O atendimento é excelente e o mix de produtos absolutamente adaptado à demanda local.

ComoComo armarinho, vende um pouco de tudo: materiais de costura, brinquedos, roupas, perfumaria e todo tipo de miudezas. A proprietária, Regiane Verônica Gomes, impõe um ritmo dinâmico ao negócio. Quer que o cliente saia satisfeito com o produto, o preço, o atendimento e que volte no dia seguinte.

Com essa receita simples, que inclui um eficiente modelo de gestão financeira, Regiane está expandindo o negócio. Há um ano, abriu uma distribuidora de água mineral que vai de vento em popa. Começou vendendo 100 galões por mês, dentro do próprio armarinho. Hoje, com estrutura própria de estoque e distribuição, vende 4 mil.

No final do ano passado, o esforço da empresária foi publicamente reconhecido: Regiane foi eleita Empresária do Ano, na categoria Empreendedor Individual, pela Associação Comercial, Industrial e Agropecuária de Betim.

Regiane é um exemplo, mas não o único. No Jardim Teresópolis moram 32 mil pessoas. De 2009 até hoje, 1.250 trabalhadores autônomos da comunidade regularizaram sua situação fiscal dentro do previsto pela Lei Geral da Micro e Pequena Empresa. No mesmo período, a renda familiar média das famílias passou de R$ 547,48, para R$ 874,32 e a porcentagem de trabalhadores assalariados com carteira assinada subiu de 21% para 30,2%.

12,8 milhões de pessoas saem da pobreza

A redução do número de pessoas em situação de pobreza é o principal motor do empreendedorismo nas favelas. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que mede a distribuição de renda no país desde 1995, mostram que 12,8 milhões de pessoas saíram da condição de pobreza absoluta desde 2003. Neste segmento estão as pessoas que vivem com menos de meio salário mínimo. Há oito anos, estes compunham 43,4% da população. Hoje, são 33,6%.

Na faixa da pobreza extrema, de pessoas que sobrevivem com menos de um quarto de salário mínimo, estão 13,1 milhões de brasileiros, mas eram muito mais. Em 1995, a pobreza extrema afligia 20,9% da população, caindo para os 10,5% em 2008.

Segundo o economista da LCA Consultores, Fábio Romão, as classes D e E têm registrado, desde 2004, uma expansão de rendimentos acima da média. No ano passado, a massa de rendimentos (riqueza apropriada, incluindo dados da previdência) de toda a população brasileira cresceu 6,9%. Nas classes D e E essa expansão foi de 7,9%.

Isso acontece, segundo o economista, porque o salário dessas pessoas está indexado ao salário mínimo nacional, que veio crescendo acima da inflação.
Para este ano, a projeção de crescimento é menor. A massa de rendimentos global deve ser crescer 4,2%, enquando nas classes D e E, deve subir 4,3%.

Os valores do consumo das famílias também evidenciam o aumento do poder aquisitivo das classes mais baixas. Estudo do Instituto Data Popular, com dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as famílias gastaram, no ano passado, R$ 2,1 trilhões em consumo de produtos e na contratação de serviços diversos. Destes, R$ 329 bilhões foram das classes D e E, composta por 72 milhões de pessoas.

Semente de sucesso

O Del Armarinho foi comprado pela mãe de Regiane há dez anos. No início, dona Delvira Pimenta, costureira, apenas pregava botões para a vizinhança em um dos cômodos de sua casa. Foi alí que começou a vender objetos de costura para suas clientes. Há um ano, cansada, ela anunciou para os filhos que, se nenhum deles assumisse o negócio, iria fechar as portas. Regiane arrendou o armarinho da mãe – faltam poucas parcelas de R$ 1.200 para acabar de pagar o imóvel – e não parou mais de crescer.

Regiane aprimorou seu espírito empreendedor com cursos gratuitos do Programa Árvore da Vida, desenvolvido pela Fiat Automóveis em parceria com as ONGs Fundação AVSI e CDM. Ela fez cursos de marketing, recursos humanos, vendas e não pretende parar de estudar. “Quanto mais estudamos, mas abrimos nossa mente”, diz a empresária.

Regiane regularizou a situação do armarinho, que funcionava na informalidade. Conseguiu alvará, CNPJ, máquina de cartão e emite nota fiscal. Diz que essas conquistas eram sonhos. Toda a mobília foi trocada e o balcão pesado de madeira deu lugar a vitrines e estantes de vidro. Dessa forma, os produtos ficam visíveis e ela não precisa “descer as prateleiras” a cada pedido de cliente.

O faturamento bruto mensal do armarinho varia de R$ 3 a 5 mil. Nos meses de vendas de material escolar e próximo ao dia das crianças, o montante cresce. Sobre o prêmio de Empresária do Ano 2010 que ganhou no ano passado, Regiane Gomes diz que se sente lisonjeada. Fez questão de levar a mãe à cerimônia de entrega já que, segundo Regiane, foi a dona Delvira quem “plantou a sementinha do sucesso”.

Histórias de sucesso no Morro do Papagaio e na Serra

Em Belo Horizonte, 471 mil pessoas moram nas 208 vilas, favelas e conjuntos habitacionais populares, o que corresponde a 19,5% da população e 5% do território da cidade, segundo dados da Companhia Urbanizadora (Urbel). Em cada uma dessas comunidades é possível encontrar histórias de empresários bem sucedidos.
Um deles é Hélio Pimentel, dono de uma Mercearia Morro do Papagaio, na favela de mesmo nome. “Morro do Papagaio porque as crianças que subiam aqui no alto para soltar papagaios”, explica Hélio. Localizada no Aglomerado Santa Lúcia, na Região Centro-Sul, a comunidade tem 14,8 mil moradores.

Hélio assumiu a mercearia depois que seu pai morreu, há mais de 30 anos. A rua continua estreita, mas o asfalto chegou há alguns anos. O pai, preocupado com a falta de segurança que havia na comunidade, havia “instalado” um sistema improvisado contra furtos e roubos no estabelecimento, feito com garrafas plásticas presas à porta. Hoje, o morro está bem mais tranquilo, patrulhado pela Polícia Militar.

No começo, Hélio revendia produtos que comprava de grandes supermercados próximos ao Morro. Desde que comprou um caminhão, ele abastece a mercearia na Ceasa por preços bem mais vantajosos. A mercearia vende mais de quatro toneladas de grãos e açúcar por semana. Quinze funcionários trabalham com carteira assinada no local, incluindo os dois filhos de Hélio, de 20 e 23 anos, que pretendem assumir o negócio da família quando o pai precisar.

Sem revelar valores, o empresário diz que tem planos de investimento para o futuro e espera que os tempos de insegurança não voltem mais. “Houve uma época em que o crime prevalecia por aqui. Violência, tiroteios e tráfico de drogas amedrontavam, mas conseguimos prosperar, apesar das dificuldades”, disse.

Também no Morro do Papagaio funciona a Vera e Cia, uma mistura de armarinho e boutique. Virgulina Pereira da Silva, além de vender brinquedos, artigos para presentes e material para costura, oferece roupas e cosméticos comprados em São Paulo e Goiás. O armarinho é a única fonte de renda fixa da família. As filhas de Virgulina, de 16 e 23 anos, ajudam a cuidar do estabelecimento.

O marido faz apenas “bicos”. De acordo com uma das filhas, Tatiane Pereira da Cunha, o negócio vai bem e a família planeja abrir uma filial no alto do morro. “Não temos do que reclamar. Vivemos bem com esse negócio e estamos empenhados em fazê-lo dar certo e crescer”, disse.

A Vila Nossa Senhora de Fátima fica do Aglomerado da Serra, na Região Centro-Sul de BH, onde moram 13.291 pessoas. Uma delas, Sebastião Silva, conhecido com Seu Tião, fundou, há 20 anos, o Depósito Silva, de materiais de construção.

Onde antes funcionava uma pequena mercearia, hoje está a loja que é referência para quem está construindo ou reformando na comunidade, e que não são poucos. Tião se aposentou e seus três filhos tocam o negócio. O movimento na loja é reflexo das inúmeras obras em andamento na favela, entre novas casas, reformas e abertura de cômodos. Para dar conta da demanda, onze funcionários trabalham na empresa, inscrita no Simples Nacional.

Estefânia Sabino, 37 anos, filha do Seu Tião, não revela o faturamento, mas diz que o negócio é lucrativo e que não faltam clientes. “Nosso carro-chefe é material pesado, produtos de maior giro, que garantem escala e a saúde do negócio, mesmo que com margens menores”, explicou Estefânia.

Aumento da renda dos mais pobres fortalece a indústria nacional

Estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revelam que, além de fatores econômicos, políticas sociais elaboradas pelo poder público foram fundamentais para a elevar o padrão de vida dos moradores das favelas do Brasil.
Entre os fatores econômicos, o diretor de Estudos e Políticas Sociais do Ipea, Jorge Abrahão, cita o aumento real do salário mínimo; o avanço da renda da população; a formalização dos negócios e o acesso ao crédito.

Na esfera social, de acordo com o especialista, está o Programa Bolsa Família, que injetou dinheiro e criou pequenos consumidores nas favelas, expandiu a indústria nacional e criou condições favoráveis para os pequenos empreendedores.

Como foi reduzido o número de brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza?
Há um conjunto de fatores no campo da economia e de políticas sociais que permitiram a queda da pobreza. O crescimento econômico do Brasil, a partir de 2003, foi muito melhor do que em toda a década de 90. A expansão permitiu a ampliação da renda dos mais pobres; aumento do salário mínimo, que proporcionou incremento na renda do brasileiro; ampliação da formalização de negócios e empregos de melhor qualidade. Outro fator importante foi a implantação do Bolsa Família, que beneficiou 12 milhões de famílias que passaram a ter alguma fonte de renda.

Além da redução da pobreza, o que mais favoreceu a atividade empreendedora no país?
A ampliação da renda das famílias mais pobres, o que dinamiza as economias locais. As famílias mudaram seu papel e entraram no mercado como consumidores e pequenos empresários. Com isso, torna-se viável o surgimento de pequenos empreendimentos que antes eram impensáveis em certos lugares.

Quais mudanças, na prática, esses consumidores e pequenos empreendedores perceberam?
Se antes eles não existiam para o consumo, passaram a participar da circulação monetária, do fluxo de renda e ter acesso ao crédito. Um quantidade significativa de pequenos empreendedores entraram também para o mundo das transações comerciais.

E quais mudanças o país pôde sentir?
A principal mudança foi o fortalecimento da industria nacional, já que essa nova classe de consumidores compra produtos fabricados aqui. Isso expande a economia nacional, o que proporciona o desenvolvimento de bens e serviços e a redução da desigualdade.

Qual a tendência da pobreza e as perspectivas para os próximos anos?
A tendência é de que a pobreza extrema seja erradicada. E isso depende das decisões políticas e das prioridades do governo.

O que o poder público pode fazer para “turbinar” esses pequenos negócios?
Pode fortalecer as políticas de qualificação profissional, aumentar o acesso e a qualidade da educação e melhorar as condições de crédito e financiamento. Um exemplo de intervenção do governo que deu certo é a produção de merenda escolar. Uma parte dos produtos oferecidos às crianças é oriunda da agricultura familiar, para garantir geração de renda aos pequenos produtores. 

Luis Nassif

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